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Quando suspeitar de doença orbitária
Suzana Matayoshi
Médica assistente-doutora da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


Numeração de páginas na revista impressa: 04 à 08

Introdução


A região orbitária pode ser acometida por uma série de afecções que variam desde alterações estruturais, neoplásicas, inflamatórias e traumáticas. O quadro clínico do comprometimento orbitário se manifesta basicamente por sinais de aumento ou deslocamento do conteúdo orbitário, compressão nervosa e/ou vascular.

Este artigo tem como objetivo descrever e sistematizar as diversas formas de apresentação da doença orbitária, para facilitar o diagnóstico e a orientação terapêutica.

Proptose

A proptose é um termo utilizado para se descrever o deslocamento anterior do globo ocular. É a mais freqüente manifestação da presença de um tumor orbitário.

A proptose, quantificada através da exoftalmômetro de Hertel, possibilita o acompanhamento da evolução da doença e a resposta ao tratamento. Aceitam-se valores normais de até 21 mm e diferença abaixo de 2 mm entre cada lado. Indivíduos melanodérmicos podem apresentar valores exoftalmométricos normais até 24,7 mm.

Na comparação da proptose unilateral são úteis 2 tipos de posicionamento: a avaliação da posição relativa dos olhos examinando-se em direção craniocaudal ou em direção inversa (de baixo para cima) (Figura 1).

Devem ser excluídos os casos de pseudoproptose: globo ocular aumentado (p. ex. alta miopia, Figura 1), enoftalmia contralateral (fratura de órbita, Figura 2), paralisias de músculos extrínsecos e assimetria de fenda palpebral (retração palpebral).

A localização do tumor pode ser inferida através da direção do deslocamento do globo ocular, sempre em direção oposta ao tumor. Assim o deslocamento axial tem uma correspondência com massa intracônica; o superior com órbita inferior e seio maxilar; o medial-inferior com parede lateral da órbita e glândula lacrimal; o lateral inferior com seio etmoidal e órbita medial.


Figura 1 – Ressalta-se a diferença na posição dos dois olhos examinando-se de baixo para cima.


Figura 2 – Enoftalmia OE por fratura de órbita. Midríase porIII. par OE.

A proptose pode ser uni ou bilateral. Quando bilateral, no adulto, o diagnóstico diferencial se situa principalmente entre a orbitopatia distireoidiana, linfoma e tumores metastáticos. Na criança, as causas mais importantes de proptose bilateral são as leucemias, neuroblastoma metastático e a inflamação orbitária inespecífica (pseudotumor), embora também deva ser lembrada a orbitopatia distireoidiana que pode ocorrer nessa faixa etária.

Aparecimento de proptose ou o seu aumento com a manobra de Valsalva evidencia malformações vasculares de baixa pressão, representadas mais freqüentemente pelas varizes orbitárias (Figura 3).

Outra manobra bastante útil na avaliação de proptose, principalmente nos casos leves, é a retropulsão digital da órbita (Figura 4), em que se avalia comparativamente a resistência orbitária.

Enoftalmia

Ocorre numa freqüência bem menor que a proptose. A patogenia se relaciona ao efeito de tração e fibrose dos tecidos orbitários. A afecção mais citada é o carcinoma metastático de mama. Granulomatose de Wegener, inflamação orbitária idiopática (IOI) e varizes orbitárias também podem causar enoftalmia.

Pacientes com sinusopatia maxilar crônica podem desenvolver enoftalmia assintomática, indolor relacionado ao colapso de assoalho orbitário por pressão negativa do seio maxilar (silent sinus syndrome).

O aumento de continente em relação ao conteúdo também pode levar à enoftalmia, como nos casos de fratura de paredes orbitárias.


Figura 3A – Varizes orbitárias à direita.


Figura 3B – Manobra de Valsalva, evidenciando a proptose (Cortesia: Dr. Fernando Novelli).


Figura 4 – Retropulsão digital das duas órbitas.


Figura 5A – Pulsação do OE sem proptose.


Figura 5B – TC mostra displasia da asa do esfenóide (Cortesia: Dr. Davi Araf).

Pulsação do globo ocular

O globo ocular pode apresentar pulsação em sincronia com o pulso periférico. Duas situações clínicas estão associadas a este sinal: malformações orbitárias vasculares e defeitos ósseos entre órbita e dura-máter (p. ex. displasia de esfenóide na neurofibromatose) (Figuras 5 A e B).
A dor relacionada com doença orbitária pode ser severa e pouco responsiva a analgésicos comuns. A instalação abrupta acompanhada de sinais flogísticos aponta para processos infecciosos como a celulite orbitária (Figura 6).

Dor localizada na órbita posterior lembra a possibilidade de lesão de ápice orbitário, particularmente se associado a distúrbio de motilidade ocular. Dor severa na porção inferior da órbita pode acompanhar quadro de carcinoma nasofaríngeo, que infiltra a raiz sensitiva do V par. Quando o processo doloroso é localizado na região orbitária lateral, devem ser lembrados os tumores malignos de glândula lacrimal.

Casos de hemorragias orbitárias (p. ex. em linfangiomas) e IOI (em especial a síndrome de Tolosa-Hunt) podem cursar com quadro doloroso importante.


Figura 6 – Celulite orbitária severa com pansinusite.


Figura 7 – Retração palpebral superior e inferior em paciente com orbitopatia distireoidiana.


Figura 8 – O fenômeno do Lid lag (Cortesia: Dr. Eurípedes da Moura).


Figura 9A – Paciente de 65 anos com queixa de edema palpebral inferior OD.


Figura 9B – TC mostrou massa orbitária inferior, cujo anatomopatológico revelou linfoma.


Figura 10A – Neurofibroma envolvendo pálpebra e órbita esquerda.


Figura 10B – Aparência vermiforme do espécime cirúrgico.


Figura 11 – Fístula carótido-cavernosa.


Figura 12 – Quemose em estesioneuroblastoma (Cortesia: Dr. Paulo Gelman).

Distúrbios da motilidade ocular

As alterações da motilidade ocular ocorrem pelos seguintes mecanismos:

· Diminuição da amplitude das rotações oculares por compressão mecânica causada pela presença de massa orbitária;
· Paralisia/paresia por comprometimento nervoso em nível do ápice orbitário;
· Restrição por edema (ex. Graves), inflamação ou infiltração muscular;
· Infiltração e fibrose do conteúdo orbitário (granulomatose de Wegener, carcinoma metastático).

Alterações palpebrais

A dinâmica palpebral pode ser afetada nas orbitopatias. A ocorrência mais freqüente é a retração palpebral relacionada à orbitopatia distireoidiana, que quase sempre é acompanhada do lid lag (sinal de Von Graefe) (Figuras 7 e 8). Tumores de rápido crescimento podem simular a existência de retração palpebral. Por outro lado, massas localizadas na órbita superior podem ocasionar ptose mecânica.

O comprometimento do nervo facial pode resultar em graus variados de lagoftalmo e exposição corneana.

Na inspeção externa, o preenchimento do sulco palpebral superior ou inferior, pode indicar a presença de um processo expansivo de órbita anterior.

Edema palpebral sem sinais flogísticos é um sinal inespecífico e pode ocorrer em vários tipos de afecções que envolvem a órbita anterior, inclusive como uma manifestação de linfoma (Figuras 9 A e B).

O rubor palpebral (com ou sem edema) sugere um problema orbitário urgente. Freqüentemente se relaciona com celulite orbitária, quando normalmente é acompanhado por dor e febre. Processos inflamatórios agudos não infecciosos, como a IOI e neoplasias de rápido crescimento (rabdomiossarcoma), podem apresentar-se dessa forma também.

A coloração da pele palpebral pode ser estar alterada. Equimoses podem ocorrer no neuroblastoma metastático. A extensão palpebral de hemangioma dá uma tonalidade vermelho-arroxeada. Neurofibromas são caracterizados por um aspecto que eventualmente lembram “saco de vermes” (Figuras 10 A e B).

Alterações da superfície ocular

O padrão, coloração e calibre do plexo vascular conjuntival podem dar indicação diagnóstica das afecções orbitárias.

A orbitopatia distireoidiana pode apresentar hiperemia conjuntival acompanhada por quemose e ceratopatia de exposição. A congestão vascular é localizada lateralmente e diminuída na região do limbo. Já no caso das fístulas carótido-cavernosas e malformações vasculares se apresentam com vasos episclerais e conjuntivais dilatados e extremamente tortuosos (por aumento de pressão venosa), algumas vezes arterializados, de cor vermelho-púrpura, que terminnam na arcada vascular do limbo (Figura 11).

Outras afecções orbitárias relacionadas a quadros congestivos conjuntivais são: a celulite orbitária, a IOI, o sangramento de linfangiomas e neoplasias de rápido crescimento (Figura 12).

Massas subconjuntivais, róseas (“salmon patch”), de lento crescimento, principalmente em fórnix superior e inferior, podem ser o resultado da extensão anterior de linfoma orbitário.

Distúrbios da motilidade ocular

As alterações da motilidade ocular ocorrem pelos seguintes mecanismos:
· Diminuição da amplitude das rotações oculares por compressão mecânica causada pela presença de massa orbitária;
· Paralisia/paresia por comprometimento nervoso em nível do ápice orbitário;
· Restrição por edema (ex. Graves), inflamação ou infiltração muscular;
· Infiltração e fibrose do conteúdo orbitário (granulomatose de Wegener, carcinoma metastático).
Alterações oftalmoscópicas

O crescimento de uma massa orbitária leva a sinais de compressão ocular: estrias de coróide (Figura 14), indentação da parede escleral, dilatação e ingurgitamento vascular, edema do disco óptico e shunts de veias optociliares (meningioma do nervo óptico, Figura 15).
Palidez do disco óptico pode ocorrer por infiltração do nervo (meningioma, glioma) e podem ocorrer sinais de congestão venosa (p. ex. fístulas carótido-cavernosas): hemorragias, exsudatos, dilatação e ingurgitamento venoso.


Figura 13A – Paralisia da musculatura extrínseca e enoftalmia em OD.


Figura 13B – Infiltração orbitária AO (metástase de carcinoma de mama).


Figura 14 – Estrias de coróide e edema de papila em paciente com meningioma de nervo óptico.


Figura 15 – Shunt optociliar em meningioma de nervo óptico (Cortesia:
Dr. Mário Monteiro).


Distúrbios visuais

Alterações refracionais ocorrem ocasionalmente secundariamente à presença de tumor orbitário. Massa comprimindo o pólo posterior pode levar à hipermetropização; já compressão no nível do equador do olho pode ocasionar miopização.

O hemangioma capilar localizado na região da pálpebra superior pode causar ambliopia por deprivação e por anisometropia (astigmatismo a favor da regra) induzida mecanicamente.

Já o glioma de nervo óptico apresenta uma perda visual desproporcional ao grau de proptose (efeito destrutivo intrínseco do tumor é maior que o efeito de massa). Por fim o envolvimento do nervo óptico nas afecções do ápice da órbita pode acarretar a perda da visão acompanhada de alterações pupilares (midríase) e de motilidade ocular extrínseca (paresia/paralisia muscular).




Bibliografia
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