Revistas Id Materia 3210 Fase Imprime





Aftas orais
Orals aphthous


Marisa Gazel
Mariana Souza Varella Frazão
Bruno Magalhães Avelar
Tomas Navarro-Rodriguez
Disciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro.
Recebido para publicação em 04/2005. Aceito em 06/2005.

Unitermos: aftas orais, úlceras, mucosa oral, tratamento.
Unterms: orals aphthous, ulcers aphthous, oral mucosa disease, treatment.


Numeração de páginas na revista impressa: 23 à 28

Definição e epidemiologia


O termo grego aphtae foi inicialmente usado em relação a distúrbios orais e descrito por Hipócrates (460-370 a.C.)(1). Este termo significa úlcera, o que torna a expressão úlcera aftosa redundante. Porém, a terminologia já se apresenta bem estabelecida no meio médico, sendo que, hoje, a úlcera aftosa recorrente (UAR) é reconhecida como o distúrbio oral mais comum no ser humano(2) e se caracteriza por úlceras necrosantes na mucosa oral que persistem, remitem e reaparecem em diversos episódios ao longo da vida, podendo ser debilitantes e freqüentemente motivos de ansiedade para os pacientes(3,4).

Estudos epidemiológicos relatam uma prevalência entre 2% e 66% da população geral, sendo a maioria das estimativas entre 5% e 25%(5-9). Em grupos selecionados de estudantes de medicina e odontologia se observou uma alta freqüência, de 50% a 60%(1). A idade em que geralmente se manifesta o primeiro episódio varia entre 10 e 30 anos e tipicamente há um decréscimo na freqüência e na severidade com o passar dos anos(10-14). Após a infância e a adolescência pode persistir por toda a vida sem preferência por sexo ou raça1, apesar de alguns estudos demonstrem que parece afetar discretamente mais o sexo feminino e classes sociais mais elevadas.

A freqüência com que aparecem pode ser dividida em intervalo de um a três meses (50%), mensalmente (30%) e mais do que três meses (10%).

Tipos e locais mais freqüentes

As áreas mais acometidas são: mucosas labial e oral, língua, assoalho da boca, palato mole e mucosa da orofaringe. As únicas áreas que não são afetadas pelas UAR são o palato duro e a gengiva(15).

As úlceras aftosas recorrentes, clinicamente, apresentam-se em três subtipos(!6,17):

a) Afta de Mikulicz e Kümmel ou úlcera aftosa minor
Estas lesões se apresentam como ulcerações erosivas superficiais, dolorosas, circulares ou ovóides, recobertas por uma membrana amarelo-acinzentada, circundada por uma halo eritematoso (Figura 1).

É a forma mais comum da lesão, correspondendo 80% a 90% dos casos(18). Aparece como ulceração única ou múltipla, com diâmetro geralmente menor do que 10 mm, situando-se sempre na porção não queratinizada da mucosa bucal. A reparação tecidual inicia-se entre 4 e 7 dias a partir do aparecimento clínico da lesão e, em geral, completa-se entre 10 e 14 dias, sem evidências de cicatrização.

b) Periadenite mucosa necrótica recorrente, doença de Sutton ou úlcera aftosa major
Considerada uma forma mais agressiva, não pode ser diferenciada da afta minor por critérios histológicos, imunológicos ou por microscopia eletrônica. São menos comuns (10% a 15% de todas UAR). Clinicamente são maiores do que 10 mm, mais dolorosas, mais profundas e, muitas vezes, apresentam-se crateriformes. São mais proeminentes e podem estender-se a mucosa mais queratinizada, persistindo por três a oito semanas. Evoluem para cicatrização e deixam como seqüela uma fibrose da mucosa bucal. Os locais em que aparecem mais freqüentemente são: lábios, língua, palato mole, istmos das fauces e causam dor importante e disfagia. São freqüentemente encontradas em pacientes infectados pelo HIV(19-22) provavelmente pelo desequilíbrio imunológico local secundário à doença(23) (Figuras 2 e 3).


Figura 1 – Úlcera aftosa minor.


Figura 2 – Úlcera aftosa major.

c) Afta herpetiforme ou úlcera aftosa herpetiforme
É a forma menos comum, acometendo 5% a 10% dos pacientes com UAR. Envolvem indivíduos geralmente a partir da sexta década de vida. É uma ulceração rasa, com cerca de 3 mm de diâmetro e múltipla (variando de 10 a 100 lesões), mas podem confluir produzindo placas irregulares. Repara-se entre 7 e 30 dias, ocasionalmente com cicatrização. Lembra, clinicamente, as lesões bucais do herpes simples, ocorrendo, contudo, em qualquer região da mucosa bucal inclusive aquela não queratinizada. O nome se deve apenas à semelhança da lesão herpética, pois o vírus do herpes simples (HSV) nunca foi isolado nesta lesão(24,25) (Figura 4).


Figura 3 – Úlcera aftosa major.


Figura 4 – Úlcera aftosa herpetiforme.

Etiologia

A etiologia exata das estomatites aftosas recorrentes ainda não está bem estabelecida, no entanto as possíveis causas estão listadas na Tabela 2(26-42).



Diagnóstico

O diagnóstico da UAR se baseia na história clínica e no exame físico (Tabela 3) e devem afastar certas doenças sistêmicas que cursam com lesões ulcerosas semelhantes às ulceras aftosas recorrentes (Tabela 4). Exames subsidiários são necessários quando há dúvida na diferenciação entre úlcera aftosa e outra doença cutâneo-mucosa (Tabela 5).





Achados hematológicos e sorológicos
Estudos demonstram que pacientes portadores de UAR podem apresentar deficiências nos níveis de ferritina, ferro, folato e vitamina B12. As mais comuns são a de ferritina e a de ferro, ocorrendo em 11% a 36% dos pacientes com UAR(44) . Valores de hemoglobina e hematócrito se apresentam dentro da normalidade. Entretanto, algumas vezes estados anêmicos são descobertos e o tratamento dos mesmos pode ajudar na resolução das úlceras.

Achados histopatológicos
A biópsia se torna necessária quando o diagnóstico é duvidoso, visto que as características da lesão ulcerosa encontradas neste exame não são específicas.

Na fase pré-ulcerativa há um infiltrado de linfócitos T4 helper, já na fase ulcerativa há um infilrado de linfócitos T8 citotóxicos (T1-101). Eritrócitos aparecem na região central e nas margens da lesão, com neutrófilos que são as células predominantes(45) .








Tratamento

A ausência de um consenso sobre a etiologia da UAR dificulta o estabelecimento de um tratamento completamente eficaz(46). Com isso, seu manejo permanece de certa forma empírico(47) e se baseia em quatro objetivos principais: resolução da úlcera, redução da duração, alívio da dor e diminuição das recorrências(48).

A severidade e freqüência em que se apresentam as lesões devem conduzir a escolha da terapêutica a ser utilizada, visto que podem ocorrer alterações nutricionais decorrentes da sintomatologia.

a) Orientações-profilaxia
Primeiramente, deve-se elucidar o paciente que a terapêutica visa apenas o controle da doença e não a sua cura. Medidas gerais como boa higiene bucal, troca de escova dental por uma mais macia ou com cabeça menor para diminuir a possibilidade de trauma, evitar comidas alergênicas como nozes, queijo e chocolate, recognição de estresse psicológico e terapia de reposição de vitaminas e minerais são medidas simples e úteis para o paciente.

b) Tratamento tópico (gel, creme,solução e pomada)
Agentes com ação antiinflamatória que devem ser administrados durante a fase inicial do desenvolvimento da lesão em que a atividade linfocitária se apresenta evidente(49).

A aplicação destas substâncias deve ser acompanhada de agentes facilitadores da aderência, já que essas medicações são facilmente removidas, tornando difícil o estabelecimento de uma disponibilidade efetiva na superfície mucosa(50,51).

Segundo estudos, os corticoesteróides têm demonstrado eficiência na terapêutica. Fluocinonid e Clobetazol, diminuindo a duração e aumentando o tempo entre os episódios. Triancinolone, reduzindo significativamente a dor, mas não duração ou recorrências(52-56).

Amlexanox com propriedades antiinflamatória e anti-alergênica demonstrou eficácia clínica na resolução da úlcera e na melhoria da dor(57-59); sem efeitos colaterais sistêmicos e com pouca ou nenhuma irritação local(60).

Tetraciclina tem apresentado resultados positivos na redução do tamanho; da duração e da dor, mas não das recorrências. Isso pode ser explicado pela ação supressora sobre a formação de colágeno(61), bem como sua ação antibacteriana prevenindo infecções.

A camomila é composta de uma série de ingredientes (bisabolóides, matricina, camazuleno, flavonóides e cumarinas) que apresentam ação antiinflamatória, antibacteriana e como auxiliar na cicatrização(62).

c) Tratamento sistêmico
Indicado aos pacientes que apresentam sinais e sintomas mais agressivos ou aos pacientes refratários ao tratamento tópico.

Predinisona, agente antiinflamatório e imunossupressor, pode ser utilizado com a terapêutica tópica. O uso prolongado (mais de duas semanas) provoca uma série de efeitos colaterais, incluindo: glaucoma; insônia; hiperglicemia; dispepsia; aumento do apetite; hirsutismo e depressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal(63). Contudo, a associação com outros imunossupressores, como a azatioprina, pode reduzir a dose da predinisona amenizando, com isso, os efeitos indesejados(64). Efeitos colaterais incluem: pancitopenia, náuseas, vômitos, anorexia e diarréia(65,66).

A terapia prolongada (mais de dois anos), mesmo que de forma combinada, requer controles laboratoriais e deve ser utilizada de maneira cautelosa.
Talidomida, inibidor do fator de necrose tumoral (TNF-a), é outro medicamento que tem demonstrado eficácia no tratamento da UAR severa(67-69).

Segundo estudos a redução dos níveis TNF-a provoca diminuição do ataque do sistema imune na mucosa. Este fato baseia-se na evidência de que a talidomida foi eficaz em pacientes portadores de HIV, que geralmente possuem níveis elevados de TNF-a(70,71). Efeitos colaterais como cefaléia, xerostomia e constipação podem ocorrer. É contra-indicado para pacientes do sexo feminino em idade fértil, devido ao efeito teratogênico bem estabelecido(72,73).

Estudos recentes reportaram que o uso de Levamisole resulta em redução da dor, número e duração das aftas, além da diminuição de recorrências(74,75). Embora, outros estudos não tenham observado diferenças entre grupos tratado com a droga e grupos tratados com placebo.

Colchicina, agente antiinflamatório e imunomodulador, diminui a dor através da supressão quimiotáxica de polimorfonucleares(76-78). Efeitos indesejáveis incluem neuropatia, miopatia, intoxicação gastrointestinal e teratogenicidade(79).




Bibliografia
1. Ship JA; Chavez EM; Doerr PA; Henson BS; Sarmadi M. Recurrent aphthous stomatitis. Oral Medicine Clinical Practice Guidelines 2000; 95-112.
2. Kleinman DV, Swango PA, Niessen LC. Epidemiologic studies of oral mucosal conditions-Methodologic issues. Community Dent Oral Epidemiol 1991;19:129-140.
3. Kignel S, Moreira CA, Araujo ECM; Mistro FZ. Ulcerações aftosas recorrentes – aspectos clínicos e considerações sobre tratamento. Revista Paulista de Odontologia 2000; 22(3): 16-20.
4. Casiglia, JM. Recurrent aphthous stomatitis: Etiology, diagnosis, and treatment. General Dentistry 2002; 50(2): 157-166.
5. Axell T, Zain RB, Siwamogstham P, Tantiniran D, Thampipit J. Prevalence of oral soft tissue lesions in outpatients at two Malaysian and Thai dental schools. Community Dent Oral Epidemiol 1990; 18: 95-99.
6. Shashy RG; Ridley MB. Aphthous ulcers: a difficult clinical entity. Am J Otolaryngol 2000; vol21 nº 6: p.389-393.
7. Vincent SD, Lilly GE. Clinical, historic, and therapeutic features of aphthous stomatitis. Literature review and open clinical trial employing steroids. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1992;74:79-86.
8. Bagan JV, Sanchis JM, Milian MA, Penarrocha M, Silvestre FJ. Recurrent aphthous stomatitis. A study of the clinical characteristics of lesions in 93 cases. J Oral Pathol Med 1991;20:395-397.
9. Reichart PA. Oral mucosal lesions in a representative cross-sectional study of aging Germans. Community Dent Oral Epidemiol 2000;28:390-398.
10. Field EA, Brookes V, Tyldesley WR. Recurrent aphthous ulceration in children – A review. Int J Paediatr Dent, 1992; 2(1):1-10.
11. Rodu B, Mattingly G: Oral mucosal ulcers: Diagnosis and management. J Am Dent Assoc, 1992; 123:83-86.
12. Rogers RS. Recurrent aphthous stomatitis: Clinical characteristics and associated systemic disorders. Semin Cutan Med Surg 1997; 16:278-283.
13. Ship JA: Recurrent aphthous stomatitis: An update. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1996; 81:141-147.
14. Murray LN, Amedee RG. Recurrent aphthous stomatitis. J La State Med Soc 2000; 152(1): 10-14.
15. Bazrafshani MR, Hajeer AH, Ollier WER, Thormhill MH. Recurrent aphthous stomatitis and gene polymorphisms for the inflammatory markers TNF-a, TNF-b and the vitamin D receptor: no association detected. Oral Diseases 2002; 8(6): 303-307.
16 Silveira FRX, Sugaya NN. Lesões ulcerativas e vesículo bolhosas. In: Kignel, S. Diagnóstico bucal. SãoPaulo: Robe, 1997; 107-155.
17. Bagan JV, Sanchis JM, Milian MA et al. Recurrent aphthous stomatitis. A study of lhe clinical characteristics of lesions in 93 cases. J Oral Palhol Med 1991; 20: 395-397.
18. Hebert AA, Berg JH: Mucous membrane disorders. In: Schachner LA, Hansen RC (eds): Pediatric Dermatology (ed 2). New York, NY, Churchill Livingstone. 1996; 469-537.
19. MacPhail LA, Greenspan JS. Oral ulceration in HIV infection: Investigation and pathogenesis. Oral Diseases 1997; 3 (Suppl 1): S190-S193.
20. Glick M, Muzyka BC, Lurie D, Salkin LM. Oral manifestations associated with HIV-related disease as markers for immune suppression and Aids. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1994; 77:344-349.
21. Muzyka BC, Glick M. Major aphthous ulcers in patients with HIV disease. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1994; 77:116-120.
22. MacPhail LA, Greenspan D, Greenspan JS. Recurrent aphthous ulcers in association with HIV infection. Diagnosis and treatment. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1992; 73:283-288.
23. MacPhail LA, Greenspan D, Feigal DW, Lennette ET, Greenspan JS. Recurrent aphthous ulcers in association with HIV infection. Description of ulcer types and analysis of T-lymphocyte subsets. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1991; 71:678-683.
24. Pedersen A. Recurrent aphthous ulceration: Virological and immunological aspects. APMIS. Suppl. 1993; 101 (37): 1-37.
25. Scully C. Are viruses associate with aphthae and oral vesiculo-erosive disorders? Br J Oral Maxillofac Surg 1993; 31(3): 173-177.
26. Hayrinen-Immonen R. Immune-activation in recurrent oral ulcers (ROU). Scand J Dent Res 1992; 100(4): 222-227.
27. Laccourreye O, Fadlallah JP, Pages JC, Durand H, Brasnu D, Lowenstein W. Sutton´s disease (periadenitis mucosa necrotica recurrens). Ann Othol Rhinol Laryngol 1995; 104(4): 301-304.
28. McCartan BE, Sullivan A. The association of menstrual cycle, pregnancy, and menopause with recurrent oral aphthous stomatitis: a review and critique. Obstet Gynecol 1992; 80(3): 455-458.
29. Nolan A, Lamey PJ, Forsth A. Recurrent aphthous ulcerations and food sensitivity. J Oral Pathol Med 1991;20(10): 473-475.
30. Pedersen A, Hornsleth A. Recurrent aphthous ulcerations: a possible clinical manifestation of reactivation of varicella zoster or cytomegalovirus infection. J Oral Pathol Med 1993; 22(2): 64-68.
31. Savage NW, Seymour GJ. Specific lymphocytotoxic destruction of autologous epithelial cell targets in recurrent aphthous stomatitis. Aust Dent J 1994; 39(2): 98-104.
32. Taylor LJ, Walker DM, Bagg J. A clinical trial of prostaglandin E2 in recurrent aphthous ulceration. Br Dent J 1993; 175(4): 125-129.