Revistas Id Materia 3699 Fase Imprime





A hidromorfona no controle da dor crônica
The hydromorphone in the treatment of chronic pain


Roberto E. Heymann
Assistente doutor e chefe do Ambulatório de Fibromialgia da UNIFESP.
Eduardo Paiva
Professor assistente de Reumatologia. Chefe do Ambulatório de Fibromialgia e do Curso de Especialização em Reumatologia da UFPR. Ex-fellow, Oregon Health and Sciences University, EUA.
Correspondência: Dr. Roberto Heymann – Rua Conselheiro Brotero, 1539 – conj. 52 – São Paulo – SP – CEP 01232-010 – Tel.: 55 11 3667-8014 – E-mail: heymann@ netpoint.com.br

Unitermos: opióide, hidromorfona, dor músculo-esquelética, dor crônica.
Unterms: hydromorphone, musculoskeletal pain, opioids, chronic pain.


Sumário
A hidromorfona é um agonista opióide semi-sintético, criado na Alemanha em 1921, tendo sido introduzida na prática clínica em 1926. Atualmente é empregada como opção à morfina nos casos de dor aguda ou crônica, de média a grave intensidade, em pacientes que apresentaram eventos adversos intoleráveis ou analgesia insuficiente com a morfina. A hidromorfona é um agonista opióide semi-sintético, muito semelhante estruturalmente à morfina. Sua eficácia e segurança na dor oncológica e na analgesia do pós-operatório estão demonstradas. A literatura também sugere que possa ser eficaz na dor músculo-esquelética. Recentemente, uma apresentação com tecnologia OROS foi lançada no mercado em alguns países da Europa, possibilitando sua utilização com posologia única diária, mais cômoda e eficaz no controle da dor.

Sumary
Hydromorphone is a semi-synthetic opioid agonist which structure is very similar to morphine. It was first synthesized in Germany in 1921, and was introduced into clinical practice by 1926. Nowadays, hydromorphone is used as a second option to morphine in the treatment of both acute and chronic pain, with moderate to high intensity, and in patients presenting intolerable adverse events or inadequate pain relief with morphine. Several studies have demonstrated the efficacy and safety of hydromorphone to relief the oncologic and postoperative pain. Recently, a new formulation using OROS technology was launched in some European countries. This once-a-day formulation provides a convenient and effective option to pain control.

Numeração de páginas na revista impressa: 28 à 32

RESUMO


A hidromorfona é um agonista opióide semi-sintético, criado na Alemanha em 1921, tendo sido introduzida na prática clínica em 1926. Atualmente é empregada como opção à morfina nos casos de dor aguda ou crônica, de média a grave intensidade, em pacientes que apresentaram eventos adversos intoleráveis ou analgesia insuficiente com a morfina. A hidromorfona é um agonista opióide semi-sintético, muito semelhante estruturalmente à morfina. Sua eficácia e segurança na dor oncológica e na analgesia do pós-operatório estão demonstradas. A literatura também sugere que possa ser eficaz na dor músculo-esquelética. Recentemente, uma apresentação com tecnologia OROS foi lançada no mercado em alguns países da Europa, possibilitando sua utilização com posologia única diária, mais cômoda e eficaz no controle da dor.

A hidromorfona apresenta estrutura muito semelhante à morfina (Figura 1) e atua principalmente nos receptores m e, em menor escala, em receptores delta, não atuando nos receptores kappa, sigma ou epsilon.

Semelhante aos demais opióides com ações nos receptores m e delta, a hidromorfona promove uma analgesia profunda em nível espinhal e supra-espinhal do sistema nervoso central (SNC). Sua administração intratecal inibe uma série de impulsos nociceptivos, induzindo uma analgesia profunda, e sua ação em receptores localizados nas regiões pré-sinápticas dos nervos aferentes primários inibe a liberação de vários neuromediadores pró-nociceptivos (em especial a substância P) na sinapse do corno posterior da medula.

A hidromorfona também antagoniza a ação exógena da substância P por sua influência nos interneurônios e pela sua atuação inibitória pós-sináptica no trato espinotalâmico, responsável pela transmissão nociceptiva ao cérebro1.

Apresenta potência analgésica cinco vezes maior que a morfina e 4 vezes maior que a oxicodona. A sua relação equinanalgésica em relação aos demais opióides pode ser observada na Tabela 1.

A hidromorfona está disponível para uso oral, retal ou parenteral, além da via epidural, conforme observado na Tabela 2. Embora possa, teoricamente, ser utilizada pelas vias intranasal, inalatória e transdérmica, inexistem no mercado apresentações especiais para estas vias de administração.


Figura 1 – Estrutura farmacológica da hidromorfona (4,5a-epoxy-3-hydroxy-17 methylmorphinan-6-one hydrochloride).

A hidromorfona oral apresenta absorção nas porções proximais do intestino delgado e é metabolizada intensamente no fígado em hidromorfona-3-glicurônica, deidroisomorfina-glicorônica e outros metabólitos, sendo, por fim, excretada pela urina. Sua ação analgésica está diretamente relacionada à hidromorfona não metabolizada e não aos seus metabólitos.

A hidromorfona-3-glicurônica, entretanto, apresenta neurotoxicidade 2,5 vezes maior do que os metabólitos derivados da morfina, o que explica a associação de náuseas e delírios em pacientes com insuficiência renal recebendo altas doses de hidromorfona2.


Os compostos de hidromorfona de uso oral com liberação imediata são rapidamente absorvidos e apresentam efeito analgésico 30 minutos após a dose, permanecendo por até quatro horas de duração. Pelo fato de apresentar solubilidade lipídica dez vezes maior que a morfina, seu efeito analgésico ocorre com maior rapidez do que a mesma, sendo por isso utilizada com sucesso em casos de dor aguda que necessitam de analgesia imediata1,3.

Quando administrada pela via endovenosa, apresenta um pico de elevação na concentração plasmática após cinco minutos, quando já se inicia seu efeito analgésico, que é no máximo de 8 a 20 minutos após, tempo que leva para a hidromorfona atravessar a barreira hematocerebral4.

Nos casos de dor crônica, a utilização das apresentações de dose única diária é mais indicada, pois mantêm a analgesia por 24 horas após a dose. Estas apresentações se tornam ideais nestes pacientes, pois permitem um esquema posológico mais confortável, um controle melhor da analgesia e apresentam menor incidência de eventos adversos, aumentando a qualidade de vida do paciente e sua adesão ao tratamento.

Está demonstrado que as formulações de dosagem única diária apresentam uma flutuação menor entre as concentrações plasmáticas mínimas e máximas. As concentrações plasmáticas mínimas destas apresentações se mantêm estáveis em níveis superiores aos daquelas de liberação imediata. Dessa forma, evitam-se interrupções freqüentes do sono pela dor e proporciona um controle analgésico mais eficaz ao longo do dia.

Os níveis plasmáticos máximos são mais estáveis e se apresentam inferiores aos picos observados nos de liberação imediata, diminuindo a incidência de eventos adversos. A biodisponibilidade da dose total de hidromorfona de rápida liberação, empregada durante 24 horas em um regime de múltiplas doses, é semelhante à de dose única, de forma que a transição entre os dois esquemas posológicos ocorre facilmente, sem necessidade de conversão de dose5-8 (Gráfico 1).

Estudos comparativos demonstraram que a hidromorfona OROS (posologia única diária) apresenta potência cinco vezes maior que a morfina de liberação prolongada (posologia 2X ao dia) e quatro vezes mais que a oxicodona de liberação gradual (posologia 2X ao dia), de forma que a conversão das doses destes opióides de liberação prolongada podem seguir as orientações da Tabela 19,10.

Atualmente, a apresentação de hidromorfona de posologia única diária utiliza a tecnologia OROS, que consiste numa cápsula internamente separada em dois compartimentos por uma membrana flexível. De um lado da cápsula fica o compartimento da hidromorfona e do outro o de uma substância hidrófila. Todo o sistema é envolvido por uma membrana semipermeável que controla a velocidade de entrada do volume líquido nos compartimentos.

Uma vez no tubo digestivo, o compartimento da substância hidrófila aumenta de volume e a expansão deste leva à compressão do compartimento da hidromorfona, que é então liberada gradativamente através de um orifício7,11,12 (Figura 2).



Gráfico 1 – Comparação entre as concentrações plasmáticas médias da hidroximorfona 12 mg, uma vez ao dia, com a de 3 mg de liberação rápida, quatro vezes ao dia.


Figura 2 – Esquema da tecnologia OROS utilizada para a liberação gradativa em 24 horas de hidromorfona7.

Na prática diária clínica, a hidromorfona é utilizada como um potente analgésico, cujo efeito é dose-dependente, agindo com eficiência e segurança na dor aguda, na analgesia pós-operatória e em estados dolorosos crônicos secundários a neoplasias13,14.

Nos pacientes com dor crônica secundária a neoplasias que já fazem uso crônico de opióides, nos quais a resposta analgésica esteja insatisfatória ou apresentem efeitos colaterais intoleráveis, a hidromorfona se torna uma boa opção, sobretudo nas apresentações de dose única diária. O emprego destas apresentações de hidromorfona demonstrou não só eficácia e segurança, mas também melhora na qualidade de vida15-18.

Embora o emprego da hidromorfona na dor crônica não oncológica ainda seja controverso, alguns estudos sugerem a possibilidade desta apresentar eficácia e segurança na dor músculo-esquelética. Estes estudos, em número mais reduzidos comparativamente aos oncológicos, demonstraram que a hidromorfona em dose única diária foi eficiente no alívio da dor, na melhora da qualidade do sono e na qualidade de vida em pacientes com dor lombar crônica durante sete semanas. Sua eficácia e segurança aparentemente se mantiveram estáveis por até seis meses.



No tratamento de pacientes com osteoartrite, a hidromorfona OROS demonstrou a mesma eficácia e segurança no alívio e na diminuição da intensidade da dor, quando comparada à oxicodona de liberação retardada, sendo, no entanto, mais eficaz na melhora da qualidade do sono19-24.

Os efeitos colaterais da hidromorfona ocorrem em conseqüência de sua ação nos receptores m e delta, responsáveis pelos eventos adversos como depressão respiratória, náuseas e vômitos, prurido e tolerância. Os receptores m, isoladamente, também são responsáveis por retenção urinária, euforia, obstipação e miose1 (Tabela 3).

Embora apresente eventos adversos semelhantes aos da morfina, alguns destes ocorrem em menor intensidade na utilização da hidromorfona (Tabela 4), sendo, portanto, uma excelente opção como agente analgésico para dores de média a forte intensidade.

Atualmente a hidromorfona de ação rápida é utilizada em vários países europeus e nos EUA, sendo que apresentação OROS já está disponível em alguns países europeus. O Brasil ainda não dispõe de nenhuma apresentação deste fármaco.

Em conclusão, a hidromorfona deve ser considerada como opção à morfina e a outros opióides para o controle da dor moderada à intensa. Sua eficácia na dor aguda, na oncológica e na dor pós-operatória está claramente estabelecida.Nos quadros de dor crônica não oncológica apresenta boa eficácia analgésica nas fases iniciais do tratamento. A formulação OROS, com administração uma vez ao dia, promove adequado controle da dor nas 24 horas, além de favorecer uma melhor aderência ao tratamento. A manutenção da eficácia no controle da dor a longo prazo ainda não está estabelecida, razão pela qual novos estudos serão necessários para a abordagem desta questão.




Bibliografia
1. Sarhill N, et al. Hydromorphone: pharmacology and clinical applications in cancer patients. Support Care Cancer, 2001; 9(2): 84-96.
2. Murray A, Hagen NA. Hydromorphone. J Pain Symptom Manage, 2005; 29 (5 Suppl): S57-66.
3. Fudin J, et al. Use of continuous ambulatory infusions of concentrated subcutaneous (s.q.) hydromorphone versus intravenous (i.v.) morphine: cost implications for palliative care. Am J Hosp Palliat Care, 2000; 17(5): 347-353.
4. Coda B, et al. Hydromorphone analgesia after intravenous bolus administration. Pain, 1997; 71(1): 41-48.
5. Vashi V, et al. Clinical pharmacology and pharmacokinetics of once-daily hydromorphone hydrochloride extended-release capsules. J Clin Pharmacol, 2005; 45(5): 547-54.
6. Grosset AB, et al. Comparative efficacy of oral extended-release hydromorphone and immediate-release hydromorphone in patients with persistent moderate to severe pain: two randomized controlled trials. J Pain Symptom Manage, 2005; 29(6): 584-94.
7. Angst MS, et al. Pharmacodynamics of orally administered sustained-release hydromorphone in humans. Anesthesiology, 2001, 94(1): 63-73.
8. Weinstein SM, et al. Multicenter, open-label, prospective evaluation of the conversion from previous opioid analgesics to extended-release hydromorphone hydrochloride administered every 24 hours to patients with persistent moderate to severe pain. Clin Ther, 2006; 28(1): 86-98.
9. Moriarty M, et al. A randomized crossover comparison of controlled release hydromorphone tablets with controlled release morphine tablets in patients with cancer pain. J Clin Res, 1999; 2: 1-8.
10. Hagen NA, Babul N. Comparative clinical efficacy and safety of a novel controlled-release oxycodone formulation and controlled-release hydromorphonein the treatment of cancer pain. Cancer, 1997; 79: 1428-1437.
11. Drover DR, et al. Input characteristics and bioavailability after administration of immediate and a new extended-release formulation of hydromorphone in healthy volunteers. Anesthesiology, 2002; 97: 827-36.
12. Conley R, et al. Clinical spectrum of the osmotic-controlled release oral delivery system (OROS*), an advanced oral delivery form. Curr Med Res Opi, 2006; 22(10): 1879-1892.
13. Quigley C, Wiffen P. A systematic review of hydromorphone in acute and chronic pain. J Pain Symptom Manage, 2003; 25(2): 169-78.
14. Hanna, M. The safety and efficacy of OROS hydromorphone in patients with chronic cancer pain. J Pain, 2006; 7 (4, Suppl.2): S35.
15. Lossignol D, et al. Opioid Rotation to Palladone SR (Hydromorphone Slow Release) for the Treatment of Severe Cancer Pain. European Journal of Pain, 2006; 10 (suppl S1): s144.
16. Wirz S, et al. Managing Cancer Pain And Symptoms of Outpatients by Rotation to Sustained-Release Hydromorphone: A Prospective Clinical Trial. European Journal of Pain, 2006; 10 (Suppl.S1): P.S145.
17. Giesen Hu, et al. Reliable Relief Of Strong Pain Through Individual Dose-Titration. In-Patient Pain Therapy With Sustained-Release Hydromorphone. European Journal of Pain, 2006; 10 (Suppl.S1): p.S141.
18. Hanna, M. Quality of life benefits of once-daily OROS hydromorphone in patients with chronic cancer pain. J Pain, 2006; 7 (4, Suppl.2): p.S36.
19. Waechter S, et al. Effect Of Once-Daily Oros Hydromorphone And Sustained-Release Oxycodone On Pain, Disability, And Joint Stiffness Associated With Chronic Osteoarthritis Pain. Ann Rheum Dis, 2006; 65(Suppl Ii): 410.
20. Wallace M, et al. Long-Term Safety And Efficacy Of Oros Hydromorphone In Patients With Chronic Low Back Pain. J Pain, 2006; 7 (Suppl.2): P.S52.
21. Dubois D, et al. Impact Of Once-Daily Oros Hydromorphone On The Sleep Profile Of Patients With Severe Chronic Low Back Pain. Ann Rheum Dis, 2006; 65(Suppll): 238.
22. Roth S, et al. Patient And Investigator Evaluation Of Pain Relief With Oros Hydromorphone In The Treatment Of Chronic Osteoarthritis Pain. J Pain, 2006; 7 (4, Suppl.2): P.S53.
23. Schein J, et al. Pain-specific outcomes for patients with chronic low back pain (CLBP) treated with once-daily OROS hydromorphone. J Pain; 2006, 7(4, Suppl.2): p.S56.
24. Wallace M, et al. Efficacy and safety evaluation of once-daily OROS hydromorphone in patients with chronic low back pain: a pilot open-label study. Curr Med Res Opin, 2007; 23(5):981-9.