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Fatores de risco em octogenários devem ser controlados?
Should the risk factors in elderly be controlled?


Cláudia Felícia Gravina Taddei
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Unitermos: fatores de risco, doença coronariana.
Unterms: risk factors, coronary disease.


Sumário
Os dados apresentados indicam que fatores de risco como a dislipidemia e a hipertensão devem ser tratados no paciente octogenário. Vale a pena ainda lembrar que o tratamento ideal no octogenário é aquele que não apenas prolonga a expectativa de vida, mas aquele que prolonga, como prioridade, a expectativa de vida ativa. Os fatores de risco diminuem a expectativa de vida ativa do octogenário e devem, portanto, ser combatidos.

Numeração de páginas na revista impressa: 4 à 6

Resumo


Os dados apresentados indicam que fatores de risco como a dislipidemia e a hipertensão devem ser tratados no paciente octogenário. Vale a pena ainda lembrar que o tratamento ideal no octogenário é aquele que não apenas prolonga a expectativa de vida, mas aquele que prolonga, como prioridade, a expectativa de vida ativa. Os fatores de risco diminuem a expectativa de vida ativa do octogenário e devem, portanto, ser combatidos.

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Em nenhuma outra faixa etária a população é tão heterogênea quanto na população dos octogenários. Encontra-se desde idosos ativos, lúcidos, independentes quanto aos cuidados pessoais e medicação até idosos com seqüela de acidente vascular cerebral (AVC), demência senil, em cadeira de rodas, e auxílio para cuidados pessoais, com múltiplas medicações por insuficiência cardíaca congestiva (ICC).

A decisão clínica de controlar os fatores de risco para doença arterial coronária em octogenários deve levar em consideração algumas questões.

1) Qual é a expectativa de vida dos pacientes muito idosos?

A expectativa de vida em octogenários varia de 6 a 8 anos no Brasil e nos Estados Unidos. Em idosos com 85 anos, a expectativa de vida é de 6 anos; em idosos com 90 anos, a expectativa de vida é de 5 anos para a mulher e de 3 anos para o homem nos Estados Unidos e Japão.

2) A doença coronária é importante nessa idade?

A doença arterial coronária (DAC) é responsável por 50% da mortalidade e por 75% da morbidade em octogenários. A principal conseqüência da incapacidade provocada pela DAC é a redução da expectativa de vida ativa. A expectativa de vida ativa corresponde ao período de vida em que o idoso é capaz de cuidar de sua higiene pessoal, alimentar-se, vestir-se e levar vida relativamente independente. Nos idosos entre 80 e 84 anos, 85 e 90 anos e acima de 90 anos, a expectativa de vida ativa é de 5, 3 e 2 anos, respectivamente.

3) Qual é a prevalência dos fatores de risco em octogenários? A correção dos fatores de risco em grandes idosos tem comprovação científica?

A discussão sobre as duas indagações será feita em conjunto e direcionada para as dislipidemias e a hipertensão arterial sistêmica.

O Estudo Multicêntrico em Idosos (EMI), publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia em novembro de 1997, mostrou dados brasileiros obtidos pela análise transversal de 2.196 idosos com doença cardiovascular estabelecida, atendidos em ambulatórios de Cardiologia e Geriatria do Brasil. Os pacientes eram provenientes de 36 centros, localizados em 13 Estados, nas cinco regiões do país. A análise do colesterol total em idosos de 65 a 74 anos, de 75 a 84 anos e com idade igual ou superior a 85 anos mostrou redução gradativa da prevalência de colesterol maior que 240 mg/dL (prevalência de 32%, 30% e 19%, respectivamente, com valor de p menor que 0,05). Tal achado pode sugerir que o colesterol perde sua importância em octogenários, uma vez que sua prevalência diminui. Entretanto, quando se analisam as frações do colesterol, verifica-se que não ocorre redução de prevalência significante entre as três faixas etárias, quer em relação ao HDL-colesterol (HDL-c) reduzido, menor que 35 mg/dl (prevalência de 15%, 15%, 19% na população analisada), quer em relação ao LDL-colesterol (LDL-c) aumentado, considerado como maior ou igual a 160 mg/dl (33%, 35%, 24%, com valor de p não significante).

Para melhor conhecer os pacientes com idade igual ou superior a 80 anos, analisou-se esta mesma população por faixa etária dividida a cada cinco anos (65 a 69 anos, 70 a 74 anos, 75 a 79 anos e maior ou igual a 80 anos). Considerou-se como colesterol elevado o valor maior que 200 mg/dl, LDL-c elevado o valor maior que 130 mg/dl e HDL-c reduzido o valor menor que 35 mg/dl. Verificou-se novamente aparente redução de prevalência de colesterol aumentado nos octogenários (66%, 71%, 61% e 54%, respectivamente, com valor de p menor que 0,05). A análise do LDL-c, entretanto, não mostrou diferença de prevalência nos octogenários comparado com as faixas mais jovens (69%, 63%, 61% e 60%, respectivamente, com valor de p não significante). Digno de nota foi o achado de que a prevalência do HDL-c reduzido é ainda maior nos octogenários (14%, 16%, 15%, 17%, respectivamente, com valor de p menor que 0,05), confirmando achados pregressos de que o HDL-c reduzido constitui importante preditor de risco no paciente com mais de 80 anos.
Em relação aos estudos sobre mortalidade, em termos de Prevenção Secundária, o estudo 4S avaliou 4.444 coronariopatas, com colesterol total de 212 a 310 mg/dl, e demonstrou redução de mortalidade total de 30%, de revascularização miocárdica de 37% e sobrevida livre de eventos de 26%, com o uso de estatina. Estes resultados também ocorreram no subgrupo de idosos, constituído por 1.021 idosos de 65 a 70 anos. No estudo CARE, com 4.159 pacientes pós-infarto e níveis pouco aumentados de colesterol total (menor que 240 mg/dl), com média de 209, e LDL colesterol de 115 a 174mg/dl (média de 139), o uso de estatina provocou redução de 24% em infarto não fatal e morte por DAC, de 27% em necessidade de revascularização miocárdica ou angioplastia, de 31% em AVC. Estes resultados também ocorreram no subgrupo dos idosos, composto por 1.283 idosos de 65 a 75 anos. O estudo LIPID incluiu 9.014 pacientes, sendo que 39% (3.514 pacientes) eram idosos: 2.168 tinham idades entre 65 e 70 anos e 1.346 idosos entre 70 e 75 anos. O tratamento com estatina provocou redução de 28% em mortes por DAC/infarto não fatal nos pacientes de 65 a 69 anos e de 15% nos pacientes de 70 a 75 anos. No estudo VA-HIT, que apresentou redução de mortes por DAC/infarto não fatal e AVC de 26% entre os indivíduos tratados com estatinas, havia 1.266 idosos com 65 a 74 anos.

Assim, vários estudos de prevenção secundária, com grande número de idosos até 75 anos, demonstram que o tratamento da dislipidemia em idosos provoca redução de eventos. E quanto aos pacientes com mais de 75 anos? Foi concluído recentemente o estudo Heart Protection Study (HPS), que recrutou 20.536 pacientes com risco aumentado de DAC por infarto ou outra DAC, doença oclusiva de artérias não coronárias, diabetes mellitus ou hipertensão arterial tratada, de 40 a 80 anos (sendo que 28% apresentavam mais de 70 anos). O estudo durou cinco anos e 33% dos pacientes apresentavam LDL colesterol menor que 116 mg/dl, 25% LDL colesterol entre 116 e 135 mg/dl e 42% LDL colesterol maior que 135 mg/dl. Na análise final, quando se observou eventos vasculares por idade e sexo, constatou-se que o grupo com idade superior a 75 anos (ou seja, de 75 a 80 anos) foi o grupo que apresentou maior redução de risco com o tratamento com sinvastatina. Estudo recente publicado por Kannel, em “The American Journal of Geriatric Cardiology” de 2002, ressalta que a probabilidade de eventos cardiovasculares pós-infarto (reinfarto e ICC) aumenta acentuadamente na faixa etária de 80 a 94 anos, quando comparado com a faixa etária de 35 a 64 anos e de 65 a 79 anos, tanto no sexo masculino quanto no feminino.

Em relação aos estudos de prevenção primária, o AFCAPS e o TEXCAPS incluíram pacientes até 73 anos e obtiveram redução de risco de 37% em infarto fatal/não fatal, morte súbita, angina instável. Já o Heart Protection Study incluiu também pacientes sem DAC prévia, portadores de doença cérebro vascular ou insuficiência vascular periférica, ou diabetes, e obteve redução de eventos também nestes pacientes. Não foi fornecida a idade destes pacientes sem DAC, porém, na análise final, verificou-se que a redução de eventos vasculares foi menor em todas as classes de pacientes com o tratamento por estatina.

Estudo recentemente concluído, o PROSPER (“Prospective Study of Pravastatin in the Elderly at Risk”), envolveu 5.804 pacientes (homens = 2.804 e mulheres = 3.000) entre 70 e 82 anos (prevenção primária e secundária), que foram submetidos a tratamento com pravastatina ou placebo durante tempo médio de três anos. Mostrou redução significativa do LDL-c (34%) acompanhada de reduções da mortalidade e morbidade por DAC. Este foi o primeiro estudo a ampliar para a população de idosos os resultados anteriormente observados de benefícios do tratamento com estatinas em populações de meia- idade.
Em relação à hipertensão arterial, a prevalência no Brasil, segundo dados do estudo EMI, é de 67% nos idosos de 75 anos e de 65% nos com idade igual ou superior a 85 anos. O tratamento da hipertensão arterial no idoso sofreu a interferência do conceito inicial que “a influência da hipertensão na DAC diminui com a idade e nos pacientes muito idosos pode ser protetora”. Isto fez com que em diversos países o tratamento da hipertensão arterial no idoso não fosse adequado. Na Inglaterra, por exemplo, em 1997, foi publicado trabalho verificando que, em octogenários, o tratamento da hipertensão sistólica (considerada como pressão arterial sistólica maior que 160 mmHg) foi instituído em apenas 4% dos idosos, e o tratamento da hipertensão arterial diastólica maior que 100 mmHg em menos de 50%. Entretanto, dados do Frammingham demonstram que hipertensão arterial sistólica é fator de risco para DAC nos idosos e muito idosos; que o risco absoluto aumenta com a idade em mulher de 65 a 94 anos e que em homens o risco aumenta, porém os níveis se estabilizam aos 75 anos. A hipertensão arterial sistólica é comum, longe de ser inofensiva, associando-se ao infarto agudo do miocárdio. A pressão arterial baixa em grandes idosos é conseqüência de doença e não causa; o excesso de mortalidade ocorre apenas nos que já apresentavam DAC. O estudo de Frammingham relembra que, após os 80, apenas 20% de DAC ocorre na ausência de fatores de risco.

Diversos estudos incluíram os grandes idosos: SHEP (4.736 idosos de 60 a 96 anos, sendo que 850 apresentavam mais de 80 anos), o SYST-EUR (4.695 com 60 a 100 anos, sendo 441 idosos com mais de 80 anos), o STOP-H (1.627 idosos de 70 a 84 anos, sendo 269 com mais de 80 anos), o EWPHE (840 idosos de 60- 97 anos, sendo 155 idosos com mais de 80 anos). Todos estes estudos demonstraram a eficácia do tratamento anti-hipertensivo nos grandes idosos. No SHEP study, por exemplo, o tratamento dos octogenários demonstrou redução de AVC em 47%, de ICC em 65%, de eventos coronários em 30%, de eventos cardiovasculares em 22% e de óbitos coronários e cardiovasculares em 20%.