Numeração de páginas na revista impressa: 68 à 76
Resumo
As modificações estruturais dos estrógenos, o grande interesse da sociedade pela fitoterapia e a produção em massa de substâncias químicas de efeito ambiental pela indústria aumentaram a complexidade do estudo do estradiol e sua coorte. Esta complexidade foi ampliada pelo progresso da endocrinologia, tornando necessária a revisão do conceito de estrógeno, seus efeitos hormonais e algumas de suas facetas bioquímicas.
A cyclone. That is what King Arthur most resembles. A whirlwind that constantly changes shape and moves. It picks up fragments wherever it goes and they all become part of the whirlwind entity we call a cyclone (David Day: King Arthur, New York, Barnes & Nobles Books, 1999).
A saga dos estrógenos está repleta de episódios que contribuíram para aumentar o conhecimento da natureza dos personagens centrais, o estradiol e sua coorte. Um destes episódios, de início relativamente recente, é a influência de quimiobióticos ambientais (xenobióticos) sobre o bioma terrestre, colocando em risco todos os animais inclusive o ser humano. Diferentemente dos xenobióticos de origem industrial (quimiobióticos) ou de origem farmacêutica (farmacobióticos), os xenobióticos de origem vegetal (fitobióticos) parecem ter efeito bem menos notável, pois a sua convivência com os animais data de eras remotas. Por este motivo, o seu consumo somente se torna pernicioso em grandes quantidades principalmente quando realizado com fitobióticos isolados. Com efeito, a história da fitoterapia se perde na noite dos tempos, mas o marco ‘moderno’ dos estrógenos parece ser 1946, quando se descobriu que o trevo vermelho das pastagens tem um efeito estrogênico mais tarde atribuído à presença de elevadas concentrações de isoflavonas, fitobióticos de ação estrogênica (fitoestrógenos)(3). As isoflavonas têm sido consideradas as benfeitoras das mulheres asiáticas que se alimentam da soja, no sentido de amenizar a fase menopausal(14).
A atenção da sociedade sobre os quimiobióticos foi despertada em 1996 pelo livro ‘Our stolen future’ da autoria de Colborn, Dumanoski e Myers(7). No livro, os autores usam o termo ‘feminização’ para expressar uma das facetas das relações entre os distúrbios reprodutivos do bioma e a sobrecarga de quimiobióticos. Em termos endócrinos, como os xenobióticos, podem afetar a fisiopatologia não somente dos estrógenos, mas de todos os hormônios, ampliou-se a denominação para quimiodiruptores endócrinos (EDCs ou endocrine disruptors chemicals). Estes são definidos pela United States Environmental Protection Agency (US-EPA) como sendo substâncias exógenas que interferem com a síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios naturais endógenos responsáveis pela manutenção da fisiologia, reprodução, desenvolvimento ou comportamento(38). Esta definição engloba, além dos quimiobióticos, os farmacobióticos e os fitobióticos, todos integrando a família dos ecoestrógenos quando dotados de ação estrogênica.
Os farmacobióticos nasceram da necessidade de modificar a estrutura e encontrar estruturas alternativas para tornar o emprego clínico dos estrógenos mais prático, econômico e mais específico. A descoberta dos receptores hormonais e do conhecimento mais profundo da engenharia de transcrição do DNA, principalmente do reconhecimento de que o processo de ativação dos genes pelos estrógenos é, em verdade, um processo regulador ou uma espécie de dirupção endócrina programada, foram etapas essenciais no aperfeiçoamento dos chamados antiestrógenos. A ativação genética pode resultar na supra-regulação do gene, no sentido de um efeito co-estrogênico ou agonista; ou de infra-regulação, no sentido de um efeito antiestrogênico ou antagonista. A regulação genética é tecido-seletiva na maioria das vezes porque um antiestrógeno pode ser, em tecidos estrógeno-responsivos, antagonista em nível mamário e agonista em nível uterino, como é o caso do tamoxifeno. É o motivo do termo modulador seletivo do receptor estrogênico (RE) também conhecido como SERM (selective estrogen receptor modulator)(29). A justificativa da inclusão de substâncias quase totalmente antietrogênicas, como o fulvestrant(15) na família dos estrógenos é de que a sua atuação se faz através dos REs, que no caso são praticamente desativados.
O presente artigo visa atualizar o conceito operacional dos estrógenos e rever, ao mesmo tempo, alguns aspectos bioquímicos do estradiol e de sua coorte, com ênfase nos EDCs.
Conceitos
A definição tradicional de estrógeno é ser uma substância capaz de induzir o estro ou uma resposta biológica associada com o estro(12). O estro (do latim, estrus) é o período do ciclo reprodutor das fêmeas de mamíferos em que se dá a ovulação e a fêmea se torna mais receptiva ao acasalamento (cio). Em roedores, os animais mais usados como modelo laboratorial em estudos sobre a reprodução, o estro segue-se ao pico estrogênico produzido pelos folículos em maturação durante o pró-estro. Sem dúvida, a simplicidade desta definição é sedutora, inclusive pela expressão ‘resposta biológica associada com o estro’, o que inclui os diferentes efeitos do estradiol, inclusive o efeito útero e vaginotrópico.
A definição finalística de estrógeno é ser uma substância responsável pelo desenvolvimento dos atributos secundários da feminilidade e pela indução do estro em animais. Esta definição não colide com a noção de que andrógenos e estrógenos não são mais considerados hormônios somente masculinos e femininos, respectivamente(13). Ambos coexistem funcionalmente nos dois sexos, a única diferença sendo níveis circulantes mais elevados de estrógenos e menores de andrógenos na mulher. Entre os atributos secundários da feminilidade estão os efeitos útero e vaginotrópico. No entanto, esta definição é inadequada porque somente uma minoria dos estrógenos é capaz de induzir o estro.
A definição operacional de estrógeno é ser uma substância capaz de influenciar a atividade mitótica dos tecidos dos órgãos genitais femininos e a produção de substâncias específicas nos demais tecidos do organismo. O padrão de referência para medir a atividade estrogênica ou estrogenicidade (potência estrogênica) de um suposto estrógeno é o 17-beta-estradiol ou a estrona, os estrógenos naturais mais potentes conhecidos. Pelo fato de atender à existência dos antiestrógenos, esta definição é a mais aceitável também porque um dos grandes problemas atuais da ciência é a feminização ambiental condicionada pelos EDCs, que na maioria dos casos não induzem o estro, e por isso é inútil insistir em torná-lo uma matéria de definição ou controvérsia(13).
Já no conceito percebe-se que a metáfora do ciclone usada por David Day para descrever a entidade mítica Rei Artur também se aplica aos estrógenos porque são substâncias cujo espectro funcional engloba, de um lado o 17-beta-estradiol e, do outro, o fulvestrant; estes limites incluem os fitoestrógenos, e os quimiobióticos e os farmacobióticos estrogênicos, oferecendo inúmeras possibilidades estruturais e funcionais cujo conhecimento constantemente aperfeiçoa, à medida que se aprofunda, as noções da natureza estrogênica.
Estrógeno ou estrogênio As grafias estrógeno e estrogênio, comumente utilizadas na literatura nacional, são equivalentes. Para alguns, a grafia estrogênio é pomposa, ao passo que a grafia estrógeno é simples e apresenta semelhanças gráficas ou fonéticas nas principais línguas do primeiro mundo. Aqui serão preferidos os termos estrógeno e estradiol em vez de estrogênio e 17-beta-estradiol, respectivamente. Esta observação é necessária pela existência do 17-alfa-estradiol, seu estereoisômero, menos potente em termos de estimulação mitótica, mas capaz de induzir a formação do receptor progestogênico(21) (Figura 1).
Figura 1 – Fórmulas estruturais do peridrociclopentanofenantreno, 17-beta-estradiol, seu isômero 17-alfa, e da estrona e o seu sulfato (metabólito natural).
O hormônio estradiol Na teoria cartesiana, hormônio (do grego ‘hormaein’, colocar em movimento) é uma substância secretada por uma glândula endócrina e liberada diretamente na corrente circulatória ou em outros líquidos do organismo ou, ainda, difunde-se em tecidos adjacentes, atingindo células e tecidos-alvo onde determina uma seqüência de respostas e provoca um evento fisiológico característico.
Como o estradiol pode ser produzido em tecidos não qualificados como glândulas endócrinas, por exemplo, o sistema nervoso central e o tecido ósseo, é preciso buscar apoio na teoria holística. Nesta, os hormônios são substâncias mensageiras que comunicam células sendo produzidas praticamente em todos os tecidos orgânicos.
O estradiol pode efetuar os quatro tipos de ações hormonais conhecidos: 1) Intrácrina, regulando a atividade vital dentro da própria célula de origem. Por exemplo, os megacariócitos maduros apresentam extensos prolongamentos citoplasmáticos chamados pró-plaquetas que sofrem fragmentação em milhares de novas plaquetas; a formação das pró-plaquetas é co-regulada pelo estradiol induzido pela 3-beta-hidroxiesteróide-deidrogenase dos próprios megacariócitos, tanto na mulher como no homem(30); 2) Autócrina, também regulando a atividade vital dentro da célula onde é formado, secretado, e captado; ou seja, o estradiol sai, mas é recaptado. Esta ação não deve ser confundida com a ação intrácrina. Por exemplo, na rata, o estradiol é secretado pelas células granulosas e recaptado pelas mesmas células, ricas em RE-beta, e em sinergia com o FSH aumenta a produção de receptores ao LH nas próprias células granulosas(6); 3) Parácrina, regulando a atividade vital de células vizinhas e pertencentes ao mesmo tecido. Por exemplo, a produção de receptores ao LH nas células tecais, ricas em RE-alfa, em sinergia com o FSH (33); 4) Endócrina, influenciando células que pertencem a órgãos distantes(34). Por exemplo, o estradiol determina a proliferação endometrial (Figura 2).
Figura 2 – Tipos de ação hormonal do estradiol.
Figura 3 – Interações entre os sistemas endócrino, nervoso, imunológico e ecológico.
Ecologia e estrógeno A interação harmônica entre os sistemas endócrino, nervoso e imunológico é fundamental para a vida e o bem-estar do indivíduo. A sobrevida da espécie depende das relações dos seres vivos entre si e o ambiente no qual vivem. Portanto, esta interação somente é completa quando se inclui o sistema ecológico ou ecossistema (Figura 3). Dentro do espírito da importância da feminização, um exemplo relativo à influência dos farmacobióticos sobre o ecossistema é representado pelas pílulas anticoncepcionais contendo o etinilestradiol que contamina as águas fluviais e compromete a performance reprodutiva de peixes machos(25). Os estrógenos são importantes para o indivíduo e para a espécie; tanto um como a outra sofrem sua influência, benéfica ou maléfica.
A bioquímica do estradiol O estradiol pertence à família dos esteróides, lipídeos que compartilham a estrutura molecular básica do peridrociclopentanofenantreno, formado pela fusão do fenantreno com o ciclo pentano, tendo dois átomos de carbono em comum(17).
O colesterol (do grego ‘khole’, bile, e ‘steros’, sólido) foi a primeira substância da família a ser purificado a partir de cálculos biliares, sendo a razão do nome esteróides(16). A sua fórmula estrutural é C27H46O, derivando do esqualeno que apresenta 30 átomos de carbono e pertencente à família dos terpenóides, também chamados isoprenóides ou simplesmente terpenos. Os terpenos são moléculas naturais quimicamente derivadas de unidades de isopreno, que podem ser agrupadas e modificadas de inúmeros modos (Figura 4). Na maioria das vezes as estruturas são multicíclicas, diferindo entre si pela presença de grupos funcionais e pelo esqueleto básico constituído de átomos de carbono(20).
A classificação dos terpenos é feita de acordo com a quantidade de unidades de isopreno em hemiterpenos, C5; monoterpenos, C10; sesquiterpenos, C15; diterpenos, C20; triterpenos, C30; e carotenos, C40. Terpenos de tamanho e composição diferentes são encontrados em todos as classes de organismos (Figura 5)(20). Em animais formam hormônios e vitaminas e em vegetais têm várias funções.
Assim, os monoterpenos são constituintes dos óleos voláteis que atuam como feromonas (pheromones) para atrair insetos polinizadores; o paradigma das feromonas é o bombicol, que serve de atrativo sexual em insetos. Os sesquiterpenos, em geral, apresentam funções protetoras contra fungos e bactérias, e muitos diterpenos dão origem aos hormônios de crescimento vegetal. Os triterpenos e seus derivados, que incluem os esteróides, apresentam uma gama de funções em animais e plantas; por exemplo, nestas têm funções de proteção contra herbívoros, na germinação das sementes e na inibição do crescimento da raiz(19).
Figura 4 – Alguns terpenos naturais. O isoterpeno é a cadeia-chave originando os terpenos mais complexos por fusão de moléculas. O colesterol deriva do esqualeno.
Farmacobióticos, estrógenos desenhados, antiestrógenos, moduladores seletivos do receptor estrogênico e seletividade tissular Estes termos têm praticamente o mesmo significado, sendo mais abrangente e específico o termo estrógenos desenhados (design estrogens).
Os efeitos proliferativos e a indução de substâncias pelo estradiol envolvem a ativação de mecanismos interativos de recepção e transdução hormonal na membrana celular e no núcleo, regulando o efeito final. Esse conhecimento levou à descoberta dos chamados estrógenos desenhados, que são substâncias estrogênicas cuja estrutura molecular é artificialmente modificada, visando a aquisição de funções úteis para determinados fins farmacêuticos.
No processo de ativação gênica são importantes: o ambiente hormonal, porque a existência ou ausência de estrógenos pode modificar o efeito final; e o complexo estrógeno-RE, que depende da natureza do ligando estrogênico e do tipo de RE. O complexo estrógeno-RE intermedeia uma seqüência ordenada de eventos genômicos e não genômicos que sincroniza a expressão dos diversos genes envolvidos em funções celulares específicas. A sua interação com a seqüência reguladora do DNA, o elemento responsivo aos estrógenos (ERE) de cada gene estrógeno-responsivo, constitui a trilha sinalizadora genômica crítica que controla a transcrição genética(22). Os REs são basicamente fatores de transcrição ativados pelo ligando. Recentemente, foram identificadas numerosas proteínas associadas ao RE, co-ativadoras e co-repressoras, que são essenciais para regular a interação do complexo RE com a máquina transcritora básica(5). A natureza dos genes estrógeno-responsivos que originam a trilha sinalizadora genômica crítica é responsável pela modulação diferencial, ou seja, nos efeitos seletivos nos diferentes tecidos. Essa capacidade funcional é conhecida como tecido-seletividade ou seletividade tissular hormonal.
As contribuições parciais dos três tipos de receptores estrogênicos: alfa, beta e gama, este último ainda não descrito em mamíferos, no efeito estrogênico final, ainda não se encontram adequadamente esclarecidas(11).
As primeiras modificações (que também podem ser chamadas de ‘desenhos’) resultaram do simples relacionamento entre a estrutura química e o efeito funcional, embora já houvesse a intuição da existência de um receptor celular específico(34). Nesse clima foi efetuada a esterificação, a primeira modificação, visando prolongar a duração do efeito hormonal; é o caso do benzoato de estradiol, uma forma de depósito. O mesmo se aplica à inserção do radical etinila, a segunda modificação; é o caso do etinilestradiol, forma resistente à depuração hepática, resultando em prolongamento e amplificação da ação hormonal.
A descoberta do dietilestilbestrol, não pertencente à família dos esteróides, mas dos estilbenos (difenildietenos), possibilitou a obtenção mais fácil e econômica de um estrógeno potente e ativo por via oral(34). O dietilestilbestrol representa o ponto de partida para a obtenção de vários estrógenos desenhados: o ciclofenil, o citrato de clomifeno e o citrato de tamoxifeno, concretizando a noção da possibilidade de modificar os hormônios tornando-os tecido-seletivos.
Figura 5 – Alguns estrógenos desenhados.
A seletividade tissular é uma propriedade que possibilita aos estrógenos desenhados serem ao mesmo tempo agonistas ou antagonistas estrogênicos, ou seja, serem co-estrógenos ou antiestrógenos, de acordo com o tecido desejado. Para enfatizar a ação antiestrogênica seletiva foi criado o termo SERM(36), talhado para o raloxifeno, o primeiro dos antiestrógenos da família dos benzotiofenos capazes de ligar e ativar o RE, provocando efeitos agonistas e antagonistas de modo tecido-seletivo. Para apurar a seletividade tissular é preciso ter uma base ampla de bioensaios envolvendo vários tecidos para possibilitar a caracterização adequada de cada estrógeno obtido(26,37).
Características e efeitos de alguns estrógenos desenhados O ciclofenil é uma substância de baixa estrogenicidade global; no muco cervical o efeito é nulo embora haja referência ao aumento de sua produção; em nível hipotálamo-hipofisário tem efeito antiestrogênico. O citrato de clomifeno apresenta efeito estrogênico uterotrópico, que desaparece com a continuação do tratamento, mas antagoniza o efeito uterotrópico do estradiol; por esse efeito bifásico, foi qualificado de estrógeno bloqueado. Em doses elevadas, volta a predominar a estrogenicidade. Tem efeito antiestrogênico em nível hipotálamo-hipofisário superior ao ciclofenil(10).
O citrato de tamoxifeno foi o considerado o protótipo dos antiestrógenos e, embora fosse posterior ao ciclofenil e clomifeno, passou a liderar a classe de antiestrógenos pela sua maior seletividade. Como SERM, o tamoxifeno somente apresenta atividade estrógeno-agonista, por exemplo, no osso, quando usado em mulheres menopausadas com baixos níveis circulantes de estrógenos, mostrando a importância destes níveis na seletividade tissular. Em mulheres pré-menopausais com elevados níveis circulantes de estrógenos, o tamoxifeno exerce efeito antagonista estrogênico, inclusive com perda da massa óssea 18. A atividade estrógeno-agonista do tamoxifeno também é observada em nível vaginal e endometrial, onde determina proliferação celular(29). Essa atividade tem o inconveniente potencial de provocar hiperplasia endometrial, inclusive câncer endometrial, confirmando a sua tecido-seletividade. Além disso, determina a supra-regulação dos níveis de receptores progestogênicos (RP); e aumenta o risco de tromboembolismo venoso em mulheres menopausadas(10).
O raloxifeno foi especificamente desenvolvido para conservar a atividade estrogênica sobre os ossos e lipídeos e a atividade antiestrogênica sobre as mamas e o útero(36).
As diferenças estruturais entre o raloxifeno e o tamoxifeno influenciam a conformação dos respectivos complexos estrógeno-REs e elementos estrógeno-responsivos (EREs) dos genes a serem modulados nos diferentes tecidos.
O fulvestrant é um esteróide 7-alfa-alquilado com uma cadeia longa fluorada no extremo distal, conectada ao segmento proximal da cadeia através de um radical sulfonil. Atua através de mecanismo diferente do tamoxifeno, pois se liga aos REs e determina a sua infra-regulação dose-dependente, e a infra-regulação dos níveis de RP em pacientes com câncer da mama. O seu valor terapêutico é similar ao anastrozole (inibidor da aromatase) em pacientes com câncer avançado da mama quanto à tolerância e melhora da qualidade de vida(15). Em termos de ligando, o estradiol é o agonista completo e o fulvestrant é o antagonista completo do RE-alfa, com discreto efeito uterotrópico relacionado ao RE-beta in vivo(40).
Figura 6 – Alguns quimiodiruptores endócrinos de natureza estrogênica.
EDCs industriais de natureza estrogênica Na sociedade atual, os quimiobióticos estão onipresentes, geralmente em concentrações mínimas, porém mesmo assim podem exercer atividade biológica importante. Esta atividade é variada e em parte de natureza hormonal, p. ex., estrogênica, androgênica, tireoidiana. A entrada destas substâncias no ciclo da natureza deu-se há cerca de 50 anos, logo após a Segunda Guerra Mundial. Nos anos seguintes a sua produção cresceu exponencialmente, existindo atualmente mais de atualmente mais de 300 destas substâncias com potencial estrogênico(39).
Como os EDCs são empregados em quantidades significativas, todo o bioma terrestre em breve será confrontado com inúmeras substâncias em grande parte poluentes, cujo contato comprovadamente acarreta uma série de distúrbios (Figura 7). As agravantes do problema residem na atividade biológica, presente em concentrações mínimas, e na resistência à degradação estrutural destas substâncias. A partir do meio da década de 1980 começaram a aparecer trabalhos sobre alterações reprodutivos na vida de animais selvagens, em parte relacionadas a malformações dos órgãos sexuais, ao mesmo tempo em que se descobriu a atividade estrogênica de alguns quimiobióticos industriais, por exemplo, nonilfenol, DDT, bisfenol A(1,31). Estas substâncias podem influenciar o processo de desenvolvimento desde a fase embrionária até a maturidade sexual, de acordo com as chamadas janelas de sensibilidade. Assim, anomalias do desenvolvimento genital e da fertilidade poderiam ser induzidas pelos EDCs na fase embrionária durante uma janela de sensibilidade, mas a sua expressão manifestar-se-ia somente mais tarde(39).
Em 1992, um estudo dinamarquês apurou que nos últimos 60 anos o espermograma mostrou queda de aproximadamente 50% do número de espermatozóides; este fato teria relação com a presença de EDCs de ação hormonal. Logo depois do emprego intensivo de pesticidas e outros quimiobióticos halogenados, como, por exemplo, as fenilas policloradas (PCBs), foram publicados os primeiros trabalhos sobre distúrbios do acasalamento e do choco em aves de rapina, situadas no topo de uma cadeia alimentar, no fim da década dos anos. A águia de cabeça branca (bald eagle; bald provem do inglês antigo ‘baeld’ que significa branco) quase ficou extinta em grandes áreas ao longo da costa oeste do Canadá e dos USA. A mesma explicação foi dada para a curvatura excessiva dos pênis de aligátores no lago Apopka, situado na Flórida; e para o surgimento de peixes hermafroditas em rios da Inglaterra(39,40).
Figura 7 – Alguns fitoestrógenos. O lignano diglicosídeo de secoisolariciresinol transforma-se na luz intestinal em enterodiol, sob a ação de bactérias intestinais.
Nem todos EDCs alteram a ação hormonal pela ligação aos REs. Alguns influenciam receptores da membrana que atuam como relé, ativando indiretamente os REs. Nesse caso, a concentração do EDC pode ser muito baixa, desencadeando rapidamente, em 3-60 min, respostas estrogênicas. Estas respostas contrastam com aquelas mais tardias (horas ou dias), necessárias para ligar os complexos estrógeno-REs aos EREs e alterar a atividade genética(4,18). Por exemplo, o beta-hexaclorocicloexano (beta-HCH) é capaz de produzir respostas estrogênicas em concentrações ínfimas encontradas no tecido do câncer da mama humano(27,28). O beta-HCH não se liga ao RE, mas promove a transcrição do DNA e produz respostas estrogênicas através da transmissão de sinais para elementos não responsivos aos estrógenos que ativam os genes responsivos(28). O p,p’ – DDT pode, em concentrações iguais ou menores encontradas no tecido gorduroso do câncer da mama humano, transpassar o RE e estimular processos que levam à divisão celular, ligar ao receptor androgênico e inibir a ligação do andrógeno, influenciando o sistema endócrino de vários modos(7).
Fitoestrógenos e nutracêuticos Há quatro grupos principais de fitoestrógenos: isoflavonas (genisteína, daidzeína), lignanos (enterodiol, enterolactona), estilbenos (resveratrol) e coumestanos (coumestrol)(8,9). As isoflavonas pertencem aos flavonóides, subclasse de polifenóis, caracterizados pela presença de dois ou mais anéis benzênicos, cada qual portando uma hidroxila e conectados por uma ponte contendo carbonos. Nas isoflavonas, a estrutura básica é constituída de dois anéis benzênicos (A,B) ligados por um anel insaturado representado pela pirona (C); a conexão dos anéis B e C está situada na posição 3 do anel C (Figura 7) 2. As isoflavonas são encontradas principalmente na soja. Todos flavonóides aparentemente revelaram propriedades terapêuticas, mas eventos adversos foram verificados, sobretudo no emprego de fitoestrógenos isolados(18); essa circunstância parece ser lógica porque na maioria dos casos a planta total tem os seus componentes equilibrados, mas estes, isoladamente, são substâncias cujo potencial terapêutico ou lesivo passa a não ter o controle do conjunto.
O resveratrol é um estilbeno encontrado principalmente no vinho vermelho e no amendoim. Há dois isômeros, cis e trans, mas somente a forma trans é estrogênica. O resveratrol não está presente na polpa da uva, somente na casca, motivo pelo qual o vinho branco tem baixo teor do fitoestrógeno. O mesmo vale para os amendoins. A raiz seca do Polygonum cuspidatum (bambu mexicano), usado na medicina chinesa tradicional, tem elevado teor de resveratrol, chegando a 377 mg/100 g de raiz seca(8).
As lignanas constituem uma classe de dímeros e oligômeros fenil-propanóides. São representados, enquanto fitoestrógenos, pelo enterodiol e pela enterolactona, que derivam do secoisolariciresinol e matairesinol, não estrogênicos por si mesmos, respectivamente. A conversão para fitoestrógenos depende das bactérias intestinais e o uso de antimicrobianos orais prejudica o processo(24). Ocorrem principalmente em sementes de linhaça, pães de grão integral, morango(8,32).
A maioria dos coumestanos não é estrogênica, sendo o coumestrol e o 4′-metoxicoumestrol os principais fitoestrógenos da classe. Ocorrem na couve-de-Bruxelas e soja(8).
O termo nutracêutico é aplicado para alimentos que preservam a saúde ou curam doenças. O exemplo mais citado é o feijão da soja. O valor nutritivo está nas principalmente na proteína da soja, mas o poder curativo parece concentrar-se nas isoflavonas e seu cortejo de moléculas reguladoras, presentes no feijão de soja ou no seu extrato. A emulsão do extrato em água constitui o leite de soja. Vários pesquisadores se posicionam contra os suplementos enriquecidos com fitoestrógenos e pílulas contendo fitoestrógenos isolados, em virtude dos eventos adversos que podem ser antecipados em virtude da potência biológica de algumas isoflavonas(14,35).
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