Tratamento da infecção não complicada do trato urinário |
Treatment of non complicated urinary tract infection |
Francisco José Werneck de Carvalho |
Professor titular de Nefrologia da Faculdade de Medicina de Valença. |
Rômulo Godinho Zeringota |
Acadêmico da Faculdade de Medicina de Valença. |
Endereço para correspondência: Rua Delgado de Carvalho, 76/502 – Tijuca – CEP 20260-280 – Rio de Janeiro – E-mail: fjwerneck@superig.com.br Recebido para publicação em 11/2004. Aceito em 02/2005. |
Unitermos: infecção do trato urinário, tratamento, controle. |
Unterms: urinary tract infection, treatment, control. |
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Sumário Os autores descreveram as classes de antibióticos com atividade sobre as bactérias mais freqüentemente causadoras de infecção do trato urinário (ITU), assinalaram os critérios de indicação de início do tratamento, controle da ITU e apresentaram os modelos de tratamento, com dose única, de curta duração ou tradicional, suas vantagens e desvantagens. |
Sumary The authors described the classes of antibiotics active over the most frequentlly bacteria that cause urinary tract infection, signed the indication for starting the treatment, its control and present the alternatives of treatment with single dose, short duration and conventional, discussing their benefits and disadvantages. |
Numeração de páginas na revista impressa: 52 à 56 “O difícil não é adquirir novos hábitos, o difícil é se livrar dos antigos.” Albert Einstein Resumo Os autores descreveram as classes de antibióticos com atividade sobre as bactérias mais freqüentemente causadoras de infecção do trato urinário (ITU), assinalaram os critérios de indicação de início do tratamento, controle da ITU e apresentaram os modelos de tratamento, com dose única, de curta duração ou tradicional, suas vantagens e desvantagens. INTRODUÇÃO A infecção do trato urinário (ITU) tem importância epidemiológica por ser uma das mais freqüentes infecções encontradas na prática médica diária e pelo aspecto econômico que envolve dispêndio de vultuosas quantias no seu tratamento em todo o mundo, sendo atribuído à pielonefrite uma incidência de 250 mil pacientes por ano(1), somente nos Estados Unidos. Ela acomete principalmente as mulheres e pode ocorrer em qualquer faixa etária, em especial durante o período de atividade sexual(2). Entre os homens é necessária uma condição subjacente para o seu aparecimento. O diagnóstico obedece a critérios clínicos e laboratoriais, que geram uma classificação de acordo com o nível de comprometimento do aparelho urinário (ITU alta e baixa) e sua associação com a presença de mecanismos propiciadores do seu aparecimento, classificando-a em infecções urinárias complicadas e não complicadas. Para uma terapêutica bem-sucedida dependemos essencialmente de um diagnóstico clínico-bacteriológico, escolha de um agente antimicrobiano adequado, usado por um período adequado, além do acompanhamento do paciente. As manifestações da ITU variam de acordo com aspectos diversos como idade, gênero e o hospedeiro, podendo inclusive cursar de forma assintomática em até 2% das meninas, 5% entre as mulheres de 18 a 50 anos e em até 50% das pacientes idosas(3). A estimativa das possíveis respostas terapêuticas é baseada nas bactérias mais freqüentemente envolvidas na etiologia da ITU e no tipo de infecção, classificada como complicada ou não. Esses dois aspectos permitem um planejamento apropriado a ser seguido, com grande possibilidade de se obter sucesso no tratamento, mesmo sem a realização do exame de cultura de urina, com contagem de colônias e o antibiograma, padrão-ouro para o diagnóstico de tratamento da ITU. O somatório desses conhecimentos permitiu o estabelecimento de vários esquemas terapêuticos, empregando diversas classes de antibióticos preferenciais, com uma duração variada, que são o foco do presente trabalho, voltado para a terapêutica da ITU não complicada, a mais freqüente das ITU. TIPOS DE APRESENTAÇÃO DAS INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO Conceitua-se infecção do trato urinário a ocorrência de colonização por agentes infecciosos, com invasão tecidual de qualquer parte do trato urinário. Ela constitui uma entidade clínica multifatorial, cujo diagnóstico e tratamento estão envolvidas diversas especialidades médicas. Por sua localização e associação com fatores desencadeantes ou perpetuadores de ITU podemos classificá-la em ITU baixa, alta, complicada e não complicada, como veremos a seguir. A ITU baixa, que compromete o trato urinário baixo, compreendendo a bexiga e a uretra, cuja sintomatologia pode ser expressa por um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: febre, disúria, polaciúria, urgência urinária e dor suprapúbica. Esses sintomas urinários podem, no entanto, estar associados também a doenças inflamatórias não infecciosas ou ainda com a uretrite, que é mais comumente causada pela Neisseria gonorheae ou pela Clamydia trachomatis, numa fase em que o corrimento uretral pode ainda não estar presente. A ITU que compromete o trato urinário alto é a denominada pielonefrite aguda. Seu quadro clínico pode incluir os sintomas das ITU baixa e ainda dor no flanco homolateral ao rim comprometido, com punho-percussão lombar dolorosa e febre, geralmente elevada, além de poder apresentar sinais sistêmicos de infecção. A investigação laboratorial pode mostrar alterações no leucograma, como a leucocitose e não raramente com desvio à esquerda e elevação da hemossedimentação. A distinção entre uma infecção complicada ou não depende de fatores que podem dificultar o seu tratamento. Dessa forma, uma pielonefrite aguda em um paciente saudável pode ser considerada uma ITU não complicada(1), enquanto uma cistite aguda pode evoluir com complicações, embora a cistite seja considerada uma ITU não complicada. Os fatores associados com ITU complicada são anormalidades anatômicas ou funcionais que podem comprometer um livre fluxo urinário. Entre eles temos a presença de cálculo, bexiga neurogênica, corpo estranho (cateter vesical de demora) e compressão extrínseca em qualquer nível do aparelho urinário. Sendo a via ascendente a principal rota bacteriana de instalação da infecção urinária alta, algumas vezes difícil caracterização entre as duas formas de infecção urinárias e a rapidez da proliferação bacteriana patógena, devendo orientação à terapêutica favorecer o uso de antimicrobiano ou quimioterápicos capazes de atingir boas concentrações sangüíneas e em todo o trato urinário. A indicação para investigação da origem da ITU pelos diversos métodos de imagem disponíveis varia com o gênero do paciente, idade e número de infecções em determinado período o que não será abordado pelo presente trabalho. ESTUDO BACTERIOLÓGICO DAS INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO Dois aspectos bacteriológicos foram importantes no estabelecimento de terapêutica da ITU. O primeiro foi o estudo de Kass(4), que criou o critério da relação do número de colônias bacterianas observadas em meio de cultura e a presença efetiva da ITU quando o número de colônias é maior ou igual a 100 mil colônias de uma única bactéria. O outro fator foi o estabelecimento das bactérias mais freqüentemente encontradas nas ITU (Echerichia coli, Klebsiela pneumoniae e Proteus mirabilis) e as suas sensibilidades às diversas classes de antibióticos que podem atingir elevadas concentrações no trato urinário, com condições de erradicação desses patógenos, em um período de tratamento preestabelecido, que atinge um alto índice de sucesso. Outros agentes bacterianos identificados como potenciais causadores de ITU necessitam de condições especiais para o seu desenvolvimento na urina como a Pseudomonas aeroginosa. Em geral essas bactérias estão associadas a infecções urinárias contraídas no ambiente hospitalar e, principalmente, nos pacientes que foram submetidos a procedimentos de investigação ou tratamento realizados no aparelho urinário ou mesmo em pacientes que são mantidos com cateterismo vesical de demora, independente da unidade de internação em que estiver o paciente. Os fungos são uma outra classe de agente microbiano que pode provocar ITU, representado principalmente pela Candida albicans. Apesar de mais de 80 espécies desse fungo estarem bem identificadas e cujo aparecimento também ser associado a circunstâncias especiais facilitadoras dessas infecções como pacientes hospitalizados, com diabetes mellitus e outras doenças que promovem imunodepressão ou no curso de tratamento com antibióticos para outras infecções ou tratamento de doenças que necessitam o emprego de drogas imunossupressoras. Deve-se lembrar, no entanto, que a candidíase geralmente é transitória, assintomática e clinicamente com pouco significado, na maioria das vezes que acomete o aparelho urinário. CLASSES DE ANTIBIÓTICOS E QUIMIOTERÁPICOS Para o tratamento da ITU é fundamental que o antibiótico a ser escolhido atinja uma elevada concentração tanto sangüínea como urinária para que se obtenha elevados índices de concentração inibitória mínima contra os patógenos urinários. As principais classes de antibióticos e quimioterápicos disponíveis atualmente e que preenchem esses critérios são: penicilinas sintéticas, cefalosporinas, aminoglicosídeos, quinolonas e as sulfas, entre essas, especialmente a associação de trimetoprima e sulfametoxazol. Desse modo, somente as classes de medicamentos acima relacionadas serão motivo de avaliação no presente trabalho. Os antifúngicos disponíveis e as respectivas doses para o tratamento desse tipo de ITU estão relacionados na Tabela 1.
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Bibliografia |
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