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Introdução
Micoses superficiais são infecções cutâneas causadas por fungos que se limitam às porções queratinizadas e semiqueratinizadas da pele ou à sua superfície, aos pêlos e às unhas, não acometendo a derme, o tecido celular subcutâneo, ossos, articulações e órgãos internos. Em geral não há anticorpos séricos e o contágio inter-humano é freqüente.
Atualmente são classificadas em ceratofitoses, dermatofitoses e candidoses, sendo que a tricomicose axilar e o eritrasma são estudados à parte, por serem quadros bacterianos.
CERATOFITOSES
São micoses exclusivamente superficiais, cujos fungos se localizam na queratina epidérmica e nos pêlos, sem qualquer fenômeno de hipersensibilidade(1). São também conhecidas como micoses superficiais saprofitárias ou saprofícias de Unna. Agrupam-se, entre elas, a pitiríase versicolor, a tinha negra e a tricomicose nodosa.
Pitiríase versicolor É micose muito comum, causada pela Malassezia sp., que é uma levedura encontrada nas áreas seborréicas da pele e do couro cabeludo de adultos normais e que se tornam patogênicas quando encontram condições locais propícias. O parasita se encontra em grande quantidade nas lesões, mas, apesar disso, é baixa sua contagiosidade(2).
Segundo Azulay, parece ser uma micose oportunista e a incidência baixa entre casais (7,5%) sugere a necessidade de predisposição individual para o seu desenvolvimento(3). As recidivas são freqüentes. Tem distribuição universal, atinge todas as raças e é mais freqüente no adulto. Clinicamente a doença se manifesta por máculas de variadas tonalidades, conforme a pele do paciente; daí a denominação versicolor: em áreas de pele clara assumem coloração acastanhada ou pardacenta e em áreas escuras se apresentam hipocrômicas. Atritando-se a lesão com cureta ou mesmo com a unha aparecem escamas furfuráceas na superfície das manchas.
Localizam-se na metade superior do tronco, nos braços, abdome e, nos casos mais extensos, estendem-se para os antebraços, face, pescoço, glúteos e coxas(4). As lesões são planas, geralmente circulares e de dimensões variáveis. De início se distribuem isoladamente, podendo aumentar em número e tamanho e confluir, formando grandes máculas.
O diagnóstico laboratorial da pitiríase versicolor é obtido pelo exame micológico direto, após clarificação com potassa do material a ser examinado, em que o fungo aparece sob a forma de filamentos grossos, septados, retos ou curvos, com esporos arredondados em número maior do que os filamentos. A cultura é pouco utilizada com finalidade diagnóstica, embora o fungo cresça bem a 37oC em meios com óleo de oliva. À luz de Wood as lesões apresentam coloração amarelo-ouro(5). O diagnóstico diferencial é feito com vitiligo, lues secundária e hanseníase. No vitiligo não ocorre descamação das lesões; nas sifílides areolares do pescoço as manchas são hipocrômicas, reticulares, acompanhadas de melanodermia e há outros sinais de sífilis secundária, cujo diagnóstico é confirmado pela positividade das reações sorológicas; as lesões hipocrômicas e acrômicas da hanseníase são anestésicas e não descamam.
O tratamento tópico(6,7) da pitiríase versicolor é eficaz, porém prolongado, podendo ser utilizados vários medicamentos (Quadro 1).
Toda medicação utilizada pode ser igualmente aplicada no couro cabeludo. Os resultados são satisfatórios, porém as recidivas são freqüentes. Após o tratamento pode ocorrer uma hipocromia residual por vários meses.
O tratamento sistêmico pode ser feito com cetoconazol(9-12), fluconazol(13) ou itraconazol(14), os quais devem ser reservados aos casos mais extensos e rebeldes. O cetoconazol é utilizado na dose de 200 mg por dia, durante dez dias(15); o fluconazol, 150 mg por semana, por três semanas; e o itraconazol na dose de 200 mg por dia, por cinco dias (Quadro 2).
Ceratofitose negra (tinha negra) Esta micose rara é produzida pelo Phaeoannellomyces werneckii. Ocorre mais comumente nas crianças do sexo feminino, nas zonas tropicais e subtropicais, principalmente nos indivíduos com hiperidrose. Clinicamente se caracteriza por mácula negra, de pequena dimensão, de localização palmar, plantar ou nas bordas dos dedos. Manifesta-se como lesão única ou múltiplas que podem coalescer. O diagnóstico é definido pelo exame micológico e o diagnóstico diferencial deve ser feito com o melanoma maligno. O tratamento é realizado com imidazóis tópicos.
Tricomicose nodosa (piedra) É micose pouco freqüente, que se caracteriza pelo aparecimento de pequenos nódulos brancos ou pretos que envolvem os pêlos acometidos. Atinge a haste do cabelo, os pêlos da barba e do bigode e, com maior freqüência, os pêlos da região pubiana(16).
A piedra branca é causada pelo Trichosporum beigelii e a piedra negra pela Piedraia hortai. Apenas a branca atinge os pêlos do púbis. Os fungos atingem a porção intrafolicular do pêlo e não determinam tonsura do mesmo. Segundo Sampaio(17), o diagnóstico clínico é óbvio, não havendo necessidade de confirmação laboratorial. A utilização de formol a 2% confere excelentes resultados. Podem ser utilizados também os antimicóticos. Às vezes, torna-se necessário o corte das hastes acometidas.
DERMATOFITOSES
As dermatofitoses são micoses superficiais causadas por fungos do grupo dos dermatófitos, dos gêneros Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton. As lesões resultam da presença do fungo ou de reações de hipersensibilidade; estas, as ides, são denominadas microspórides, tricofítides ou epidermofítides (dermatofítides para o grupo), de acordo com o gênero a que pertence o fungo causador. Os dermatófitos podem ser antropofílicos (parasitas exclusivos da espécie humana), zoofílicos (próprios de animais domésticos ou silvestres) ou geofílicos (têm o solo como reservatório). Conclui-se, pois, que a infecção humana por esses fungos pode resultar do contato direto entre pessoas, de pessoas com animais ou a partir do solo onde se encontram os parasitas.
As dermatofitoses acometem indivíduos em qualquer faixa etária. Eventualmente, atingem preferencialmente pessoas de determinados grupos etários; assim as dermatofitoses do couro cabeludo incidem predominantemente nas crianças, enquanto as tinhas dos pés, das coxas e a crural são próprias dos adultos. Observa-se também que as dermatofitoses têm predileção topográfica, de acordo com o gênero considerado. O Trichophyton pode ocasionar lesões na pele, pêlos e unhas; o Microsporum acomete pele e pêlos; e o Epidermophyton atinge pele e unhas(18).
Com a conquista de novos conhecimentos imunológicos, pode-se explicar porque algumas dermatofitoses são, às vezes, rebeldes aos tratamentos instituídos. Nessas eventualidades, os indivíduos acometidos apresentam imunodeficiências, particularmente relativas à imunidade celular, que propiciam evolução grave dessas micoses, que se apresentam com lesões progressivas, múltiplas e extensas. Fato semelhante pode ser verificado em indivíduos sob uso prolongado de corticosteróides e de outros medicamentos imunossupressores, sobretudo em transplantados e doentes com neoplasia.
Nesse grupo de micoses superficiais podem ser observados quadros clínicos diversos e diferentes locais comprometidos. Desse modo, torna-se possível a subdivisão do grupo de dermatofitoses, segundo a localização das lesões, como descrito a seguir.
Tinha do couro cabeludo É própria da criança e rara no adulto. É chamada tinha tonsurante e se caracteriza pela presença de placas de tonsura, que se evidenciam por pêlos cortados rente ao couro cabeludo. As placas são circulares e pequenas, crescem em número e tamanho, podendo vir a coalescer. Associadamente aos cabelos tonsurados, a lesão apresenta descamação. Produzida por dermatófitos dos gêneros Microsporum (M. canis) e Trichophyton (T. mentagrophytes e T. rubrum) contaminam a criança através do contato com indivíduos, animais ou solo contaminado. Na tinha microspórica as placas costumam ser maiores e em número reduzido, enquanto a tinha tricofítica dá origem a placas menores, porém mais numerosas(16).
A evolução da tinea capitis é caracteristicamente crônica; há, entretanto, uma variedade aguda, com intensa reação inflamatória, que se apresenta como placa única, elevada, bem delimitada, dolorosa e com pústulas: é o denominado Kerion celsi, usualmente causado por dermatófitos geofílicos ou zoofílicos. A tinha do couro cabeludo pode associar-se com o aparecimento de mícides no tronco ou outros locais; as lesões assumem aspecto de pápulas foliculares. O diagnóstico diferencial da tinea capitis deve ser feito com a alopecia areata, na qual ocorre queda completa dos cabelos em vez de tonsura e não se verificam escamas. Diferencia-se da tricotilomania pela irregularidade da zona depilada e ausência de descamação e das alopecias cicatriciais (lúpus eritematoso, pseudopelada de Brocq e foliculite decalvante), pela existência de atrofias nessas entidades.
A confirmação do diagnóstico de tinha do couro cabeludo é obtida pela demonstração do fungo em exame microscópico direto do material retirado das lesões ou através da cultura em meio de Sabouraud. A lâmpada de Wood possibilita a complementação diagnóstica, quando se verifica fluorescência das lesões expostas à luz(19).
O tratamento é realizado com a administração oral de fluconazol ou terbinafina. O fluconazol(20) é utilizado para crianças acima de seis meses de idade, na dosagem de 6 mg/kg/dia, por três semanas, e a terbinafina, na dose de 3 a 6 mg/kg/dia, por quatro a oito semanas. No quérion pode tornar-se necessária a drenagem cirúrgica, quando houver supuração intensal. De modo geral, o tratamento tópico é desnecessário. O emprego de radioterapia, muito adotado no passado, é atualmente proscrito(21).
Tinha da barba É relativamente rara em nosso meio e determinada por fungos do gênero Trichophyton. Apresenta-se em três formas: a) tipo inflamatório, em que as lesões são inflamatórias e supurativas; b) tipo herpes circinado, constituído por lesões anulares (eritêmato-pápulo-vesicoescamosas nas bordas), cujo crescimento é centrífugo; c) tipo sicosiforme, que se assemelha à foliculite bacteriana(17). O diagnóstico diferencial da tinea barbae deve ser feito principalmente com a alopecia areata da barba e a sicose: na primeira ocorre completa depilação sem a presença de outros elementos e na segunda os exames bacteriológicos e micológicos discriminam a natureza do processo.
No tratamento da tinha da barba devem ser utilizados antimicóticos sistêmicos: itraconazol, 100 mg/dia; terbinafina, 250 mg/dia, ou fluconazol, 150 mg/semana, por duas a quatro semanas. Pode-se aplicar topicamente pomada contendo corticosteróide em associação com antimicótico e antibiótico, nos tipos inflamatório e sicosiforme e pomadas ou líquidos contendo antifúngicos no tipo herpes circinado.
Tinha do corpo Observada geralmente na infância, mas também ocorrendo no adulto, assume importância em coletividades escolares. Produzida mais comumente por M. canis, T. rubrum e T. mentagrophytes. Em geral pruriginosa, apresenta variadas apresentações clínicas: vesiculosas, anulares e em placas. Na forma vesiculosa as lesões confluem, rompem-se e deixam superfície exulcerada, sobre a qual se formam as crostas. Com a evolução, novas vesículas aparecem na periferia da lesão; havendo, portanto evolução centrifuga até um determinado momento em que pode ocorrer cura espontânea(22).
Na forma anular, a lesão inicial é eritêmato-papulosa, de crescimento centrífugo, com cura central. Às vezes múltiplas lesões surgem concomitantemente, podendo haver aspecto policíclico no conjunto. Na forma em placas não há tendência à cura central da lesão; as placas eritêmato-descamativas vão aumentando progressivamente em extensão, podendo atingir extensas áreas da pele. O diagnóstico diferencial da tinha do corpo se faz com eczemas agudos, dos quais se distingue pela menor intensidade do prurido e pela delimitação da área em que se encontram as lesões. Diferencia-se da psoríase pela ausência de infiltração nas placas e da ausência de estratificação de suas escamas. Na pitiríase rósea de Gibert as placas mais antigas têm cor róseo-amarelado.
O tratamento da tinha do corpo pode ser exclusivamente tópico, com um dos antifúngicos mencionados na terapêutica da tinha da barba, por duas a quatro semanas. Quando disseminada, o tratamento sistêmico deve ser associado(23).
Tinha crural Muito comum, principalmente no verão, quando a sudação e o calor facilitam o seu aparecimento, manutenção ou recidiva; é mais freqüente no adulto do sexo masculino. Os fungos mais envolvidos são o T. rubrum, T. mentagrophytes e E. floccosum. As lesões invariavelmente atingem ambas as coxas, podendo progredir para a região perineal, glútea e abdominal, caracterizando-se por eritema e escamas, com bordas demarcadas, nas quais se encontram pequenas vesículas eventualmente exsudativas. Nesta fase ativa, o prurido é constante. Durante os períodos quiescentes as lesões se tornam escurecidas e o prurido se ameniza. Na evolução, habitualmente crônica, alternam-se períodos de atividade com períodos de acalmia(24).
O diagnóstico diferencial da tinea cruris deve ser feito com eczema seborréico, eczema de contato, eritrasma e candidose; diverge dos eczemas pela marginação de suas lesões e pela ausência de vesículas na fase crônica ou quiescente; do eritrasma por este ser constituído por placa eritêmato-escamosa plana e localizada, mais comumente, na face interna e na raiz da coxa; da candidose por esta apresentar-se com maceração muito acentuada e mais intensa reação inflamatória.
O tratamento tópico da tinha crural costuma ser eficaz, embora se observe grande tendência à recidiva. O medicamento é escolhido de acordo com o aspecto das lesões: nas formas agudas, vesiculosas e exsudativas se indicam compressas de permanganato de potássio a 1:40.000 ou água boricada a 3%, aplicadas durante 15 minutos, três vezes ao dia. Ultrapassada a fase aguda, devem ser prescritos antimicóticos como o tolciclato, clotrimazol, tolnaftato, miconazol, econazol, ciclopirox-olamina, tioconazol, entre outros. Quando as lesões são muito extensas, deve ser associada terapêutica sistêmica.
Tinha dos pés Micose bastante comum, sendo que no verão, pelo calor e umidade, há possibilidade de pioras ou recidivas(25). É mais comum no adulto, embora se tenha notado aumento na infância, nos últimos anos, provavelmente pelo uso de tênis e meias grossas e sintéticas que aumentam a sudorese e a maceração dos pés. Em nosso meio, os fungos mais envolvidos são o T. rubrum, T. mentagrophytes e E. floccosum.
As localizações mais comuns são as plantas dos pés e os espaços interdigitais dos três últimos pododáctilos, sendo menos comprometidas as dobras das unhas e o dorso dos pés. O quadro clínico é variável e pode ser subdivido em quatro formas:
· Intertriginosa – forma crônica que apresenta maceração e descamação dos espaços interdigitais, podendo apresentar prurido e fissura; · Vesiculosa – forma subaguda da tinha dos pés. Vesículas ou vesicopústulas atingem áreas localizadas dos espaços interdigitais e podem sofrer infecção secundária; · Escamosa – lesões escamosas ou eritêmato-escamosas, com prurido freqüente e reação inflamatória discreta; · Marginada – escamação com aspecto circinado nas bordas.
O diagnóstico diferencial de tinha dos pés deve ser feito com hiperidrose, pois a sudorese profusa aumenta a maceração difusa da epiderme, que se apresenta úmida e amarelada. As lesões eritêmato-escamosas devem ser diferenciadas das dermatites eczematosas secas. Nas formas agudas vesicobolhosas, a distinção deve ser feita com as dermatites de contato e com a disidrose. As sifílides plantares eritêmato-escamosas também devem ser consideradas. Nas formas interdigitais, às vezes, torna-se difícil diferenciar as lesões da tinha das causadas por Candida. O exame micológico sempre deve ser realizado e as reações sorológicas para sífilis, apenas quando persistir dúvida.
O tratamento tópico da tinha dos pés é realizado, na fase aguda, com o emprego de compressas anti-sépticas, de forma semelhante à referida para a tinha crural, aplicando-se, posteriormente, antimicóticos locais, por quatro a seis semanas. A terapia sistêmica pode ser necessária nos casos extensos e/ou rebeldes aos antifúngicos tópicos.
Tinha das mãos A tinha das mãos é bem mais rara que a tinha dos pés, sendo causada pelas mesmas espécies de fungos. O dorso das mãos é comprometido com maior freqüência que a região dorsal dos pés. O quadro clínico, o diagnóstico diferencial e o tratamento são os mesmos da tinea pedis.
Tinha das unhas As onicomicoses são comumente causadas por fungos dos gêneros Trichophyton e Epidermophyton. As unhas e suas dobras constituem localizações freqüentes de infecções por dermatófitos. A infecção se inicia pela borda livre da unha ou pelas dobras periungueais e se propaga lentamente, através da lâmina ungueal, até o limite da matriz, sem atingi-la. Observa-se perda do brilho, opacidade e até destruição da unha. Sob a lâmina ungueal, verifica-se acúmulo de massa córnea, a qual possui grande relevância diagnóstica. A unha se torna frágil, quebradiça e sofre deslocamento de seu leito. São classificadas em distal-lateral, subungueal proximal, branca superficial e distrófica total, de acordo com a apresentação clínica.
O diagnóstico diferencial das onicomicoses deve ser realizado com as oníquias secundárias dos eczemas e dos processos periungueais; nestes estão presentes estrias transversais (linhas de Beau) e as alterações não se instalam a partir da borda livre. Na candidose ungueal a unha não se torna quebradiça e não se observa massa ceratósica subungueal. Às vezes pode haver confusão com psoríase tricofitóide ungueal. Quando houver dúvida, deve-se recorrer ao exame micológico direto e cultura para fungos. O tratamento deve ser realizado com itraconazol ou terbinafina(26,27). O itraconazol é administrado na dose de 200 mg/dia, por três a quatro meses, ou como pulsoterapia, ou seja, 200 mg/dia, duas vezes ao dia, por sete dias. Interrompe-se o tratamento por três semanas e se repete o mesmo esquema três a quatro vezes. A terbinafina é outra opção(28), na dose de 250 mg/dia, por três a quatro meses, também podendo ser realizada pulsoterapia(29). O fluconazol, 150 mg/semana, por três a doze meses é uma alternativa(30).
Em relação à terapia tópica, várias drogas podem ser utilizadas: a amorolfina a 5% e o ciclopirox-olamina a 8%, em esmalte, e o tioconazol a 28%, em solução. Estes podem ser apenas coadjuvantes da terapêutica sistêmica ou serem administrados isoladamente em onicomicoses incipientes(31).
Dermatofítides As dermatofítides, mícides ou ides, constituem expressão de reações de hipersensibilidade à distância do foco de infecção, aos fungos ou a seus produtos. De acordo com o gênero de dermatófito envolvido, recebem o nome de tricofítides, microspórides ou epidermofítides. A existência de hipersensibilidade pode ser demonstrada pela positividade da reação intradérmica, realizada com o antígeno específico de cada fungo. As lesões das mícides não são próprias para cada fungo, assim sendo, seu aspecto não possibilita a identificação do agente causal.
O aspecto das lesões cutâneas é variável, bem como o local em que são encontradas. Com maior freqüência se observam lesões vesiculosas e bolhosas na palma das mãos (foco primário nos pés) e face lateral dos dedos ou, então, lesões papulosas e foliculares no tronco e no pescoço (foco primário no couro cabeludo). Os pés também constituem sede relativamente comum de lesões vesiculosas. O diagnóstico pode ser confirmado: a) pela demonstração do fungo, através de exame micológico, no foco da lesão ativa; b) pela negatividade do exame micológico na lesão suspeita de mícide; c) pela demonstração de hipersensibilidade tardia à tricofitina (intradermorreação positiva); d) pela cura das lesões das mícides, com o tratamento específico da micose(32).
A terapêutica da dermatofítide é realizada pelo próprio tratamento da micose que a provocou. Quando as manifestações de hipersensibilidade são muito intensas se deve recorrer também ao uso do corticosteróides, aplicados topicamente e/ou administrados por via oral.
Diagnóstico laboratorial das dermatofitoses O esclarecimento diagnóstico das dermatofitoses – com a demonstração dos esporos e filamentos característicos desse grupo de fungos – é realizado através de exame micológico direto, após clarificação do material estudado com potassa a 20%. O material é recolhido da pele, das unhas ou dos pêlos. A cultura em meio de Sabouraud possibilita a identificação do dermatófito; a caracterização da espécie é efetuada a partir da análise das peculiaridades macroscópicas e microscópicas das colônias.
Para a realização dos testes intradérmicos se utilizam antígenos específicos, preparados com material obtido na cultura dos dermatófitos. A positividade dessas provas, realizadas com a injeção intradérmica de 0,1 ml do antígeno, define-se pelo aparecimento de pápula ou nódulo com 5 mm ou mais, 48 a 72 horas após a aplicação, indicando estado de hipersensibilidade tardia (relacionada com a imunidade celular) ao agente.
CANDIDOSES
São causadas por leveduras do gênero Candida, principalmente a C. albicans (outros gêneros: C. parapsilosis, C. tropicalis, C. krusei, C. stellatoidea, C. guilhermondii e C. pseudotropicalis(33)). É um fungo oportunista que pode ser encontrado na pele e nas mucosas de indivíduos normais, como comensal; a interferência de vários fatores pode torná-lo patogênico(34).
A candidose ou monilíase ocorre tanto em crianças quanto em adultos, através de quadros clínicos variados, atingindo geralmente apenas pele e/ou mucosas, mas podendo acometer pulmões, intestino, sistema nervoso, endocárdio e, inclusive, causar síndrome septicêmica. Entre os fatores que proporcionam o aparecimento da doença, devem ser ressaltados prematuridade, gravidez, diabetes mellitus, uso de antibióticos de largo espectro (particularmente as tetraciclinas), de corticosteróides e o contato prolongado e freqüente com água e sabão (micose profissional).
Candidose intertriginosa Ocorre caracteristicamente em dobras cutâneas (axilas, regiões submamárias, ínguino-crurais e interdigitais). Observam-se lesões eritematosas, com superfície úmida e secretante, levando ao aparecimento de fissuras. A lesão principal é geralmente cercada por lesões menores (lesões satélites). Pode haver prurido local.
Paroníquia Observa-se em indivíduos expostos prolongada e freqüentemente à água, sabões e detergentes, tais como donas de casa, cozinheiras, lavadeiras, funcionários de bares e restaurantes e zeladores, constituindo-se, portanto, uma micose profissional. Clinicamente as dobras periungueais se apresentam eritêmato-edematosas, com dor à pressão, das quais pode ou não ocorrer a saída de secreção purulenta. Um ou vários dedos podem ser comprometidos, verificando-se, eventualmente, alterações distróficas ungueais secundárias, como decorrência das lesões de suas respectivas matrizes(35).
Estomatite cremosa A estomatite cremosa, conhecida vulgarmente por sapinho, é comumente observada na mucosa da boca de lactentes e na mucosa vaginal de gestantes.
As lesões são constituídas por placas esbranquiçadas, circulares ou ovais, isoladas ou confluentes que podem comprometer toda a extensão da superfície das mucosas acometidas, recobrindo-as com induto esbranquiçado. As lesões podem se localizar na mucosa jugal, em palato, faringe, laringe, língua ou comissuras labiais (queilite angular).
Candidose balanoprepucial É freqüentemente observada em diabéticos. O prepúcio se apresenta eritematoso e edemaciado e a glande eritematosa ou eritêmato-erosada, tornando-se ou não recobertos por induto esbranquiçado. Prurido e/ou ardência local podem ocorrer.
Candidose mucocutânea crônica Nessa forma clínica são acometidas, simultaneamente, todas as áreas preferenciais; as lesões são encontradas na face, tronco, membros e couro cabeludo, sendo constituídas por placas eritematosas exsudativas, com vesículas, pústulas e crostas, além de descamação. O prurido é geralmente brando. Incide de preferência em crianças e em indivíduos com doenças crônicas caquetizantes, associada a deficiência imunológica. Existem formas congênito-hereditárias e formas adquiridas.
Candidose granulomatosa Muito rara, manifesta-se clinicamente pela formação de lesões crostosas e ceratósicas que podem assumir aspecto de corno cutâneo. Às vezes, formam-se abscessos e bolhas. As lesões, isoladas ou coalescentes, podem acometer extensas áreas da pele, além de provocar comprometimento mucoso e ungueal. Tanto a candidose granulomatosa quanto a mucocutânea crônica constituem formas clínicas de evolução grave, associadas a déficits imunológicos(36).
Cândides As cândides são lesões secundárias, à distância do foco infeccioso primário, causadas por hipersensibilidade a antígenos circulantes da Candida albicans. Podem assumir diversas características clínicas, sob a forma de lesões vesiculosas, disidrosiformes, eritêmato-vesiculosas, eczematóides ou pápulo-liquenóides, semelhantes às dermatofítides. Regridem com a cura da infecção primária.
Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da candidose intertriginosa deve ser feito com eczema, pela ausência ou menor intensidade do prurido, além de vesiculação escassa e com as tineas pedis e cruris, através do exame micológico. A paroníquia pode confundir-se com processos infecciosos bacterianos, principalmente os causados por Staphylococcus aureus; o estudo bacteriológico (bacterioscopia e cultura) permite definição diagnóstica, embora possa ocorrer a associação de infecção estafilocócica e fúngica na região periungueal. A candidose balanoprepucial deve ser diferenciada das infecções de múltiplas etiologias que podem acometer a glande e o prepúcio, recorrendo-se ao exame micológico.
As lesões da candidose oral podem ser confundidas com as da sífilis secundária; as lesões luéticas têm base infiltrada, sem o induto superficial da candidose e se associam a outras manifestações (artralgias, alopecia, adenomegalia generalizada, esplenomegalia). Na difteria, as membranas faringoamidalianas são aderentes, dando lugar a superfície sangrante quando removidas; nessa doença há febre pouco intensa, palidez cutânea e toxemia. Na gengivoestomatite de Plaut-Vincent as lesões são necróticas, com odor fétido.
O diagnóstico diferencial da candidose vulvar purulenta deve ser feito com a vulvovaginite gonocócica; o exame bacterioscópico da secreção permite a definição etiológica. O diagnóstico laboratorial da candidose é realizado por intermédio do exame micológico (pesquisa direta e cultura); não se pode esquecer, no entanto, que a presença da Candida albicans nas regiões lesadas não significa, invariavelmente, que ela seja o agente etiológico da doença, pois essa levedura é encontrada na pele e nas mucosas de indivíduos normais, como comensal(37). O diagnóstico definitivo deve fundamentar-se no binômio representado pelo achado clínico e pelo resultado dos exames específicos.
Os testes sorológicos e a reação intradérmica com candidina não constituem métodos utilizados rotineiramente; as provas sorológicas (aglutinação, precipitação, fixação do complemento) são empregadas exclusivamente em pesquisas científicas(38).
Tratamento das candidoses Uma vez realizado o diagnóstico de candidose, o médico deve investigar a existência de fatores predisponentes, tomando as medidas para controlá-los ou eliminá-los, caso estejam presentes. No tratamento tópico várias substâncias são eficazes, como violeta de genciana a 1%; iodo a 1%; pó ou solução boricada a 5%; permanganato de potássio, nistatina(39), entre outros. Diversos antimicóticos podem ser aplicados com êxito: clotrimazol, isoconazol, miconazol, econazol, tioconazol e ciclopirox-olamina(40).
O tratamento sistêmico é limitado aos casos crônicos rebeldes às condutas usuais. Existem várias opções: itraconazol, 200 mg/dia, por cinco dias; cetoconazol(41), 200 a 400 mg/dia, por cinco a dez dias; ou fluconazol, 50 a 100 mg/ dia, por 7 a 14 dias. A 5-fluorocitosina, 150 a 200 mg/kg/dia, e a anfotericina B, dose de manutenção de 50 mg/dia e dose total de 1,5 a 3,0 g, devem ser reservadas para quadros resistentes a outras terapias(42). A terapêutica da candidose mucocutânea crônica deve ser mantida até o desaparecimento das lesões.
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