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Arterite temporal – Uma emergência médica, na qual o oftalmologista tem papel decisivo na prevenção da cegueira
Mário Luiz Ribeiro Monteiro
Professor livre-docente de Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.


Numeração de páginas na revista impressa; 9 à 14

Introdução – importância


Arterite temporal, também denominada arterite de células gigantes, é uma vasculite da pessoa idosa, com inúmeras manifestações clínicas sendo a principal delas a perda visual. Quando não tratada pode levar à cegueira irreversível em mais de 50% dos casos, o que geralmente pode ser evitado com o tratamento adequado. Representa, portanto, uma condição cujo diagnóstico e tratamento devem ser estabelecidos em caráter de urgência. Apesar de cursar com inúmeras manifestações sistêmicas, muitas delas levam a queixas inespecíficas que são difíceis de valorizar num primeiro momento pela maioria dos médicos clínicos. Além disso, tais manifestações podem ser de curta duração ou estar ausentes. Por outro lado, as manifestações neuro-oftalmológicas são muito sugestivas da doença e permitem que se levante a suspeita diagnóstica de imediato. O oftalmologista, que na maioria das vezes se coloca erroneamente na posição de mero coadjuvante no diagnóstico das afecções sistêmicas, tem nesta condição uma responsabilidade fundamental. Ele deve suspeitar da doença, estabelecer o diagnóstico por exames laboratoriais e/ou biópsia da artéria temporal e instituir a terapêutica inicial. Alternativamente pode, após a suspeita inicial, certificar-se que o paciente seja encaminhado de imediato para profissional habilitado, mas nunca deve ter uma atitude passiva nem deixar o paciente à própria sorte, sob pena de perder a chance de prevenir a cegueira e ainda tornar-se vítima de possíveis implicações médico-legais.

Ocorrência

A arterite temporal aparentemente já foi reconhecida na antigüidade pelo médico persa, Ali ibn Isa, que publicou (aproximadamente no ano 1000 a.C.) citação de que inflamações na região dos músculos temporais poderiam levar à perda visual. Na idade moderna, mais especificamente na literatura de língua inglesa, a doença foi descrita pela primeira vez por Huctchinson, em 1890, e bem estabelecida como entidade nosológica, através da descrição do curso clínico característico e do relato anatomopatológico, por Horton em 1932(1). Apesar de tão antiga, a doença ainda tem sua fisiopatogenia pouco conhecida e continua a ser um desafio para neurologistas, oftalmologistas, reumatologistas, clínicos gerais e todos aqueles que se envolvem com o cuidado de pacientes geriátricos.

A arterite temporal acomete quase que exclusivamente pacientes idosos, sendo a idade média de início dos sintomas em torno de 70 anos. Raros são os relatos da afecção abaixo dos 50 anos de idade e muito deles questionáveis, possivelmente decorrentes de outras vasculites sistêmicas, envolvendo a artéria temporal. Do ponto de vista prático, portanto, a doença deve ser considerada apenas em indivíduos acima dos 50 anos e mais fortemente acima dos 60 anos de idade.

A incidência da doença se situa entre 15 e 30 casos por 100 mil habitantes acima de 50 anos(2). Acredita-se que exista variação na incidência da afecção, dependendo da população estudada, sendo mais freqüente em brancos de origem escandinava do que em africanos(1). De qualquer forma a incidência aumenta muito com o avançar da idade. Machado e colaboradores(3) relataram uma incidência de 2,3 por 100 mil habitantes na sexta década de vida que subiu para 44,7 por 100 mil habitantes na nona década de vida. Em pacientes acima de 80 anos a prevalência da afecção chega a 1%, o que é sugerido por estudos de autópsia(1). A maioria das séries estudadas mostra uma predominância da afecção no sexo feminino. No Brasil a condição já foi considerada muito rara no passado. Provavelmente este conceito se deveu ao pouco reconhecimento da afecção, aliado à menorlongevidade da população brasileira naquela época. Atualmente, embora não tenhamos dados populacionais a respeito, a arterite temporal deve ser lembrada em nosso meio, tanto quanto em outros países.

Fisiopatogenia – quadro clínico

A arterite de células gigantes é uma vasculopatia inflamatória sistêmica que acomete preferencialmente artérias de médio e grosso calibre de qualquer parte do organismo, mas principalmente aquelas que são ramificações de artérias originárias do arco da aorta(1). Em pacientes que faleceram na fase aguda da doença, Wilkinson e Russell observaram inflamação mais freqüentemente nas artérias superficial, vertebrais, oftálmica e ciliares posteriores curtas e com menor freqüência na carótida interna e externa e artéria central da retina(4). Outros estudos mostraram envolvimento da aorta proximal e distal, da subclávia, das coronárias, da braquial, da pulmonar e de artérias abdominais como a renal e a mesentérica(1).

As artérias são acometidas por infiltrados inflamatórios focais compostos de linfócitos T CD4+ e macrófagos que acometem todas as camadas arteriais. Células gigantes multinucleadas ocorrem em graus variáveis e geralmente se situam próximo à lâmina elástica interna que mostra fragmentações. O foco principal da doença é a camada média das artérias, mas ela também se estende para a íntima e adventícia. O infiltrado inflamatório tende a ser segmentário, embora longos trechos das artérias possam mostrar-se envolvidos. Embora não se saiba ao certo vários dados sugerem que se trate de uma doença auto-imune que resulta de uma resposta a antígeno situados na parede arterial dos vasos(5). A doença pode ser familiar mostrando uma predisposição genética para tal.

As manifestações clínicas podem ter início abrupto ou insidioso e os sintomas sistêmicos podem estar presentes várias semanas ou meses antes do diagnóstico ser suspeitado. Como se trata de uma vasculite sistêmica, os sintomas não oftalmológicos podem ser bastante diversos e incluem(1):

1. Cefaléia;
2. Sensibilidade dolorosa no couro cabeludo, hiperemia na região da artéria temporal;
3. Dificuldade à manifestação por claudicação dos músculos da mandíbula;
4. Sintomas constitucionais: anorexia, perda de peso, febre, mal-estar;
5. Polimialgia reumática.
6. Manifestações neurológicas: sintomas decorrentes de estenose, oclusão ou embolização a partir das artérias carótidas, vertebrais ou basilares e neuropatias periféricas;
7. Angina pectoris, insuficiência cardíaca congestiva ou enfarte do miocárdio por comprometimento das coronárias;
8. Insuficiência circulatória em outras regiões como os membros inferiores, os rins e o intestino.

A cefaléia é o sintoma mais importante e está presente em quase todos os pacientes. Geralmente é severa e tende a se localizar na região das artérias do couro cabeludo. Pode ser de intensidade suficiente para impedir os pacientes de dormir. No entanto, pode ser mais discreta, transitória e algumas vezes se manifestar de formas atípicas como dor na região da orelha, da articulação têmporo-mandibular ou mesmo uma cefaléia inespecífica o que pode confundir o diagnóstico. Muitos pacientes apresentam sensibilidade dolorosa ao toque na região do couro cabeludo, o que fica particularmente evidente ao pentear o cabelo. A claudicação da mandíbula, que se caracteriza por uma fadiga e dor na região da mandíbula ao mastigar, é um dos sintomas mais importantes por ser relativamente específico para a doença. Decorre da isquemia dos músculos da mastigação e quando presente reforça muito a suspeita de arterite temporal. Os sintomas gerais do tipo anorexia, perda de peso, febre e mal-estar estão presentes em aproximadamente 50% dos casos, mas são muito inespecíficos e por si só dificilmente levam à suspeita diagnóstica. As manifestações neurológicas são menos comuns e resultam do comprometimento das artérias carótidas e vertebrais. Tal comprometimento pode ser causa de morte, da mesma forma que o envolvimento das artérias coronárias. A polimialgia reumática tem uma associação bem conhecida com a arterite temporal e se caracteriza por dor e enrijecimento dos músculos da região do pescoço, quadris e membros. Esta condição pode ocorrer sem arterite temporal e neste caso responde a doses baixas de corticóide. Em uma pequena proporção, em torno de 10% dos pacientes, a polimialgia reumática se associa com arterite temporal.

Apesar dos inúmeros sintomas acima mencionados, é de fundamental importância lembrar novamente que muitos deles podem ser discretos, transitórios e são bastante inespecíficos, e assim sendo a suspeita diagnóstica pode não ser feita mesmo quando o paciente vem sendo acompanhado por um clínico competente, como já podemos observar em várias ocasiões. Em uma delas uma paciente com cefaléia e dor crônica no pescoço foi encaminhada para tratamento durante várias semanas com forno de Bier, por um excelente clínico geral que não suspeitou do diagnóstico antes da perda visual de um dos olhos. Em duas outras ocasiões, pacientes que apresentavam inúmeras queixas não tiveram o diagnóstico suspeitado por seus filhos médicos, sendo um deles clínico geral. Outro dado importante a ser considerado pelo oftalmologista é que em alguns pacientes os sintomas sistêmicos são de fato ausentes o que foi denominado por Simmons e Cogan como forma oculta da arterite temporal(6).

Manifestações oftalmológicas

As principais manifestações oftalmológicas são:

1. Neuropatia óptica isquêmica;
2. Perda transitória da visão;
3. Oclusão da artéria central da retina;
4. Diplopia e oftalmoplegia;
5. Outras menos comuns: uveíte isquêmica, isquemia do segmento anterior do olho, hipotonia, pupila tônica, conjuntivite, alucinações visuais.

A neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA) representa a manifestação mais comum da doença e também uma das manifestações mais características da afecção. Acredita-se que resulte do comprometimento vasculítico das artérias ciliares posteriores curtas o que leva à isquemia do nervo óptico e coróide. A perda visual é súbita e geralmente bastante severa. Quando não tratada, o acometimento do olho contralateral em mais da metade dos casos, muitas vezes nas primeiras duas semanas após o envolvimento do primeiro olho. Muitos pacientes que a apresenta acabam com cegueira completa em ambos os olhos.

Embora a neuropatia óptica isquêmica deve sempre levar a suspeita de arterite temporal, deve ser lembrado que a maior parte dos indivíduos apresenta a forma não arterítica da doença (apenas 5% a 10% dos casos de NOIA são causados por arterite temporal). A maior parte dos pacientes com NOIA não tem uma causa específica para a doença, apenas fatores de risco para arteriosclerose, como hipertensão arterial, diabetes e hipercolesterolemia. Esta forma é denominada não arterítica da neuropatia óptica isquêmica (NOIA-NA), sendo condição multifatorial em que estão presentes fatores predisponentes anatômicos do disco óptico, condições sistêmicas que favorecem a arteriosclerose e fatores desencadeantes. Outro ainda tem a NOIA associada a outras afecções, incluindo outras vasculites como a poliarterite nodosa, o lúpus eritematoso sistêmico e a vasculite alérgica; distúrbios hematológicos; hipotensão acentuada e enxaqueca(7).

Algumas características clínicas da neuropatia óptica isquêmica anterior podem auxiliar na diferenciação da forma arterítica (NOIA-A) (mais grave e de tratamento mais urgente) para a forma não arterítica (NOIA-NA). Assim a perda visual costuma ser muito mais severa na NOIA-A do que na NOIA-NA. Outros dados que auxiliam na diferenciação: a perda visual na NOIA-NA costuma manifestar-se pela manhã ao acordar (acredita-se que a hipotensão noturna tenha um papel na sua gênese), enquanto que na arterítica não há esta preferência. Esta última, por sua vez, pode ser precedida de perda transitória da visão, o que é incomum na NOIA-NA. O disco óptico dos pacientes com NOIA-NA geralmente é pequeno (disco congenitamente cheio), uma vez que nesta afecção geralmente há um fator predisponente local do disco óptico, enquanto que a NOIA-A ocorre em qualquer tipo de papila óptica(7,8). Estes dados podem servir para reforçar ainda mais a suspeita de arterite temporal, que, no entanto, deve estar presente em todos indivíduos com neuropatia óptica isquêmica.
A perda visual na arterite temporal pode também decorrer de neuropatia óptica isquêmica posterior (sem edema de papila na fase aguda), por oclusão da artéria central da retina ou por síndrome ocular isquêmica. A neuropatia óptica isquêmica posterior é muito menos comum do que a anterior, mas também deve levar a suspeita de arterite temporal, uma vez que raramente é causada por outra afecção. A oclusão da artéria central da retina deve levar a suspeita de arterite temporal em todo paciente idoso.

Perda transitória da visão pode preceder a NOIA ou a oclusão da artéria central da retina. Portanto, a arterite temporal deve sempre ser incluída no diagnóstico diferencial amaurose fugaz no idoso.

Diplopia e oftalmoplegia devem levar a suspeita de arterite temporal no idoso, uma vez que ocorre em 12% dos indivíduos acometidos. A etiologia da diplopia pode ser a isquemia dos músculos extra-oculares na órbita, dos nervos oculomotor, troclear e abducente, ou isquemia do tronco encefálico(9).

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser suspeitado em todos os pacientes com mais de 50 anos e que apresentem as queixas visuais acima mencionadas e particularmente aqueles que têm neuropatia óptica isquêmica. Cefaléia, dor na região temporal, claudicação da mandíbula e história de diplopia passageira e perda transitória da visão, bem como as demais queixas sistêmicas acima mencionadas reforçam muito a suspeita diagnóstica.

Alguns exames laboratoriais são muito importantes no diagnóstico e devem ser solicitados de imediato, colhidos antes da introdução da terapêutica com corticosteróides.

A velocidade de hemossedimentação (VHS) caracteristicamente se mostra elevada na doença. É difícil estabelecer um valor normal para o VHS no idoso. O método mais aceito é o que divide a idade do paciente por 2 para se obter o limite superior do valor normal. Nos indivíduos do sexo feminino se acrescenta 10 a idade e em seguida se divide por 2(10). Outros autores sugerem diferentes valores como o limite superior. Em um estudo recente Hayreh sugeriu que o valor limite do normal foi de 33 mm para homens e 35 mm para as mulheres(11). Usando estes valores em um grande número de casos de arterite temporal, observou que o VHS tem uma sensibilidade de 92% e uma especificidade também de 92%(11). Os pacientes com arterite temporal geralmente apresentam valores muito elevados, mas deve ser lembrado que o VHS pode ser normal nesta doença, especialmente nas suas fases iniciais. Assim, um VHS normal não deve servir para excluir definitivamente o diagnóstico num paciente com características clínicas da doença.

A proteína C reativa é outro exame que pode ser útil na suspeita de arterite temporal. Normalmente presente em quantidades baixas no indivíduo normal se eleva quando há dano tissular. Hayreh e colaboradores acreditam que a proteína C reativa é mais sensível (100%) do que velocidade de hemossedimentação (92%) e que a combinação de ambos foi o que levou a maior especificidade (97%) no diagnóstico da afecção(11).

Os exames laboratoriais podem ainda demonstrar uma anemia moderada, elevação do fibrinogênio sérico e da proteína alfa-2. Habitualmente solicitamos para os pacientes suspeitos: hemograma completo, velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa e eletroforese de proteínas. É importante salientar que é preferível o método Westergreen do VHS, uma vez que pode evidenciar melhor a elevação do VHS (os dados acima mencionados se referem ao VHS por este método). Outra observação é que em nosso meio alguns laboratórios ainda utilizam a determinação do VHS de duas horas, enquanto que os valores acima se referem ao VHS de uma hora, de acordo com quase todos os trabalhos nesta afecção. Com relação à proteína C reativa deve salientar-se que ela é considerada positiva quando se mostra acima de 0,5 mg/dl. No trabalho de Hayreh e colaboradores este valor foi utilizado (o que levou a sensibilidade de 100% ao teste), mas utilizando-se estes valores, a especificidade da proteína C reativa foi de 83% nas mulheres e 79% nos homens. No entanto, quando analisou os dados, observou que um valor acima de 2,45 mg/dl é que foi considerado muito sugestivo da doença(11). Em decorrência disso, é interessante obter a proteína C reativa em laboratório que fornece a sua dosagem (alguns determinam apenas se é positiva ou negativa), tanto no diagnóstico como na monitorização do tratamento dos pacientes com arterite temporal.

A biópsia da artéria temporal deve ser realizada em todos os pacientes suspeitos da doença. Alguns sugerem o diagnóstico apenas com base nos dados clínicos o que, a meu ver, não é a conduta mais adequada. A confirmação diagnóstica com estudo anatomopatológico é importante para se justificar a colocação do paciente em um regime terapêutico prolongado, com efeitos colaterais possíveis. O achado de artérias normais (sem espessamento, dor ou vermelhidão) ao exame clínico também não deve servir para afastar o diagnóstico de arterite temporal nem para evitar a biópsia que é sensível em 95% dos casos em 100% específico para a doença. O procedimento é simples e pode ser perfeitamente realizado pelo oftalmologista, o que agiliza grandemente a orientação diagnóstica e terapêutica da doença. A biópsia deve ser realizada no lado que houver a dor na região temporal, e se possível no local doloroso. Quando não há dor nesta região, a biópsia inicialmente deve ser feita do lado da perda visual. Quando a biópsia for negativa e ainda se suspeita fortemente do diagnóstico, esta pode ser repetida do lado contralateral ou até em um local diferente da artéria do mesmo lado já operado(12). É importante a remoção de um fragmento adequado, de pelo menos 2,5 cm (se possível 4 cm ou maior), para aumentar a chance de positividade do estudo anatomopatológico. Quando o paciente apresenta biópsias negativas e persiste com VHS elevado é importante considerar outras causas para esta elevação, como neoplasias, infecções ou outras doenças do tecido conectivo.

É fundamental a correta interpretação dos achados da biópsia, por patologista experiente, conhecendo-se as alterações relacionadas à idade, além do fato de que nem sempre os achados clássicos de arterite com células gigantes estão presentes.

Tratamento

A corticoterapia é o único tratamento comprovadamente eficaz no controle da arterite temporal. A medicação deve ser iniciada assim que o diagnóstico é suspeitado e após a colheita de sangue para os exames laboratoriais em especial o VHS e a proteína C reativa. Não se deve esperar a realização ou o resultado da biópsia de artéria temporal, pois o objetivo é a prevenção da perda visual especialmente quando um olho já foi acometido. Além disso, sabe-se que as lesões anatomopatológicas estarão presentes por algumas semanas após o início do tratamento e a biópsia pode ser realizada alguns dias após a sua introdução(1).

Deve ser enfatizado que quando a perda visual ocorre por oclusão da artéria central da retina ou neuropatia óptica isquêmica ela é quase sempre irreversível e o objetivo principal do tratamento é o de prevenir o acometimento do olho contralateral e a ocorrência de outras complicações sistêmicas. O benefício do corticóide para prevenir a perda visual e outras complicações foi demonstrado por Birkhead e colaboradores(13) que demonstraram uma chance três vezes menor de perda visual no olho contralateral ao afetado nos pacientes tratados com corticóide comparados com aqueles sem tratamento, o que foi confirmado por vários outros autores. É importante lembrar, no entanto, que a perda visual pode ocorrer mesmo na quando se utiliza o tratamento adequado(1).

Corticosteróides por via oral, habitualmente a prednisona na dosagem de 60 a 120 mg por dia (1 a 2 mg/kg/dia), devem ser iniciados de imediato. Alguns autores recomendam hospitalização e uso de corticóide endovenoso especialmente nos casos de comprometimento ocular grave e agudo, utilizando-se metilprednisolona na forma de pulso de 1000 mg/dia durante três dias seguido de corticóide por via oral(14,15). Na verdade alguns autores observaram reversão do déficit visual após este tipo de tratamento(15,16). Outros autores preconizam este tipo de tratamento mesmo para casos simples, no sentido de reduzir a dose cumulativa proporcionando menor iatrogenia e resistência da doença aos corticosteróides(13), mas esta conduta não é usual. Particularmente utilizamos a pulsoterapia corticóide em casos com perda visual recente (horas) na tentativa de reverter a perda visual (embora isso seja raro) ou em pacientes com perda visual em um olho e perda transitória da visão ou sintomas indicativos de acometimento inicial no olho contralateral. Os médicos clínicos que detectam a doença antes da perda visual geralmente usam doses menores de corticóide do que se usa habitualmente quando se descobre a doença após a perda da visão de um dos olhos.

A confirmação do diagnóstico através de biópsia da artéria temporal deve ser realizada assim que possível, mas não pode retardar a introdução do corticosteróide. Acredita-se que a biópsia se manterá positiva mesmo após uma a duas semanas com corticóide e, portanto, a biópsia não pode ser também postergada por muito mais tempo, sob pena de se perder este elemento diagnóstico.

O tratamento pode prolongar-se por vários meses, por vezes anos, e deve ser feito conjuntamente com o médico clínico, uma vez que o uso prolongado de corticóide em paciente idosos pode ter complicações. A dosagem deve ser mantida até que os sintomas sistêmicos desapareçam e que a velocidade de hemossedimentação normalize e a partir de então, reduzida progressivamente, acompanhando-se o valor do VHS e da proteína C reativa. Os sintomas geralmente melhoram em dois a três dias, mas o VHS demora mais para normalizar. Mesmo quando a normalização é rápida se deve manter a dose inicial alta por pelo menos duas a quatro semanas para então inicial a redução gradual. A redução da dose deve ser lenta, não maior que 10% da dose total a cada uma ou duas semanas(1).

Quando se abaixa a dose do corticóide pode haver recidiva da doença particularmente no primeiro ano de tratamento. Não há um consenso da melhor forma de tratamento, mas geralmente se usam doses maiores nos primeiros meses seguido de redução gradual, mas ainda com manutenção de doses baixas de corticóide por pelo menos um ano. É importante que o tratamento seja feito com doses diárias de corticóide e não com a droga em dias alternados(1). Quando se observa elevação da velocidade de hemossedimentação meses após o início do tratamento é importante confirmar se esta elevação é real (e não causada por qualquer outro fator intercorrente) antes de se optar pelo aumento da dose. É importante lembrar também que a elevação da velocidade de hemossedimentação ou da proteína C reativa pode ocorrer por alguma infecção oportunística que ocorra num paciente idoso e já debilitado. Quando existe intolerância ao uso prolongado de corticóide outras drogas como a dapsona ou imunossupressores já foram tentadas sem muito sucesso(1).

A doença geralmente tem um curso autolimitado que dura de um a dois anos. Em alguns casos pode ser mais curta e em outros permanecer ativa por muitos anos. Em decorrência disso, deve-se monitorar o paciente clínica e laboratorialmente por 6 a 12 meses após a interrupção do tratamento, no sentido de se certificar que a doença não apresenta recidiva. A medida periódica da velocidade de hemossedimentação é particularmente útil nesse sentido, pois a sua elevação muitas vezes precede as manifestações clínicas.



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