Lavagem articular |
Leandro Parmigiani |
Pós graduando. |
Rita Furtado |
Assistente-doutora. |
Jamil Natour |
Prof. Adjunto da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). |
Endereço para correspondência: Jamil Natour – Disciplina de Reumatologia/UNIFESP – Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 – São Paulo – SP. |
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Numeração de páginas na revista impressa: 02 à 06 A lavagem articular é uma técnica que utiliza a passagem de grande volume de soro fisiológico através de uma articulação como opção de tratamento. Tem como racional principal a retirada de produtos de degradação da cartilagem articular utilizando-se um grande volume de líquido infundido e drenado através de agulha de grosso calibre. É utilizada rotineiramente em centros europeus, principalmente na França, como procedimento ambulatorial para diferentes enfermidades articulares (osteoartrite, artrite inflamatória e artrite séptica), principalmente em joelho, por tratar-se de articulação de grande porte e de fácil acesso. Osteoartrite O tratamento da osteoartrite visa reduzir a dor, manter a mobilidade articular e impedir a perda funcional. Em 1995 o Colégio Americano de Reumatologia (ACR), orientou diretrizes para o tratamento desta doença. Constam de orientações educacionais, terapia física e ocupacional associada a analgésicos. Vários trabalhos mostram que a maioria dos pacientes tem benefício inicial com paracetamol em seu uso isolado ou associado de antiinflamatório não esteróide em caso de dores maiores. Contudo, o uso crônico destas drogas, principalmente em pessoas com faixa etária mais elevada e com determinadas doenças, expõe os pacientes à toxicidade gastrointestinal, hepática e renal. O sulfato de glicosamina, sulfato de condroitina e diacereína também são drogas utilizadas no intuito de reduzir as dores e progressão da doença através da reparação e manutenção da cartilagem articular, porém seus reais efeitos são considerados modestos. É na osteoartrite onde o uso da lavagem articular é mais difundido. Teoricamente através deste procedimento removem-se, mais eficazmente do que numa artrocentese comum, os elementos envolvidos na inflamação articular, como citosinas inflamatórias, enzimas proteolíticas, cristais e produtos da degradação da cartilagem e do osso subcondral. A fagocitose destas últimas partículas pelos macrófagos sinoviais pode ser estímulo constante para uma resposta inflamatória da membrana sinovial. Além da retirada mais agressiva desses estímulos inflamatórios, a lavagem articular distende de forma importante a cápsula articular, o que pode promover uma contra-aferência cerebral e contribuir para a analgesia articular. No entanto, as evidências científicas da efetividade deste procedimento baseadas em trabalhos controlados ainda são conflitantes, assim como o custo-benefício da lavagem articular realizada por artroscopia em relação à realizada ambulatorialmente. O benefício da lavagem articular, em pacientes com osteoartrite dolorosa de joelhos, que já foram submetidos a tratamento conservador tem sido investigada em vários estudos randomizados. Os efeitos sintomáticos benéficos da lavagem foram observados por curto período de tempo. Livesley et al., em 1991, apresentaram um estudo em que foram avaliados 61 joelhos com osteoartrite sintomática, sendo 37 submetidos à lavagem artroscópica associada à fisioterapia e 25 somente a tratamento fisioterápico. Os pacientes foram avaliados 0, 3, 6 e 12 meses após o tratamento e apresentaram melhora dos sintomas no grupo da terapia combinada. Contudo, a redução dos sinais inflamatórios permaneceu por apenas três meses. Em 1992, Ike et al., avaliaram os sintomas de dor, capacidade funcional e inflamação em um trabalho com 77 pacientes com osteoartrite de joelhos por um período de 14 semanas, comparando a lavagem articular associada à fisioterapia com fisioterapia isolada. Observou-se redução dos parâmetros de dor e inflamação no grupo que foi submetido à lavagem articular, mas sem diferença estatística quanto à função articular. A comparação entre cirurgia artroscópica e lavagem articular foi estudada por Chang et al., em 1993, em 32 joelhos com osteoartrite divididos em dois grupos e avaliados quanto às variáveis dor, função e custos diretos e indiretos nos tempos 0, 3 e 12 meses. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos nas medidas avaliadas, com exceção do custo superior para o procedimento artroscópico. A limitação do estudo está no pequeno número de pacientes envolvidos. Um estudo conduzido por Hubbard et al em 1996, com cinco anos de duração, avaliou 76 joelhos sintomáticos de pacientes com osteoartrite, em que 40 deles foram debridados através da artroscopia e 36 deles submetidos à lavagem articular ambulatorial. Os resultados apresentados, relatados simplesmente como sucesso e falha, mostraram serem favoráveis ao grupo submetido a artroscopia. Ravaud et al., em 1999, tentando definir a melhor abordagem para o tratamento de pacientes com osteoartrite de joelhos, propôs, através de seu estudo, comparar a infiltração intra-articular com solução salina, infiltração intra-articular com corticosteróide (cortivazol 3,75 mg), lavagem articular associada à infiltração intra-articular com solução salina e lavagem articular associada à infiltração intra-articular com corticosteróide (cortivazol 3,75 mg). Os grupos, compostos por um total de 98 pacientes, foram avaliados nos tempos 1, 4, 12 e 24 semanas após o procedimento quanto às variáveis dor, estado geral de saúde e índice funcional de Lequèsne. Os pacientes que realizaram lavagem articular isolada ou associada ao corticosteróide relataram melhora da dor nas 24 semanas de acompanhamento. Já os pacientes submetidos apenas à infiltração intra-articular com corticosteróide tiveram melhora da dor somente nas primeiras quatro semanas do tratamento. Entretanto, deve-se relembrar que o corticosteróide utilizado neste estudo (cortivazol) não é considerado tão atrofiante como o hexacetonido de triancinolona, droga de eleição para a utilização intra-articular. Em 2003, Smith et al. avaliaram 38 pacientes submetidos à lavagem artroscópica seguido da introdução articular de 120 mg de metilprednisolona e 33 pacientes que realizaram o mesmo procedimento, contudo, sem a adição do corticosteróide. Demonstrou-se, através do VAS para dor ao movimento e repouso, crepitação articular ao movimento, função (questionários WOMAC e Lequèsne), que não houve diferença significativa entre os grupos nas 24 semanas. Porém, a associação do corticosteróide mostrou melhora dos resultados nas primeiras quatro semanas do estudo. No estudo envolvendo lavagem articular de joelhos com o maior número de pacientes incluídos (Bradley, 2002) a efetividade da lavagem articular foi avaliada em 180 pessoas com osteoartrite de joelhos divididas em dois grupos: 89 submetidos à lavagem articular e 91 a procedimento simulado. No final de um ano, não foi observada diferença entre os grupos para as variáveis relacionadas à dor e função. Infelizmente nenhum fator preditivo para eficácia da lavagem articular foi determinado, neste que foi o maior estudo já realizado: característica demográficas ou radiográfica, presença de sinovite, contagem de leucócitos ou presença de cristais no líquido sinovial. Não existe um consenso para a indicação da lavagem articular, a impressão clínica nos centros que realizam rotineiramente este procedimento é que as melhores indicações para a lavagem de joelho na osteoartrite seriam as seguintes: condrólise radiográfica aguda, sinovite crônica resistente ao repouso e ao uso de drogas como antiinflamatórios não esteróides e a injeções intra-articulares com hexacetonide de triancinolona em doença de estágio não grave, sem sintomas de ruptura de menisco, de instabilidade articular ou grandes corpos livres intra-articulares. Outras indicações da lavagem seriam na artrose sintomática de joelhos sem sinovite, sem resposta ao tratamento médico conservador e reabilitação ou na artrose avançada com ou sem sinovite, em pacientes que se recusam a fazer cirurgia ou se esta última estiver contra-indicada. Apesar de dados conflitantes na literatura quanto à efetividade da lavagem articular, trata-se de procedimento utilizado na rotina de em alguns centros para o tratamento da osteoartrite, principalmente de joelho. A necessidade da “limpeza” da cavidade articular principalmente na osteoartrite de joelho, aliada ao baixo custo do procedimento e efeitos similares aos da lavagem artroscópica, sem necessidade da realização de anestesia geral e ambiente diferenciado, torna esta técnica um procedimento a ser considerado em um país como o nosso, e para tratamento de uma enfermidade ainda com poucos recursos terapêuticos, de grande impacto. Artropatia inflamatória A efetividade da lavagem articular na artrite reumatóide ainda está indefinida. A maioria dos estudos controlados usou uma pequena quantidade de solução salina (40 a 500 ml) e agulhas de pequeno diâmetro (1,45 a 2 mm), o que é provavelmente inadequado para a lavagem eficiente das articulações com sinovite crônica. Tanaka et al., em 2002, mostrou que a infusão de 5 a 10 litros de solução salina foi mais efetiva do que a de 500 ml a 1.500 ml. A lavagem articular pode ser especialmente útil nessas enfermidades quando há presença no líquido sinovial de “corpos de arroz”, considerados um dos fatores de manutenção da sinovite. No entanto, a sua retirada adequada requer grandes quantidades de solução salina (3 litros) e um acesso articular de grande calibre (4 mm). Nenhum preditor de resposta à lavagem articular tem sido claramente definido nestas enfermidades. No momento as indicações propostas para a lavagem articular na artrite inflamatória incluem: sinovite inflamatória resistente ao tratamento de base e a infiltração intra-articular de corticosteróide ou sinovectomia por radioisótopo, especialmente se os “corpos de arroz” estiverem presentes no líquido sinovial. Artrite séptica O tratamento da artrite séptica é baseado no uso de antibióticos, repouso e drenagem da articulação. A lavagem articular pode ajudar na drenagem do material purulento rico em bactérias, fibrina e enzimas proteolíticas que continuam a danificar a cartilagem até mesmo quando o microrganismo foi erradicado. Além disso, os antibióticos podem ser menos efetivos sem a drenagem adequada da articulação infectada e a alta pressão intra-articular persistente, devida efusão, pode contribuir para o dano da cartilagem. A lavagem articular é mais bem realizada durante a artroscopia nos casos de diagnóstico tardio e com formação de lojas cura drenagem não é possível por punção. A lavagem articular não cirúrgica deve também ser realizada imediatamente após a punção diagnóstica de artrite séptica. Uma cânula de 4 mm e um grande volume de solução salina são necessários nestes casos. Deve ser repetida diariamente nos casos de diagnóstico precoce que não necessitaram de colocação de drenos com lavagem contínua. O tratamento da artrite séptica é baseado no uso de antibióticos, repouso e drenagem da articulação. A lavagem articular pode ajudar na drenagem do material purulento rico em bactérias, fibrina e enzimas proteolíticas que continuam a danificar a cartilagem até mesmo quando o microrganismo foi erradicado. Técnicas independentemente da indicação da lavagem articular, ela pode ser realizada através duas técnicas. Em uma delas são utilizadas duas agulhas e em outra, apenas uma. A primeira é rotineiramente utilizada por reumatologistas franceses e a segunda, avaliada e validada por pesquisadores americanos. Não há estudos comparando a eficácia das duas técnicas e elas se aplicam melhor ao joelho, articulação mais freqüentemente submetida a este procedimento. A lavagem articular deve ser realizada em condições rigorosamente assépticas para evitar a possibilidade de promover uma artrite séptica iatrogênica. Com o paciente em decúbito dorsal, o joelho é abordado por via lateral, 2 cm superior e lateralmente ao ângulo súpero-lateral da patela. Em casos de difícil acesso a via medial pode ser utilizada. A artrocentese de joelhos é seguida da introdução de anestésico, como a lidocaína 1% sem vasoconstritor; 10 ml intra-articular e 5 ml no trajeto da cavidade intra-articular até a pele para que o paciente não apresente desconforto durante a introdução e posicionamento da agulha. A agulha a ser utilizada deve ter diâmetro de no mínimo 2 mm e comprimento suficiente para alcançar sem dificuldade o ambiente intra-articular sub-patelar. No Brasil não dispomos de uma agulha descartável com estas dimensões. No entanto, a agulha de Cope, utilizada para biópsia pleural, pode ser utilizada para este fim. Esta agulha apresenta um calibre apropriado que impede a obstrução do orifício com produtos de degradação presentes na cavidade articular. Ela deve ser acoplada com um sistema fechado que possibilite a infusão de 1.000 ml de solução fisiológica 0,9% no ambiente intra-articular (Figura 1). Gradualmente um volume de 50 a 80 ml é infundido na articulação e drenado após a mobilização do joelho com 10º a 20º de flexão e extensão combinadas para promover a irrigação de todo o compartimento tibiofemoral. Na lavagem articular com duas agulhas, uma agulha é introduzida pela via lateral e outra pela via medial. Desta forma o sistema fechado não precisa ser desacoplado para drenagem do líquido infundido. As complicações que podem ser desencadeadas pelo procedimento são: artrite séptica, tromboflebites e fístula sinovial, todas muito raras. Nos casos de osteoartrite e artropatia inflamatória, geralmente realiza-se a infiltração intra-articular com hexacetonido triancinolona no final do procedimento, ainda, nos caso de osteoartrite, infiltra-se também hialuronano, associando-se os benefícios da lavagem aos da infiltração intra-articular.
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