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Auto-rotação cefálica no diagnóstico da disfunção vestibular
Autorotation test in the diagnosis of vestibular dysfunction


Heloísa Helena Caovilla
Professora associada livre-docente da Disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.

Unitermos: vertigem, nistagmo, labirinto.
Unterms: vertigo, nystagmus, labyrinth.


Os movimentos cefálicos habituais podem produzir ou agravar a vertigem dos pacientes labirínticos.
A prova de auto-rotação cefálica, efetuada nas mesmas freqüências da movimentação da cabeça nas atividades físicas diárias, reconhece disfunções do reflexo vestíbulo-ocular (RVO) horizontal e vertical em pacientes vertiginosos, podendo identificar melhor as anormalidades do RVO do que os testes vestibulares não fisiológicos e que empregam estímulos de baixa freqüência.

Portanto, a auto-rotação cefálica avalia fisiologicamente o RVO por meio de rotações da cabeça nas freqüências naturais da sua movimentação no dia-a-dia, sem a rotação do corpo.

Na prova de auto-rotação cefálica, a movimentação da cabeça e a movimentação dos olhos devem ter igual amplitude e direção oposta, em toda a gama de freqüências, em condições normais.

A função primordial do RVO é estabilizar o olhar para manter a visão clara durante a movimentação diária. Os movimentos da cabeça e dos olhos, durante a locomoção, ocorrem primariamente nas freqüências de 2 a 6 Hz, e devem ser iguais e opostos. Desvios deste padrão sugerem distúrbios do RVO.

A vertigem relacionada com os movimentos habituais da cabeça que se realizam nestas freqüências é comum, mas apesar disto, RVO não costuma ser estudado com estímulos acima de 2 Hz, devido às limitações técnicas das cadeiras giratórias.

Em freqüências acima de 2 Hz, o sistema de perseguição e o sistema optocinético são essencialmente insensíveis e a estabilização visual depende apenas do RVO, gerado pela estimulação dos sensores nos ductos semicirculares laterais ou verticais à movimentação cefálica para os lados, para a frente ou para trás.

Temos utilizado a prova de auto-rotação cefálica (Vorteq computerized autorotation test system, Micromedical Technologies, USA) na rotina clínica, como parte da avaliação funcional do sistema vestibular à nistagmografia computadorizada (ENG) ou videonistagmografia infravermelha.

Muitos autores relataram o valor clínico da auto-rotação cefálica como teste de triagem do RVO, no planejamento do tratamento, para fornecer informações diagnósticas, na avaliação de crianças, na medicina esportiva, monitorizando a reabilitação vestibular, o tratamento medicamentoso e a recuperação pós-operatória.

Uma coroa, incluindo um sensor de velocidade angular, é ajustada ao redor da cabeça do paciente, para avaliar o RVO nas freqüências de 0,5 a 8 Hz. Durante 15 segundos o amplificador da ENG grava os movimentos oculares, enquanto o sensor capta a velocidade da cabeça. O paciente fixa um alvo luminoso estacionário em ambiente semi-obscuro e balança a cabeça para a direita e para a esquerda, para a avaliação do RVO horizontal, e para cima e para baixo para a avaliação do RVO vertical. Os movimentos da cabeça são progressivamente mais rápidos, aumentando de modo linear em freqüência, de 1 a 5 Hz (teste horizontal) e de 1 a 3 Hz (teste vertical), em sincronia com um sinal acústico de freqüência variável, produzido por um metrônomo eletrônico.

O teste também pode ser efetuado à fixação visual de um alvo móvel sincrônico com a movimentação cefálica ou, ainda, com os olhos fechados e o paciente imaginando o alvo à sua frente.

O sistema vestibular produz movimentos oculares compensatórios à movimentação cefálica do paciente de acordo com o som. A velocidade média dos olhos e da cabeça é calculada e comparada pelo computador, para cada classe de freqüência, gerando valores de ganho (expresso em um número absoluto), fase (expressa em graus) e simetria (expressa em percentagem) do RVO.

O monitor do computador apresenta os resultados em gráficos, que podem ser impressos e armazenados. A variação da normalidade de cada parâmetro do RVO, em cada freqüência da estimulação no plano horizontal e vertical, consta da memória do equipamento e integra os gráficos de resultados da prova.

O ganho é uma medida direta da sensitividade do RVO. Ganhos baixos indicam movimentos oculares subcompensados, enquanto que ganhos altos representam movimentos oculares supercompensados. A fase reflete a latência entre os picos de velocidade dos olhos em relação aos da cabeça. Ganho e fase anormais provocam sensação de movimento do campo visual, oscilopsia ou vertigem. A simetria está relacionada com os valores do ganho para a direita e para a esquerda ou para cima e para baixo. Cada um destes parâmetros é útil para o diagnóstico de disfunção vestibular.

A tontura ou enjôo durante a prova é característica nos pacientes com distúrbios vestibulares. As anormalidades de ganho, fase e/ou assimetria do RVO, a partir de 2 Hz de estimulação, indicam uma disfunção vestibular. As anormalidades encontradas a 1 Hz da movimentação cefálica sofrem a influência dos sistemas oculares de perseguição e optocinético e não devem ser valorizadas.

A auto-rotação cefálica possibilita a investigação do RVO em altas freqüências, tem a capacidade de identificar disfunções vestibulares discretas que não são evidenciadas em outros testes, monitoriza a compensação vestibular em pacientes submetidos à terapêutica antivertiginosa, acompanha a evolução da lesão vestibular nos tratamentos oncológicos com citostáticos e em pacientes tratados com medicamentos ototóxicos e permite realizar avaliações em série ou triagem, inclusive em crianças. Entretanto, não é apropriada em pacientes com severo comprometimento cervical.

O teste proporciona informações adicionais sobre a função do RVO quando combinado com a bateria convencional de testes vestibulares, e pode propiciar achados anormais em pacientes com resultados normais à ENG.

De acordo com nossa experiência clínica, os achados anormais na prova indicam apenas a presença de disfunção vestibular. Entretanto, o teste não é capaz de diferenciar os estágios das doenças vestibulares agudos dos crônicos, de distinguir as disfunções periféricas das centrais, de localizar o lado da lesão, além de não terem sido encontradas anormalidades específicas em nenhuma vestibulopatia. Mesmo assim, é um dos testes mais sensíveis na identificação de achados de disfunção do sistema vestibular, pois possibilita o encontro de alterações em pacientes vertiginosos com hipótese diagnóstica de vestibulopatia até mesmo quando não há anormalidades nas outras etapas da equilibriometria.

Não parece haver correlação entre a intensidade das anormalidades identificadas no teste e os estados clínicos das afecções vestibulares, mas as anormalidades mais intensas são geralmente observadas nos casos clinicamente piores.

A grande vantagem da auto-rotação cefálica sobre os outros procedimentos à ENG é a possibilidade de avaliar a função vestibular numa faixa mais ampla de freqüências (1 a 8 Hz).

Verificamos que pacientes com resultados normais ao teste de auto-rotação cefálica costumam ter ENG normais.

Entretanto, temos encontrado freqüentemente teste de auto-rotação cefálica anormal com resultados normais à ENG, porque a auto-rotação cefálica mede o RVO horizontal e vertical com estímulos de alta freqüência, enquanto que a ENG só analisa o RVO horizontal a estímulos de baixa freqüência.

A auto-rotação cefálica não é só um procedimento diagnóstico para evidenciar a disfunção vestibular em pacientes vertiginosos, mas também é um instrumento para avaliar os resultados nos programas de monitorização do tratamento.

Em estudo realizado com cem pacientes vertiginosos, pudemos demonstrar a utilidade clínica do teste na monitorização da terapia da vertigem em vestibulopatias periféricas, o que não ocorreu nas vestibulopatias centrais. Monitorizando a compensação vestibular e a eficácia terapêutica por meio da avaliação do RVO à auto-rotação cefálica, verificamos uma forte correlação estatística entre a evolução dos sintomas e as modificações objetivas do RVO em 74% destes pacientes.

Em outro estudo, analisamos o RVO horizontal e vertical com Vorteq em 1000 pacientes vertiginosos consecutivos.

A idade dos pacientes variou entre 17 e 84 anos, com média de 47 anos; 625 casos eram do sexo feminino e 375 do sexo masculino.

Os sintomas dos pacientes, em ordem decrescente de prevalência foram tontura, zumbido, perda auditiva, cefaléia, distúrbio de memória, intolerância a sons mais intensos, náusea, ansiedade, depressão, fraqueza, sensação de pressão nos ouvidos, medo, quedas, suor, palidez, taquicardia e vômitos.

Distúrbios metabólicos e/ou vasculares, migrânea ou outras desordens clínicas foram encontradas como os principais presumíveis fatores etiológicos extraídos da anamnese.

Diabetes e/ou migrânea foram os antecedentes familiares relatados em vários casos.

Muitos pacientes apresentaram diferentes anormalidades ao exame audiológico. A disacusia neurossensorial foi a alteração mais identificada.

Os testes que revelaram achados de disfunção vestibular, em ordem decrescente de prevalência, foram a auto-rotação cefálica, pesquisa de nistagmo posicional e de posicionamento, prova calórica, nistagmo espontâneo, movimentos sacádicos, rastreio pendular, prova optocinética, nistagmo semi-espontâneo e avaliação do equilíbrio estático e dinâmico.

Verificamos que 69,5% dos casos apresentaram exclusivamente disfunção vestibular e 30,5% dos pacientes evidenciaram envolvimento coclear adicional.

Várias hipóteses diagnósticas foram formuladas, tais como vertigem posicional paroxística benigna, doença de Meniére, afecções metabólicas, vasculares etc., em ordem decrescente de prevalência.

O diagnóstico de síndrome vestibular periférica foi efetuado em 83,5% dos casos, enquanto que o diagnóstico de síndrome vestibular central foi observado em 16,5% dos pacientes.

Anormalidades do RVO horizontal e vertical à prova de auto-rotação cefálica foram encontradas em 82,5% dos pacientes vertiginosos.

Em relação ao RVO horizontal, aumento ou diminuição de ganho foi a anormalidade prevalente. Em relação ao RVO vertical, atraso ou avanço de fase foi a anormalidade predominante. A combinação de anormalidades do RVO horizontal e vertical foi observada na maioria dos casos.

RVO horizontal e/ou vertical anormal foi identificado em 78,3% das vestibulopatias periféricas e em 69,5% das vestibulopatias centrais.

Concordância da direção da assimetria com o lado da lesão vestibular foi verificada em 62,9% dos pacientes.

A prova de auto-rotação mostrou anormalidades funcionais do sistema vestibular em 82,5% dos casos, enquanto que a ENG revelou alterações vestibulares em 76,3% dos pacientes.

Em 20,8%, dos pacientes foram encontradas abnormalidades exclusivamente à auto-rotação. Em conseqüência, incluindo as anormalidades à auto-rotação, apenas 2,9% dos pacientes com presumível disfunção vestibular apresentou resultados normais à vestibulometria.

Concluindo, a prova de auto-rotação cefálica proporciona importante informação adicional sobre o estado funcional do RVO horizontal e vertical, quando combinada com a bateria convencional de testes vestibulares, ajudando, desta forma, a diagnosticar a disfunção vestibular em pacientes vertiginosos com ou sem anormalidades à ENG.


Figura 2.1 – Prova de auto-rotação cefálica com aumento anormal do ganho do reflexo vestíbulo-ocular horizontal e redução anormal do ganho do reflexo vestíbulo-ocular vertical, em paciente vertiginoso com vertigem posicional paroxística benigna.




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