Megaureter primário (MP) |
Pedro Vanalle Ferrari, Flávio Duarte Silva, Matheus Lenes Rodrigues |
Disciplina de Urologia da Escola Paulista de Medicina – Unifesp-EPM. |
Petrus Oliva Souza, Daniel Alcântara Pereira, Gilmar Garrone, Sérgio Ottoni, Antônio Macedo Júnior, Valdemar Ortiz |
Disciplina de Urologia da Escola Paulista de Medicina – Unifesp-EPM. |
|
Numeração de páginas na revista impressa: 36 à 44
Resumo
O megaureter pode ser primário ou secundário, decorrente de obstrução, refluxo, ambos ou nenhum dos dois. A causa mais aceita para o megaureter primário (MP) obstrutivo é um estreitamento da porção justavesical do ureter que também é aperistáltica. O MP refluxivo é devido a uma ausência ou diminuição importante da porção intravesical do ureter, o que favorece o refluxo. A suspeita do diagnóstico de megaureter freqüentemente se inicia após um quadro clínico específico, por exemplo, infecção do trato urinário (ITU) ou após uma ultra-sonografia (US) pré ou pós-natal, identificando uma dilatação do trato urinário superior. A uretrocistografia miccional (UCM) é o passo seguinte para diagnóstico ou exclusão de refluxo vesicoureteral (RVU). O passo final e mais difícil é a diferenciação de megaureter obstrutivo e megaureter não obstrutivo e, para isso, vale-se da renografia, US doppler e teste de Whitaker. O megaureter primário apresenta, em metade dos casos, regressão espontânea o que nos permite uma conduta expectante inicial com antibioticoprofilaxia. Em 10% a 25% dos pacientes a cirurgia se faz necessária, pois o quadro passa a ser sintomático (ITUs, dor abdominal, hematúria) ou se observa perda progressiva da função renal.
Introdução
O megaureter é uma patologia congênita que nos últimos anos se observou um grande aumento em sua incidência e prevalência. Isso ocorreu principalmente devido à prática corriqueira da ultra-sonografia na fase pré-natal. Ao diagnóstico se seguiu um questionamento sobre o momento certo de se realizar uma intervenção cirúrgica e sua própria indicação, já que observamos hoje muitos casos que apresentam um curso assintomático e evoluem para resolução espontânea.
Classificação
Muitas classificações foram propostas para o megaureter, porém a mais utilizada é a elaborada por Smtih et. al.(1), pois se mostrou mais simples e prática para o dia-a-dia do urologista. Nesta classificação os megaureteres são divididos em obstrutivos, refluxivos, não obstrutivo/não refluxivo, sendo que cada tipo é subdividido em primário e secundário. King, em 1980(2), acrescentou a esta classificação uma entidade menos freqüente que é o megaureter refluxivo e obstrutivo. Na Tabela 1 podemos observar detalhadamente os tipos de megaureter.
Epidemiologia
Megaureter primário é uma causa comum de hidronefrose (23%)(3). Acomete mais o sexo masculino do que o feminino, sendo a proporção encontrada de 4:1 e em 25% dos casos o acometimento é bilateral. Crianças diagnosticadas antes de um ano de idade têm maior chance de ser bilateral do que as que se apresentam com mais de um ano(4). O ureter esquerdo está envolvido 1,5 a 4,5 vezes mais do que o direito. Quando a apresentação é unilateral em 10% a 15% dos casos, o rim contralateral é displásico ou ausente. Foram descritas famílias com mais de um caso de megaureter primário, porém não foi encontrado caráter hereditário.
Fisiopatologia
Megaureter primário refluxivo É causado pela ausência ou diminuição da porção intravesical do ureter, divertículo parauretérico congênito ou qualquer outro defeito na junção ureterovesical (JUV) que acarrete refluxo. Lee et. al.(5) observaram nestes casos um aumento de colágeno e redução do tecido muscular liso, sendo esta combinação responsável pelo refluxo.
Megaureter primário refluxivo e obstrutivo Em um pequeno número de pacientes observamos o refluxo combinado à obstrução. Em uma série de 400 casos de refluxo, Wiess e Lyton(6) encontraram nove (2%) com obstrução concomitante. Nestes casos são observadas malformações na parte distal do ureter que acarretam uma aperistalse, causando obstrução, e também uma porção intravesical reduzida, causando o refluxo.
Megaureter primário não obstrutivo e não refluxivo Muitos dos megaureteres primários detectados em neonatos se enquadram nesta categoria, nele não é observado obstrução nem refluxo, porém, invariavelmente, o ureter se encontra dilatado. Este fenômeno não é completamente entendido, mas algumas explicações têm sido propostas. No terceiro trimestre da vida fetal a produção de urina é da ordem de quatro a seis vezes maior do que após o parto, isso ocorre por resistência vascular periférica alterada, alta taxa de filtração glomerular e habilidade de concentração da urina ainda não totalmente desenvolvida. Estes três fenômenos acarretam um volume urinário muito grande que acaba desafiando a JUV, que ainda é imatura, isso faz com que o fluxo fique retido e o ureter dilata. A hipótese mais aceita é que ocorre um atraso no desenvolvimento da peristalse da JUV. Além disso, o ureter fetal e do neonato é mais complacente devido a uma deposição de colágeno tipo III e elastina. Podem ocorrer também dobras no ureter fetal que contribuem para formação de obstruções transitórias e conseqüente dilatação ureteral. A maioria dos ureteres primários não obstrutivos e não refluxivos acabam apresentando resolução espontânea até o segundo ano de vida.
Megaureter primário obstrutivo A verdadeira causa do MP obstrutivo ainda é assunto de especulação. Sabe-se que na maioria dos casos não existe um verdadeiro estreitamento da JUV, mas sim uma obstrução funcional, devido a uma porção justavesical (0,5 a 4 cm) que é aperistáltica e não consegue transportar urina em um fluxo normal e fisiológico. Em alguns casos podemos demonstrar uma verdadeira estenose ureteral. Swenson, em 1952(7), levantou a hipótese de que MP obstrutivo era devido a uma aganglianose da porção aperistáltica, como foi descrito na doença de Hirshsprung, porém uma análise histológica apurada descartou esta teoria. Tanagho(8) encontrou em peças de autópsias que o efeito obstrutivo era mais por um defeito da camada muscular circular do que da longitudinal. Gregoir e Debled(9) encontraram em um estudo com 30 megaureteres que em 60% dos casos era observado um denso infiltrado de colágeno no ureter terminal, 40% devido a uma hipertrofia da camada circular da musculatura, como tinha descrito Tanagho.
Hanna et. al.(10) descreveram um excessivo depósito de colágeno entre as fibras musculares, acarretando a estas um déficit funcional, principalmente na camada longitudinal, a qual tem como característica a condução da onda peristáltica. Nicotina et. al.(11) descreveram atrofia da camada muscular longitudinal e uma hipertrofia da camada circular. Outros autores confirmaram que este achado se restringe à porção acometida do ureter. Nicotina et. al.(11) também levantaram a hipótese de que o TGFb estaria envolvido na patogênese do MP obstrutivo. TGFb atrasa a diferenciação da célula muscular e é detectado no feto entre a 11ª e 21ª semana. Neste trabalho foram encontrados TGFb nas porções acometidas do ureter com obstrução, observaram também que pacientes operados por causas não obstrutivas de MP ou aqueles operados de MP obstrutivo depois dos dois anos de idade não apresentavam o TGFb no ureter. Eles concluíram que progressiva diminuição dos valores de TGFb no ureter acometido nos dois primeiros anos de vida está relacionada a resolução espontânea.
Dixon(12) mostrou em três casos de MP obstrutivo uma densa capa de tecido muscular liso, separado da musculatura normal, que apresentava orientação longitudinal e entremeado por tecido conectivo. Além disso, foi mostrada uma densa inervação noradrenérgica que causava uma constrição inapropriada, impedindo o fluxo urinário e levando ao aparecimento do megaureter.
Independente da causa, sabemos que a porção aperistáltica faz com que a drenagem da urina seja prejudicada e, conseqüentemente, ocorra dilatação. O ureter dilatado é um reservatório maior e mais complacente do que somente a pélvis renal. Portanto, uma obstrução na JUV prejudica menos e mais dificilmente dará sintomas do que uma obstrução na junção ureteropiélica (JUP), pois a transmissão de pressões que possa danificar o parênquima renal acaba ocorrendo mais precocemente na JUP.
Diagnóstico A suspeita do diagnóstico de megaureter, freqüentemente, inicia-se após um quadro clínico específico, por exemplo, infecção do trato urinário (ITU) ou após uma ultra-sonografia (US) pré ou pós-natal, identificando uma dilatação do trato urinário superior. A uretrocistografia miccional (UCM) é o passo seguinte para diagnóstico ou exclusão de refluxo vesicoureteral (RVU). O passo final e mais difícil é a diferenciação de megaureter obstrutivo e megaureter não obstrutivo e, para isso, vale-se da renografia, US doppler e teste de Whitaker.
Apresentação clínica
Historicamente, o diagnóstico da doença obstrutiva do trato urinário era feito durante a investigação de uma massa abdominal palpável ou, principalmente, após uma infecção urinária. Outros sinais e sintomas que poderiam estar relacionados àquele diagnóstico eram dor abdominal e hematúria.
A ultra-sonografia (US) trouxe a possibilidade de examinar o feto intra-útero e, assim, a suspeita de uropatia obstrutiva passou a iniciar-se no período pré-natal.
A maioria dos autores considera que a sensibilidade da US obstétrica em detectar uropatia obstrutiva está entre 90% e 100%(13-17) e a medida do diâmetro ântero-posterior da pelve renal (DAP), sendo feita no corte transversal na altura do hilo renal, é o parâmetro mais utilizado para caracterização de hidronefrose. Os valores de corte do DAP mais usados variam de 4 a 5 mm, no segundo trimestre, e 7 a 10 mm, no terceiro trimestre. Esta medida deve ser feita preferencialmente com a bexiga do feto vazia. A sensibilidade do exame aumenta com a evolução da gravidez.
A diferenciação intra-útero de megaureter obstrutivo, refluxivo e não obstrutivo não refluxivo não é possível.
1. Ultra-sonografia A ultra-sonografia é uma modalidade excelente para avaliar a anatomia do trato urinário superior e inferior e é o procedimento inicial realizado em crianças com suspeita de malformação do trato urinário (Figura 1). Casos de pacientes sintomáticos devem realizar o exame logo após a suspeita de malformação, porém o aumento do número de casos com diagnóstico pré-natal de hidronefrose trouxe uma dúvida a ser respondida:
Qual será o melhor momento para realizar USG no neonato para confirmação de anomalia do trato urinário?
Pacientes com diagnóstico de hidronefrose bilateral no pré-natal ou hidronefrose em rim único devem realizar precocemente a US (Figura 2), uretrocistografia miccional (UCM) e, na ausência de refluxo vesicoureteral, a urografia excretora (UE) ou renograma para indicação de tratamento cirúrgico, se, assim, for necessário(18).
Nos outros casos, muitos autores recomendam US pós-natal entre 4 e 7 dias(19,20,22,23), enquanto outros advogam pela realização do exame entre 4 e 8 semanas(21,24,25) quando a criança já está bem hidratada e tem um índice de filtração glomerular mais elevado. Shokeir e Nijman(18) recomendam o algoritimo diagnóstico representado na Figura 3.
A US é iniciado com cortes dos rins nos planos longitudinal e transversal, tentando-se identificar o DAP e a presença de dilatação calicinal, que é um parâmetro indicativo de obstrução(26).
O megaureter obstrutivo primário é identificado como uma dilatação ureteral que abruptamente afila em um segmento aperistáltico de diâmetro normal. Este segmento pode medir de 0,5 a 4 cm, mas normalmente está entre 1,5 e 2 cm. O ureter tende a seguir um trajeto mais retilíneo do que tortuoso e normalmente está mais dilatado que a pelve e cálices renais. Em casos leves ou moderados a dilatação pielocalicinal pode ser leve ou ausente e as ondas peristálticas podem estar aumentadas ou normais. Nos casos graves há acentuada dilatação do sistema coletor com afilamento cortical e ausência de peristalse ureteral.
2. Uretrocistografia miccional (UCM) O refluxo vesicoureteral (RVU) é definido como fluxo retrógrado da bexiga para o trato urinário superior. A maioria das crianças com cicatriz renal por infecção do trato urinário tem RVU e o grau de refluxo é diretamente proporcional a probabilidade de desenvolver cicatrizes renais(27). A nefropatia de refluxo é responsável por 30% a 50% dos casos de insuficiência renal terminal em crianças e até 20% dos adultos(28-31).
Figura 1 – Ultra-sonografia demonstrando dilatação ureteral.
Figura 2 – Ultra-sonografia: dilatação ureteral distal bilateral.
Figura 3 – Algoritmo – diagnóstico antenatal de hidronefrose.
A UCM é o exame de escolha para detecção e graduação do RVU. O exame se baseia na obtenção de imagens por meio de radiação ionizante e da diferença de densidades dos tecidos, que pode ser acentuada pelo uso de meio de contraste. Atendendo os princípios de proteção radiológica, o equilíbrio entre a técnica e uma imagem com qualidade diagnóstica deve ser a principal preocupação do médico radiologista ao realizar este exame.
Após analisar a história clínica da criança e explicar detalhadamente aos pais como será procedido o exame, uma radiografia simples de abdome é obtida para o ajuste de uma técnica adequada e para detecção de anormalidades ósseas, como, por exemplo, um defeito de fechamento distal do tubo neural (disrafismo vertebral) que pode auxiliar no diagnóstico de bexiga neurogênica, também se pode detectar calcificações patológicas do trato urinário e corpos estranhos.
A cateterização da uretra pode ou não ser precedida de uma micção para esvaziamento vesical. A cateterizaçãocom a bexiga cheia permite que se tenha certeza de um adequado posicionamento da extremidade do cateter e, a critério do clínico, pode-se obter uma amostra de urina não contaminada para cultura. A cateterização pós-miccional tem a vantagem de permitir a avaliação do resíduo urinário. Em crianças menores de três meses se pode usar uma sonda alimentar de 5F e em crianças maiores a mesma sonda com 8F.
O pequeno enchimento é a imagem obtida após pequeno fluxo de contraste para o interior da bexiga. É útil na detecção de ureteroceles e tumores vesicais que possam ser obscurecidos por grandes volumes de contraste.
O grande enchimento é atingido pela fórmula de capacidade vesical (CV = (idade + 2) x 30)(32,33). Nesta fase nova radiografia é obtida na tentativa de detecção de RVU passivo (sem contração vesical).
A fase miccional deve ser realizada com a uretra cateterizada, permitindo reenchimento vesical se a técnica for inadequada e esvaziamento vesical em crianças incapazes de eliminar todo o contraste. Esta fase aumenta a sensibilidade do exame na detecção de refluxo e avalia as doenças uretrais. Imagens pós-miccionais são úteis no diagnóstico de resíduo urinário e em casos de RVU graus IV e V uma imagem após 15 minutos pode ser usada na diferenciação de RVU de RVU associado a obstrução na junção ureteropiélica ou junção ureterovesical(34).
Figura 4 – Urografia excretora: megaureter direito.
Figura 5 – Renograma com Tc-99m: acúmulo do traçador na pelve e ureter dilatados.
Figura 6 – Renograma com MAG-3: rim direito único e megaureter.
3. Urografia excretora (UE) A urografia excretora não é um bom teste diagnóstico, pois dá pouca informação sobre a existência de restrição ao fluxo urinário, não fornece informações da função renal, especialmente em neonatos e lactentes ou quando a função renal está diminuída. Os detalhes anatômicos fornecidos pela UE são úteis quando o nível da obstrução não pode ser definido (Figura 4).
O megaureter obstrutivo primário pode ter uma configuração característica neste exame, mostrando um ureter fusiforme mais dilatado em sua porção distal em relação à proximal e uma pelve renal normal ou pouco dilatada.
4. Renograma O princípio da renografia é baseado na administração de radiofármaco, que é acumulado e excretado pelos rins e que pode ser detectado externamente por uma ¡-câmara. Define-se duas regiões de interesse (ROI) ao redor dos rins e o renograma é construído baseado no registro da radioatividade das áreas definidas. O renograma monitora a chegada e a saída do radiofármaco no rim em uma seqüência dinâmica que permite a análise de dois aspectos da função renal: o ritmo de filtração glomerular (RFG) e excreção renal (Figuras 5 e 6).
O Tc- DTPA 99m é o traçador renal dinâmico mais utilizado, principalmente devido ao custo e facilidade de obtenção. É uma pequena molécula exclusivamente filtrada pelo glomérulo com uma eficiência de extração de 20%.
O MAG-3 é quase exclusivamente secretado pelos túbulos renais com um fator de extração de 50%. A principal razão para o uso do MAG-3 é que este permanece no espaço intravascular, reduzindo a radiação de fundo e melhorando a qualidade da imagem, principalmente em crianças com função renal diminuída ou rim imaturo.
A criança deve ser vigorosamente hidratada por via oral(35), apesar de se saber que isso provocará um aumento da pressão intravesical, o que pode piorar a resposta ao furosemide. Nos casos em que a bexiga estiver cheia e o renograma alterado, uma imagem 50-60 minutos após o exame deverá ser obtida para confirmar a alteração.
Interpretar o renograma compreendo interpretar imagens, curvas e valores numéricos derivados das curvas. A curva pode ser dividida em três fases. Inicialmente existe uma rápida elevação da curva refletindo a velocidade de injeção e o suprimento vascular do rim. A segunda fase é o acúmulo do radiofármaco no rim, mas sem excreção. Esta fase dura dois a três minutos após injeção. O aumento da atividade renal é representativo da função renal, que deve ser medida nesta fase, pois após três minutos existe radiofármaco no sistema coletor e a função do rim com dilatação será superestimada, devido ao acúmulo de radioatividade na pelve e cálices renais dilatados. A terceira fase se inicia após três minutos e se identifica o pico da curva ( Tmax) que representa o momento em que a captação e excreção renais se equivalem. A elevação contínua da curva representa estase no sistema coletor.
A discriminação entre estase obstrutiva e não obstrutiva é feita após a administração de furosemida (1 mg/kg em menores de um ano e 0,5 mg/kg entre 1 e 16 anos).Não existe consenso quanto a velocidade de administração da droga. O tempo da furosemida após o radiofármaco é designado F+ (tradicionalmente F+20) e antes é F- (recomendado F-15); F+20 ainda é a técnica de escolha. Quando o diurético é administrado antes ou com o radiofármaco, o tempo de trânsito é acelerado e há o risco de subestimar o RFG, pois pode haver excreção para pelve antes dos dois minutos.
Após a administração do diurético uma curva de drenagem pós-diurético é obtida e esta é classificada de acordo com T1/2 (tempo necessário para metade do radioisótopo sair do ROI). O T1/2 maior que 20 minutos é indicativo de obstrução. Muitos fatores que diminuem o RFG (hidratação, função renal) ou que dificultem a drenagem do radioisótopo da pelve renal (“reservoir”, bexiga cheia, efeito da gravidade) podem ser a causa de um resultado falso-positivo.
Assim, imagens obtidas após a criança ser colocada em posição vertical e após a micção devem ser avaliadas juntamente com a curva.
5. Teste de Whitaker(36) É um teste invasivo que mede a pressão no interior da pelve renal, enquanto é infundida uma solução salina a 10 ml/min. O teste é considerado positivo quando a pressão no sistema coletor excede 22 cm de H2O. O teste não simula as condições fisiológicas, pois a solução é infundida em um fluxo fixo, sem relação com a idade do paciente e os valores de pressão aceitáveis não foram validados para a faixa etária pediátrica, portanto tem sido abandonado.
Recentemente, Fung et al.(37) modificaram o teste de Whitaker para torná-lo mais fisiológico e adaptado para o uso na faixa etária pediátrica. A pressão no interior da pelve é monitorada e simultaneamente é documentada a passagem de contraste do ureter para a bexiga. O fluxo da infusão foi calculado para manter um valor fisiológico. Neste contexto, a pressão no interior do sistema coletor excedendo 14 cm de H2O foi considerada indicativa de obstrução.
Novas perspectivas
Cistossonografia contrastada com microbolhas Apesar da UCM ser o exame inicial de escolha para detecção e graduação de RVU, alguns estudos têm demonstrado que a fidedignidade depende do grau de RVU e que só atinge 100% casos de refluxo grau IV ou V (38-41), principalmente porque refluxos podem ser intermitentes e a intensidade pode variar em exames sucessivos(42-44). Além disso, é um método de imagem que expõe a criança a radiação ionizante. Cleveland et al.(45), estudando crianças de um a cinco anos em equipamento de fluoroscopia digital adaptado para faixa etária pediátrica e com parâmetros otimizados para redução da dose, mostraram que a dose ovariana não pode ser reduzida para menos de 200-300 mrad (0,002-0,003 Gy) e a testicular, 100-250 (0,01-0,03 Gy).
Assim, novos métodos têm sido pesquisados em busca de uma técnica diagnóstica que seja acurada, segura, fácil de realizar, não invasiva, com baixo custo e, principalmente, não envolva o uso de radiação ionizante. A cistossonografia contrastada com microbolhas (CSG) consiste na infusão de solução a base de galactose (SH U 508 A) na bexiga por meio de um cateter e monitorização dos ureteres e rins na pesquisa de RVU. Berrocol et al.(46), em estudo comparando CSG com UCM, mostraram que, em 440 unidades renais estudadas, ambos os métodos foram concordantes na detecção de RVU em 94 unidades, a CSG detectou 123 unidades e a UCM 104 unidades. Além disso, nos casos positivos pelos dois métodos, a CSG graduou o refluxo em graus mais intensos que a UCM. Porém, mostrou também que a CSG é limitada nos casos de refluxo grau I, pois é difícil avaliar o espaço pré-sacral neste método e a avaliação da uretra foi muito pobre, não permitindo identificar doenças uretrais. Concluiu que pode ser um método de grande valor na pesquisa de RVU em pacientes do sexo feminino (menor prevalência de doenças uretrais), na investigação de irmãos de pacientes com RVU e no acompanhante de crianças mantidas em conduta expectante. Em 2005, Berrocal et al.(47), mostraram que a uretra pode ser bem avaliada pela CSG e novas perspectivas foram criadas em relação a avaliação da criança com RVU.
Figura 7 – Abordagem cirúrgica evidenciando a dilatação ureteral.
Tratamento
Quando observamos o MP refluxivo a maioria das crianças têm uma resolução espontânea com tratamento clínico(55,56). Em cerca de 30% a 50% este tratamento falha(57), sendo observado quadro sintomático (ITU, febre, dor abdominal, hematúria) ou que apresentam deteriorização progressiva da função renal (DMSA < 40% e espessura do parênquima maior que 10 mm), optando-se então a realização da cirurgia. O de melhor prognóstico é o MP não refluxivo e não obstrutivo, nestes casos a cirurgia raramente será necessária, pois a evolução em sua grande maioria é benigna.
O tratamento do megaureter obstrutivo primário gera muitas dúvidas para o urologista. Como no MP refluxivo, se os pacientes se tornarem sintomáticos (ITU, febre, dor abdominal, hematúria) ou se apresentarem deteriorização progressiva da função renal, levam-nos a ter de realizar uma intervenção cirúrgica. Porém nos resta uma grande interrogação de como proceder na maioria dos casos que tem uma apresentação assintomática (Figura 7).
Alguns autores(48,49) já descreveram abordagem cirúrgica precoce em pacientes assintomáticos, porém foram muito criticados em seus métodos. Atualmente a tendência de tratamento é realizar uma abordagem clínica com antibioticoprofilaxia e, ao mesmo tempo, definir parâmetros que indiquem boa ou má evolução, sendo que para o grupo em que a tendência é de piora progressiva do quadro é realizado um acompanhamento mais intensivo.
Keating et al.(3) descreveram 20 casos, os quais conduziram de maneira não cirúrgica, todos os casos apresentavam um exame de DTPA normal. Em 15 casos se observou regressão da dilatação e nenhum mostrou deteriorização da função renal. Posteriormente, Baskin et al.(50) publicaram um follow up dos mesmos pacientes após 7,3 anos e nenhum paciente apresentou aumento da dilatação ou decréscimo da função renal. Liu(51) mostrou em um follow up de 3,1 anos que 17% dos pacientes necessitaram de cirurgia, 49% continuaram estáveis e 34% obtiveram resolução espontânea.
McLellan et al.(52) tentaram estabelecer parâmetros que indicassem bom ou mau prognóstico. No trabalho observaram que o ureter que tinha o diâmetro maior do que 10 mm na porção retrovesical apresentava pior evolução que os com menos de 10 mm. Hidronefrose de grau 1-3 tenderá a ter resolução espontânea entre a idade de 12 e 36 meses. Em crianças que apresentavam hidronefrose grau 4-5 ou um ureter de diâmetro maior que 10 mm, mostrou-se uma resolução lenta e tendência a necessitar cirurgia. Liu(51) no mesmo trabalho citado anteriormente também encontrou como fator de mau prognóstico um diâmetro ureteral maior que 10 mm na porção retrovesical e também mostrou uma pior evolução para aqueles com t1/2 do DTPA elevado. Outros autores(53,54) mostraram em seus trabalhos esta mesma tendência de tratamento conservador, porém quando o paciente começa a apresentar sintomas ou ter uma deteriorização de função renal, a cirurgia se faz necessária e, se for observado estes indicadores de pior prognóstico, como grande hidronefrose 4-5, pode-se optar pela cirurgia.
Figura 8 – Fluxograma de conduta.
|
|
Bibliografia |
1. Smith Ed et al. Report of working party to establish an international nomenclature for the large ureter. In Bergsma D, Duckett JW, eds. Birth Defects. Original Articles Series. Vol 13, Nº 5, 1977:3-8. 2. L.R. King, Megaloureter: definition, diagnosis and management, J Urol 123 (1980), pp. 222-223. 3. Keating MA, Escala J, Snyder HM et al. Changing concepts in management of primary obstructive megaureter. J Urol 1989; 142: 636-40. 4. Williams DI & Hulme-Moir I. Primary obstructive megaureter. Br J Urol 1970; 42: 140-9. 5. Lee BR, Partin AW, Epstein JI et al. A quantitative histological analysis of the dilated ureter of childhood. J Urol 1992; 148:1482-6. 6. Weiss RM & Lytton B. Vesicoureteral reflux and distal ureteral obstruction. J Urol 1974; 111:245-9. 7. O. Swenson, A new concept of the pathology of megaloureters, Surgery 32 (1952), pp. 367-371. 8. E.A. Tanagho, D.R. Smith and T.H. Guthrie, Pathophysiology of functional ureteral obstruction, J Urol 104 (1970), pp. 73-88. 9. W. Gregoir and G. Debled, The etiology of congenital reflux and primary megaureter, Urol Int 24 (1969), pp. 119-134. 10. M.K. Hanna, R.D. Jeffs, J.M. Sturgess and M. Barkin, Ureteral structure and ultrastructure. part II. congenital ureteropelvic junction obstruction and primary obstructive megaureter, J Urol 116 (1976), pp. 725-730. 11. P.A. Nicotina, C. Romeo, F. Arena and G. Romeo, Segmental up-regulation of transforming growth factor-beta in the pathogenesis of primary megaureter. An immunocytochemichal study, Br J Urol 809 (1997), pp. 46-49. 12. J.S. Dixon, P.Y. Jen, C.K. Yeung and J.A. Gosling, The vesico-ureteric junction in three cases of primary obstructive megaureter associated with ectopic ureteric insertion, Br J Urol 81 (Apr 1998) (4), pp. 580-584. 13. Chitty LS, Hunt GH, Moore J, Lobb MO. Efectiveness of rountine ultrasonography in detecting fetal abnormalities in a low risk population. Br Med J.1991 ;303:1165-1169. 14. Corteville JE, Gray DL, Crane JP. Congenital hydronephrosis, correlation of fetal ultrasonography findings with infant outcome. Am J Obstet Gynecol 1991;165:384-388 15. Helin I, Persson P-H. Prenatal diagnosis of urinary tract abnormalities by ultrasound. Pediatrics 1986; 78:879-883. 16. Paduano L, Giglio L, Bembi B, Peratoner L, Benussi G. Clinical outcome of fetal uropathy. 2. Sensitivity of echography for prenatal detection of obstructive pathology. J Urol 1991; 146:1097-1098. 17. Bosman G, Reuss A, Nijman JM, Wladimiroff JW. Prenatal diagnosis, management and outcome of fetal ureteropelvic junction obstruction. Ultrasound Med Biol 1991;17:117-120. 18. Shokeir AA, Nijman JM. Antenatal hydronephrosis: changing concepts in diagnosis and subsequent management. BJU Int 2000; 85:987-994. 19. Laing FC, Burke VD, Wing VW, Jeffrey RB, Hashimoto B. Postpartum evaluation of fetal hydronephrosis: optimal timing for folow-up sonography. Radiology 1984;152:423-424. 20. Bernstein G, Mandell J, Lebowitz RL, Bauer SB, Colodny AH, Retik AB. Ureteropelvic juction obstruction in the neonate. J Urol 1988; 140:1216-1221. 21. Dejeter SW, Gibbons MD. The fate of infant kidneys with fetal hydronephrosis but initially normal postnatal sonography. J Urol 1989; 142:661-662. 22. King LR. Fetal hydronephrosis: what is the urologist to do? Urology 1993;42:229-233. 23. Ghidini A, Sirtori M, Vergani P, Orgsenigo E, Tagliabue P, Parravicini E, Ureteropelvic junction obstruction in utero and ex utero. Obstet Gynecol 1990; 75:805-808. 24. Ransley PG, Dhillon HK, Gordon I, Duffy PG, Dillon MJ, Barratt TM. The postnatal management of hidronephrosis diagnosed by prenatal sonogram. J Urol 1990; 144:584-587. 25. Blyth B, Snyder HM, Duckett JW. Antenatal diagnosis and subsequent management of hydronephrosis J Urol 1993;149:693-698. 26. Maizels M, Reismen ME, Flom LS, et al. Grading nephroureteral dilatation detected in the first year of life: correlation with obstruction. J UROL 1992; 148:609-614. 27. Hellström M, Jacobsson B, Märild S, Jodal U. Voiding cystourethrography as a predictor of reflux nephropathy in children with urinary tract infection. AJR Am J Roentgenol 1989; 152:801-804. 28. Ransley PG, Risdon RA. The renal papillae, intrarenal reflux and chronic pyelonephritis. In: Hodson J, Kincaid-Smith P, eds. Reflux nephropathy. New York, NY: Masson, 1979; 126, 133. 29. Bailey RR. End-stage reflux nephropathy. Nephron 1981; 27:302-306. 30. Wyszynska T, Chichocka E, Wieteska-Klimczak A, Jobs K, Januszewicz P. A single pediatric center experience with 1025 children with hypertension. Acta Paediatr 1992; 81:244-246. 31. Gusmano R, Perfumo F. Worldwide demographic aspects of chronic renal failure in children. Kidney Int 1993; 43(suppl 41):S31-S35 32. Berger RM, Maizels M, Moran GC, Conway JJ, Firlit CF. Bladder capacity (ounces) equals age (years) plus 2 predicts normal bladder capacity and aids in diagnosis of abnormal voiding patterns. J Urol 1983; 129:347-352. 33. Koff SA. Estimating bladder capacity in children. Urology 1983; 21:278-282. 34. Paltiel H, Rupich RC, Kirulata HG. Enhanced detection of vesicoureteral reflux in infants and children with use of cyclic voiding cystourethrography. Radiology 1992; 184:753-755. 35. Piepsz A, Ham H, Dobbeleir A, et al: How to exclude renal obstruction in children? In joekes AM, Constable AR, Brown NJG, Tauxe WN: Radionuclides in Nephrology. Neu York, Acdemic Press, Grune and Stration, 1982, pp 1999-204. 36. Whitaker RH. Methods of assessing obstruction in dilated ureter. Br J Urol 1997; 345:15-22. 37. Fung LC, Churchill BM, McLorie GA, Chait PG, Khoury AE. Ureteral opening pressure: a novel parameter for the evaluation of pediatric hydronephrosis. J Urol Apr 1998; 159(4):1326-30. 38. Jequier S, Jequier J. Reliability of voiding cystourethrography to detect reflux. AJR Am J Roentgenol 1989; 153:807-810. 39. Friedland GW. The voiding cystourethrogram: an unreliable examination. In: Hodson J, Kincaid-Smith P, eds. Reflux nephropathy. New York, NY: Masson, 1979; 91-101. 40. Hodson CJ. Micturating cystography: an unassessed method of examination (editorial). Int J Pediatr Nephrol 1980; 1:2-3. 41. Kogan SJ, Sigler L, Levitt SB, Reda EF, Weiss R, Greifer I. Elusive vesicoureteral reflux in children with normal contrast cystograms. J Urol 1986; 136:325-328. 42. Gelfand MJ, Strife JL, Hertzberg VS. Low-grade vesicoureteral reflux: variability in grade on sequential radiographic and nuclear cystograms. Clin Nucl Med 1991; 16:243-246. 43. Cremin BJ. Observations on vesico-ureteric reflux and intrarenal: a review and survey of material. Clin Radiol 1979; 30:607-621. 44. Paltiel HJ, Rupich RC, Kiruluta HG. Enhanced detection of vesicoureteral reflux in infants and children with use of cyclic voiding cystourethrography. Radiology 1992; 184:753-755. 45. Cleveland RH, Constantinou C, Blickman JG, Jaramillo D, Webster E. Voiding cystourethrography in children: value of digital fluoroscopy in reducing radiation dose. AJR Am J Roentgenol 1992; 158:137-142. 46. Teresa Berrocal, MD, PhD, Francisco Gayá, EE, Antonia Arjonilla, MD and Gael J. Lonergan, MD. Vesicoureteral Reflux: Diagnosis and Grading with Echo-enhanced Cystosonography versus Voiding Cystourethrography.Radiology. 2001; 221:359-365. 47. Teresa Berrocal, MD, PhD, Francisco Gayá, MD and Antonia Arjonilla, MD. Vesicoureteral Reflux: Can the Urethra Be Adequately Assessed by Using Contrast-enhanced Voiding US of the Bladder? Radiology 2005; 234:235-241. 48. C.A. Peters, J. Mandell, R.L. Lebowitz, A.H. Colodny, S.B. Bauer and W.H. Hendren et al., Congenital obstructed megaureters in early infancy: diagnosis and treatment, J Urol 142 (1989), pp. 641-645. 49. P. Mollard and J.M. Paillot, Primary megaureter (pathogenesis and treatment 104 patients – 131 ureters), Prog Pediatr Surg 5 (1973), pp. 113-134. 50. L.S. Baskin, S.A. Zderic, H.M. Snyder and J.W. Duckett, Primary dilated megaureter: long term followup, J Urol 152 (1994), pp. 618-621. 51. H.Y. Liu, H.K. Dhillon, C.K. Yeung, D.A. Diamond, P.G. Duffy and P.G. Ransley, Clinical outcome and management of prenatally diagnosed primary megaureters, J Urol 152 (1994), pp. 614-617. 52. D.L. McLellan, A.B. Retik, S.B. Bauer, D.A. Diamond, A. Atala and J. Mandell et al., Rate and predictors of spontaneous resolution of prenatally diagnosed primary nonrefluxing megaureters, J Urol 168 (2002), pp. 2177-2180. 53. A.M. Rickwood, L.D. Jee, M.P. Williams and P.A. Anderson, Natural history of obstructed and pseudo-obstructed megaureters detected by prenatal ultrasonography, Br J Urol 70 (1992), pp. 322-325. 54. M. Stehr, R. Metzger, T. Schuster, U. Porn and H.G. Dietz, Management of the primary obstructed megaureter (POM) and indication for operative treatment, Eur J Pediatr Surg 12 (2002), pp. 32-37. 55. C. Yeung, M. Godley, H Dhillon, I Gordon, P Duffy, P Ransley: The characteristics of primary vesico-ureteric reflux in male and female infants in pre-natal hidronephrosis, Br J Urol; 1997; 80:319-327. 56. A. Rickwood, L. Jee, M. Willams, P. Anderson: Natural Hystory of obstructed and pseudo-obstructed megaureters detected by pre-natal ultrasonography, Br J Urol 1992; 70:322-325. 57. D. Wilcox, P. Mouriquand: Management of megaureter in children, Eur Urol 1998; 34:73-78. |