Revistas Fase R003 Id Materia 4473






Revisão
Manifestações osteoarticulares de doenças não reumatológicas em idosos
Osteoarticulars disorders in nonrheumatic diseases in elderly


Silvana Angélica da Silva Coelho
Médica assistente do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Fânia Cristina dos Santos
Coordenadora dos Ambulatórios e chefe do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Polianna Mara Rodrigues de Souza, Regina Clara Gambarro, Isabel C. Lorenzet
Médicas assistentes do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Maysa Seabra Cendoroglo
Chefe da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Endereço para correspondência: Silvana Angélica da Silva Coelho – Av. Onze de Junho, 730 – apto. 71 – Vila Clementino – CEP 04041-002 – São Paulo – SP – E-mail: sil_geriatria@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 08/2009. Aceito em 10/2009.

Copyright Moreira Jr. Editora. Todos os direitos reservados.

RBM Nov 10 V 67 Suplemento

Unitermos: idosos, diagnóstico diferencial, manifestações osteoarticulares
Unterms: elderly, differential diagnosis, osteoarticular disorders

Numeração de páginas na revista impressa: 3 à 11

Resumo


O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. Com o aumento da população idosa vem crescendo a prevalência de doenças com manifestações osteoarticulares que se associam a dor, deformidades articulares e incapacidade funcional. As doenças reumatológicas são as mais comumente associadas a desordens osteoarticulares, entretanto, várias doenças não reumatológicas também as apresentam, ampliando o diagnóstico diferencial. Este artigo disserta sobre as desordens não reumatológicas com sinais e sintomas osteoarticulares e estabelece diagnóstico diferencial para manifestações reumáticas em idosos.

Introdução

O envelhecimento populacional ocorre de forma acelerada em todo o mundo. No Brasil, acredita-se que em 2050 os idosos representarão quase 20% da população. As doenças que acometem o sistema osteoarticular têm grande prevalência na população geriátrica, adquirindo relevância com a transição demográfica dos últimos anos(1,2).

Os principais transtornos que envolvem esse sistema são dores, inflamações, infecções e disfunções osteoarticulares, as quais afetam a qualidade de vida dos indivíduos por sua íntima relação com a limitação de movimentos e redução da capacidade funcional. Esses transtornos são comumente associados a doenças reumatológicas, ou seja, doenças agudas ou crônicas de origem no tecido conjuntivo, os ossos e articulações, mas também ocorrem em doenças não reumáticas com considerável frequência(1-3).

Este artigo tem como objetivo dissertar sobre as doenças não reumáticas com sinais e sintomas osteoarticulares e estabelecer diagnóstico diferencial para manifestações reumatológicas em idosos.

Material e método

Realizada pesquisa relacionada ao tema nas bases de dados PUBMED e biblioteca virtual em saúde – BIREME nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola, utilizando os descritores: diagnóstico diferencial, idosos, manifestações articulares, ósseas e osteoarticulares. Também realizada procura direta por artigos com desordens não reumáticas que, sabidamente, apresentam manifestações osteoarticulares como no caso do diabetes e doenças da tireoide. Foram selecionados 65 artigos, a maioria utilizada para a confecção deste artigo e, além disso, foi realizada pesquisa em livros-texto de reconhecida importância em Geriatria.

Revisão

Nos idosos, as apresentações atípicas de doenças quando comparada àquelas nos adultos ampliam, ainda mais, o diferencial das doenças que acometem o sistema osteoarticular. Distúrbios infecciosos, hematológicos e neoplásicos são frequentemente lembrados no diagnóstico diferencial das doenças reumáticas no entanto, outras doenças sistêmicas também podem manifestar-se nos ossos e articulações nos idosos(2,3).

Para melhor entendimento, as doenças não reumatológicas com manifestações osteoarticulares foram categorizadas em: metabólicas, infecciosas, neoplásicas/hematológicas, pneumopatias, associadas a medicamentos e miscelânea(1-3,25) (Quadro 1).



Doenças metabólicas

Diabetes mellitus

Esta afecção acomete os tecidos conectivo, muscular e ósseo gerando diversas manifestações no sistema osteoarticular. Acredita-se que o mecanismo responsável pelos distúrbios sejam a glicosilação proteica, os danos vasculares e nervosos e o acúmulo de colágeno na pele e estruturas periarticulares. As manifestações estão associadas ao tempo de duração da doença, acometendo mais frequentemente a população idosa e portadores de diabetes tipo I. Aquelas são mais frequentes em decorrência da ampla prevalência de diabetes e do aumento da expectativa de vida da população. Afeta mais comumente mãos, punhos, ombros, pés e coluna(4,5).

As mãos e punhos são acometidos pela quiroartropatia ou síndrome da mão edemaciada, tenosinovite flexora, contratura de Dupuytren e síndrome do túnel do carpo(3-5).

A quiroartropatia diabética ou síndrome da mão diabética edemaciada ou ainda a síndrome da mobilidade articular limitada acomete de 25% a 76% dos pacientes com diabetes tipo II. Sua prevalência está associada ao tempo de duração do diabetes, aumentando após dez anos de diagnóstico. É caracterizada pelo espessamento da pele e esclerose dos tendões, levando a limitação para flexão e extensão completa dos dedos que pode evoluir com permanente contratura em flexão dos dedos em estágios mais avançados (2,4,5). A inabilidade em pressionar uma palma da mão contra a outra é característica dessa síndrome e denominada “sinal do orador” (Figura 1A).

A contratura de Dupuytren resulta de afilamento, encurtamento e fibrose da fáscia palmar. Normalmente, há presença de nódulos ao longo da fáscia palma. Está presente em 16% a 42% de todos os diabéticos. Leva a contratura em flexão dos dedos, em especial do quarto dedo da mão. Ocorre também do segundo ao quinto dedo(4).

A tenosinovite flexora ou “dedo em gatilho” é frequente em diabéticos e se manifesta pelo travamento do dedo em flexão, que pode ser reproduzido pela movimentação ativa ou passiva do dedo atingido. Pode estar associado à dor e, em geral, há um nódulo palpável na articulação metacarpofalangeana e afilamento da bainha do tendão flexor afetado(4) (Figura 1B).

A síndrome do túnel do carpo é diagnosticada em até 20% dos diabéticos. Sua prevalência nessa população aumenta com os anos de doença. Essa associação ocorre em virtude das mudanças do tecido conectivo pelo diabetes, gerando o encarceramento do nervo mediano. Caracteriza-se por sensação de “queimação”, parestesias e perda de sensibilidade na região inervada pelo nervo mediano, piorando no período noturno(4,5,9).

Os ombros podem ser acometidos pela capsulite adesiva ou ombro congelado e periatrite calcificada. A capsulite adesiva incide em 7% a 32% dos diabéticos. Há edema da articulação glenoumeral causado usualmente por contração da cápsula articular, levando a dificuldade de mobilização da articulação e dor de forte intensidade. A periartrite calcificada do ombro ocorre raramente em diabéticos. Associa-se ao depósito de cálcio adjacente à articulação, especialmente nos tendões do manguito rotador. Aproximadamente dois terços dos casos são assintomáticos, sendo achado de exame de imagem(4,5,9).

A artropatia de Charcot é um fenômeno raro, ocorrendo em 0,1% a 0,4% dos diabéticos. É uma severa artrite degenerativa resultante de quadro neuropático que afeta os pés. A perda de sensibilidade leva a repetidos traumas nas articulações, ocasionando deformidades e até instabilidade da articulação envolvida, o que pode até gerar necessidade de amputação da região(4,5).

A hiperostose esquelética idiopática difusa é mais comum em pacientes diabéticos que em não diabéticos. Caracteriza-se por calcificação dos ligamentos espinhais com a formação de osteófitos sem, no entanto, afetar espaços intervertebrais. A coluna torácica é mais comumente afetada. A dor não costuma ser de severa intensidade(4,5,9).


Figura 1 – 1A) sinal do orador
1B) dedo em gatilho.


Figura 2 – Acropaquia tireoidiana.

Doenças tireoidianas
As desordens tireoidianas têm prevalência significante em idosos. A prevalência de hipotireoidismo nessa população é estimada em 0,5% a 5% nos casos sintomáticos e 15% a 20% nas apresentações subclínicas. O hipertireoidismo tem prevalência entre 0,5% e 3% da população geriátrica. Ambas podem acometer o sistema osteoarticular(2,3).

No hipotireoidismo ocorre o depósito de ácido hialurônico e mucoproteinas nas articulações. Poliartralgias e poliartrites simétricas nos joelhos, tornozelos, punhos, metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais são manifestações possíveis. Artrite, dor nos tendões flexores da mão e síndrome do túnel do carpo também podem ocorrer(2,3,6,9).

O hipertireoidismo pode acarretar no sistema osteoarticular, osteoporose e a acropaquia tireoidiana (Figura 2), esta última a mais rara manifestação dessa desordem. A acropaquia ocorre de modo concomitante com oftalmopatia e dermopatia tireoidianas. Associa-se às formas mais graves de dermopatia. O hipocratismo e edema dos dedos das mãos e pés, com ou sem reação periostal, são característicos, podendo desencadear dor nas articulações distais dos membros(3,7-9).

Insuficiência renal crônica
A insuficiência renal crônica (IRC) é muito frequente na população idosa. Os sinais e sintomas osteoarticulares presentes na IRC ocorrem em virtude do tratamento dialítico ou por alterações secundárias como o hiperparatireoidismo secundário. As alterações mais comuns são: amiloidose relacionada à diálise ou beta-2-microglobulina, osteodistrofia renal, artropatia cristalina, bursite do olecrano, osteomielite, discites, síndrome do túnel do carpo e artrites sépticas. A amiloidose relacionada à diálise frequentemente afeta ossos e articulações, além dos músculos e tendões. A incidência de suas manifestações nosistema osteoarticular aumenta com o tempo de diálise. Afeta as articulações de modo bilateral e simétrico, causando edema mais pronunciado no período matutino e, por vezes, derrame articular. Comumente, há depósito amiloide adjacente às articulações, em especial ombros, punhos e mãos. Nos ombros, esse depósito pode levar a periartrite escápulo-umeral, podendo progredir para quadro hemorrágico intra-articular. Esses achados levam a dor e dificuldade de mobilização. O depósito amiloide também se apresenta em articulações distais como joelho e quadril nesses casos, o depósito intersticial infiltra a cartilagem e o osso subcondral, levando a erosões ósseas e diminuição dos espaços interarticulares. Amiloidomas subcutâneos na fossa poplítea e região glútea podem levar a dificuldade de deambulação, dor e até queda do estado funcional(11,12).

O esqueleto axial pode ser acometido pela espondiloartropatia destrutiva, caracterizada por estreitamento dos espaços intervertebrais e erosões na porção anterior dos corpos vertebrais. Afeta principalmente a coluna cervical, seguida pela coluna torácica e lombar. Seu sintoma mais importante é a dor, mas há o risco de compressão de estruturas nervosas e evolução para quadros paréticos(11,12).

A osteodistrofia renal é marcada por uma série de alterações ósseas que cursam com dor, perda funcional e/ou fraturas patológicas. Pode ser classificada como de alta, baixa remodelação ou mista. A doença de alta remodelação chamada osteíte fibrosa é consequência do hiperparatireoidismo secundário. Caracteriza-se por um aumento na formação de osteoide e osso não lamelar, aumento no número e na atividade dos osteoclastos, promovendo maior porosidade no osso e substituição de medula óssea por tecido fibroso. Ocorrem os cistos ósseos e reabsorção óssea subperiostal(11,12).

A doença de baixa remodelação inclui osteomalácia e doença adinâmica. Na primeira, há um defeito na mineralização óssea com acúmulo de osteoide não mineralizado. Em virtude da quase total substituição do alumínio nos banhos dialíticos, a osteomalácia, bastante associada ao uso de alumínio nos dialisados, tem sido cada vez mais incomum. A doença adinâmica se caracteriza por baixa taxa de remodelação óssea, com osteoide normal ou reduzido e diminuição na quantidade de osteoclastos e osteoblastos. Já a doença mista apresenta características das de alta e baixa remodelação(11-13).

As artropatias microcristalinas são comuns e ligadas à deposição de fosfato de cálcio, pirofosfato de cálcio di-idratado, oxalato de cálcio ou urato monossódico. Tem apresentações semelhantes às que acometem indivíduos não urêmicos, ocorrendo devido à dificuldade de excreção e o acúmulo dessas substâncias com formação e depósito dos cristais nas articulações e até em estruturas adjacentes(11,12).

A bursite de olecrano é mais vinculada a microtraumas recorrentes pelo posicionamento do cotovelo sobre uma superfície firme durante as sessões de diálise(11).

Osteomielite, discite e artrites sépticas se desenvolvem com certa facilidade em virtude da deficiência do sistema imunológico em portadores de IRC especialmente os idosos que apresentam o fenômeno da imunossenescência, e associadas à presença da fistula arteriovenosa em submetidos à hemodiálise porta de entrada e meio de difusão hematogênica rápida para micro-organismos(11,12).

Hiperparatireoidismo primário
Os níveis aumentados de PTH, paratormônio, levam a diversos sinais e sintomas osteoarticulares. Acomete com certa frequência a população idosa. As manifestações mais associadas são: osteíte fibrosa cística, osteoatrite, artropatia de Charcot, condrocalcinose e calcificações ectópicas, além de dores ósseas importantes e deformidades(3,9,14).

Acromegalia
O excesso de hormônio de crescimento leva a várias alterações no osso, articulações e tecido conjuntivo. Em decorrência da hipertrofia tecidual pode ocorrer espessamento capsular, edema e proliferação sinovial, proliferações ósseas, osteofitose, condrocalcinose e reações periostais. Essas reações podem levar a síndrome do túnel do carpo, por compressão, à dor e deformidades(3,9).

Neoplasias

Síndromes paraneoplásicas

A associação entre neoplasias e manifestações reumáticas foi avaliada inicialmente por Solans-Laqué et al. Derivam de mediadores biológicos, “hormônios like” derivados de tumor, peptídeos ativos, autoanticorpos e mediadores autócrinos e parácrinos. Podem ser concomitantes, preceder ou seguir o diagnóstico do processo tumoral(16).

A osteoartropatia hipertrófica, poliartrite (“artrite reumatoide like”), fasciíte palmar e RS3PE (Remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema) são as manifestações mais comuns. A osteoartropatia hipertrófica ou síndrome de Pierre-Marie-Bamberger se caracteriza pelo desenvolvimento de baqueteamento digital em mãos e pés, periostite em ossos longos e artrite simétrica e progressiva em joelhos, tornozelos, cotovelos, punhos e metacarpofalangeanas. Não é uma síndrome exclusivamente paraneoplásica, podendo ocorrer em pneumopatias. Acompanham 5% a 10% dos tumores intratorácicos, em especial o carcinoma broncogênico e tumores pleurais(3,16,17).

A poliartrite se manifesta de modo semelhante à artrite reumatoide tendo comprometimento articular súbito, assimétrico e predominando nos membros inferiores e com ausência de nódulos reumatoides. É soronegativa, mais prevalente no sexo masculino, desenvolvimento a partir da sexta década, associada a tumores sólidos e, quando em mulheres, associada a tumores de mama(16,17).

A fasciíte palmar se manifesta pela rápida contratura das mãos em flexão com nódulos palmares, como já comentado acima, podendo associar-se a comprometimento inflamatório poliarticular, envolvendo especialmente punhos, joelhos, tornozelos, metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais. Predomina no sexo feminino e ocorre no carcinoma de ovário, neoplasia de pulmão, pâncreas, colón e em tumores com sítio primário desconhecido(16).

A síndrome RS3PE é caracterizada pela presença de sinovite simétrica, sendo soronegativa e com edema em cacifo. Associa-se a adenocarcinomas de próstata, estômago e cólon. Desaparece após a exérese do tumor(16,17).

Mieloma múltiplo
O mieloma múltiplo é uma neoplasia de células plasmocitárias, destacando-se pelo comprometimento ósseo em sua evolução. Incide comumente a partir da quinta década com maior incidência entre os 60 e 65 anos. Caracteriza-se pelo desequilíbrio entre o processo de formação e reabsorção óssea, com predominância da reabsorção óssea em virtude da ativação osteoclástica. Ocorrem lise óssea, osteopenia, fraturas e, as responsáveis pela principal característica da doença, as dores óssea. Cerca de 80% dos indivíduos afetados apresentam lesões líticas em exame de imagem e 5% têm osteopenia detectada pela densitometria óssea. A dor se localiza principalmente em coluna lombar e costelas. As vértebras são as mais frequentemente afetadas, podendo, as fraturas, ocasionar instabilidade do esqueleto axial ou compressão de medula espinhal(18-20).

Linfomas
Os sintomas osteoarticulares associados a linfomas são variados. Podem ser secundários a hiperuricemia (gota), reação dos tecidos adjacentes ao linfoma, infiltração sinovial pelo linfoma, síndrome RS3PE ou fratura. Essas manifestações podem ocorrer em linfomas grandes células B, linfomas T Hodgkin e não Hodgkin. Os linfomas T angioimunoblásticos podem apresentar quadro de artrite associado à anemia hemolítica, rash cutâneo e sintomas constitucionais. O linfoma Hodgkin pode ter envolvimento ósseo em até 15% dos acometidos, apresentando fraturas ósseas e dores ósseas, mais comumente à noite. A síndrome RS3PE está associada a linfoma não Hodgkin, podendo vir antes, em conjunto, ou após o diagnóstico do linfoma(16,20).

Leucemias
Os sintomas e sinais osteoarticulares mais associados aos quadros leucêmicos são: artralgia, poliartrite assimétrica ou migratória e dores ósseas. Também podem estar associados à osteopenia e lesões osteolíticas. Na infiltração leucêmica da sinóvia que ocorre na artrite pode haver hemorragia, lesões periostais e capsulares, levando a dor de grande intensidade. Ocorrem tanto nas leucemias linfoides quanto nas mieloides, agudas ou crônicas(16,20).

Mielodisplasias
As mielodisplasias são um grupo heterogêneo e adquirido de desordens hematológicas caracterizadas por uma hematopoiese ineficiente e citopenias. Comumente se desenvolve em idosos, sendo uma das doenças hematológicas com maior prevalência entre essa população. A artrite monoarticular e as policondrites são as manifestações reumáticas mais associadas(20-22).

Metástases ósseas
As lesões ósseas metastáticas podem estar associadas a qualquer neoplasia. São geralmente relacionadas a um maior tempo de evolução dos tumores primários, tendo incidência relevante na população geriátrica. Resultam tanto da disseminação de células neoplásicas na corrente sanguínea quanto da extensão contígua do tumor(23).

Os tumores primários que mais apresentam metástases ósseas são: próstata, mama, pulmão, rim, tireoide e cólon. Os ossos são o terceiro sítio mais atingido por metástases. O esqueleto axial é o mais afetado, seguido da bacia, porção proximal dos ossos longos e crânio. As colunas torácica e a lombar são atingidas em 49% e 46% dos casos, respectivamente, enquanto a coluna cervical em 6%. As células neoplásicas podem causar destruição óssea quando ativam osteoclastos (lesões osteolíticas) ou formação óssea, quando os osteoblastos estão implicados (lesões osteoblásticas). A maioria das lesões metastáticas são osteolíticas ou mistas. As osteoblásticas se associam mais comumente a tumores de mama e próstata, enquanto os demais tipos de tumores sólidos se associam a lesões osteolíticas. A principal manifestação clínica é a dor, mas também se associa a fraturas, instabilidade, tumefações locais e compressões radiculares. O diagnóstico é estabelecido por exames radiológicos e/ou de medicina nuclear(23,24).

Associadas a medicamentos

Reumatismo pós-quimioterapia

Caracterizada por poliartralgias simétricas em mãos, cotovelos, joelhos e tornozelos com início de um a quatro meses após uso de quimioterápicos, independente do tipo desses ou do câncer relacionado. Associa-se mais ao gênero feminino, carcinoma mamário e uso de ciclofosfamida(2,25).

Síndrome lúpus-like
O lúpus induzido por drogas é classicamente associado ao uso dos fármacos procainamida e hidralazina. Tem maior incidência a partir da quinta década e equivalência entre os gêneros. A polifarmácia, que é muito comum entre os idosos, justifica a incidência maior na população geriátrica(25).

O acometimento articular está presente em aproximadamente 80% daqueles pacientes, sendo a artralgia mais comum que a artrite e, em geral, associada a sintomas constitucionais, como mal-estar, febre e perda ponderal(2). É considerado mais leve que o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e sua resolução está associada à suspensão da droga envolvida. Outros fármacos também são associados às manifestações reumatológicas: metildopa, quinidina, clorpromazina, antitireoidianos, lítio, sulfassalazina, beta-bloqueadores, carbamazepina, penicilina, estrógenos, tetraciclina, atorvastatina, sinvastatina, amiodarona, ticlopidina e terbinafina(25).

Infecciosas

Artrite séptica

A artrite séptica é um processo infeccioso caracterizado pela rápida lise da cartilagem articular, necessitando de tratamento imediato para se evitar consequências severas. Apresenta incidência crescente na população geriátrica. Atualmente, quase 50% dos casos ocorrem em indivíduos acima de 60 anos. Associa-se as alterações do sistema imune, semelhantes as presentes em doenças como artrite reumatoide, insuficiência renal crônica, tumores e infecção pelo HIV. A população idosa apresenta muito frequentemente cronicidades envolvidas com deficiência do sistema imunológico. Em geral, associada a bactérias, também pode ser causada por agentes virais e fúngicos. Pode ter caráter agudo, subagudo ou crônico e acometer uma ou mais articulações. Mais de 80% são monoarticulares com predileção por grandes articulações, em especial o joelho. Diferente dos adultos, nos idosos os micro-organismos mais frequentemente implicados são os gram-negativos. Estão associadas à dor intensa e deformidades. O diagnóstico é estabelecido pela análise do líquido sinovial com aumento de polimorfonucleares, bacterioscopia e isolamento do agente causador(2,3,26).

Tuberculose
A tuberculose músculo-esquelética corresponde a 3% dos casos com predominância dos que apresentam comprometimento ósseo. Artrite, osteomielite ou quadro degenerativo ósseo são as manifestações mais prevalentes. Na população idosa tem sido cada vez mais descrita, em virtude da imunossenescência e da incidência cada vez maior de doenças que levam a imunodeficiência, como a infecção por HIV. A tuberculose vertebral conhecida como “mal de Pott” atinge mais comumente a coluna torácica, 50% dos casos, seguida pela lombossacra e cervical. Há três tipos de envolvimento vertebral: paradiscal, anterior ou central. O paradiscal é responsável por mais da metade dos casos o micro-organismo se implanta na metáfise vertebral, erodindo a lâmina terminal e ocasionando estreitamento do espaço discal. No acometimento anterior, a lesão ocorre abaixo do ligamento longitudinal anterior, elevando o periósteo e causando desvascularização. A lesão central é a pior já que acomete toda a vértebra, levando mais frequentemente à instabilidade. A deformidade cifótica característica ocorre devido ao colapso das estruturas vertebrais anteriores. A perda de um corpo vertebral pode causar desvio na coluna de 30º a 35º. Curvaturas maiores que essas evoluem com “colapso” da coluna, em cerca de 90% dos casos, num período de até 18 meses. A dor vertebral é de início insidioso. Os exames radiológicos podem mostrar níveis variados de deformidade óssea, diminuição do espaço intervertebral e deformidade cifótica(27-29,31).

A artrite por tuberculose tem caráter insidioso e acometimento monoarticular, geralmente. Acomete grandes articulações, principalmente os joelhos. Tem predileção por articulações afetadas previamente por degenerações como as que ocorrem na osteoartrose. As apresentações poli e oligoarticular não são usuais. O diagnóstico é estabelecido pela análise do líquido sinovial(27,29).

Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Cada vez mais aumenta a prevalência da retrovirose pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em idosos. Manifestações osteoarticulares ocorrem com frequência, mas sua prevalência tem diminuído a partir da introdução das terapias antirretrovirais. As manifestações osteoarticulares mais comum são artrite, artralgia e dor óssea. A artrite associada ao próprio vírus, a artrite psoriática e as artrites ligadas às infecções oportunistas, como fungos ou micobactérias, em especial as atípicas, estão associadas ao déficit funcional dos linfócitos T CD4. A artrite associada ao próprio HIV se caracteriza por ter curso subagudo, por dor intensa, grande impotência funcional, ser, em geral, oligoarticular, afetar principalmente as grandes articulações dos membros inferiores e durar de uma a seis semanas. O líquido articular tem característica não inflamatória e a biópsia sinovial mostra sinovite crônica com infiltrado mononuclear. O fator antinuclear (FAN), o fator reumatoide e o HLA-B27 são negativos. Na cavidade articular se tem encontrado partículas virais, antígenos p24 e, inclusive, o próprio vírus mediante técnicas de cultivo especiais(32,33).

A prevalência da psoríase e da artrite psoriática parece estar aumentada em indivíduos infectados pelo HIV. Considera-se que 5% a 7% dos pacientes com psoríase desenvolvem artrite em algum momento da enfermidade, entretanto, naqueles com HIV essa incidência pode chegar a 30%. A artrite costuma ser assimétrica, poliarticular e erosiva, preferencialmente, em membros inferiores e, raramente, afetando o esqueleto axial. Dactilite e entesopatia são frequentes. Nas artrites sépticas, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae são os mais comumente encontrados naqueles indivíduos. Outros germes também envolvidos são: Candida albicans, Nocardia asteroides, Histoplasma capsulatum, Cryptococcus neoformans, Sporothrix schenkii e Mycobacterium kansasii(32-34).

Pneumopatias

Sarcoidose

A sarcoidose é uma doença caracterizada pela formação de granulomas não caseosos nos órgãos, principalmente pulmões, pele, olhos e linfonodos. Apresenta baixa prevalência na população geriátrica. Manifestações esqueléticas ocorrem em 4% a 38% dos pacientes com sarcoidose e incluem artropatia e lesões ósseas. A artropatia pode ser aguda ou crônica. A aguda pode ocorrer isoladamente ou como parte da síndrome de Loefgren, formada por adenopatia hilar, poliartrite aguda e eritema nodoso. O modo isolado acomete grandes articulações, especialmente joelhos e tornozelos, não sendo autolimitado. Na síndrome de Loefgren o acometimento é autolimitado e dura no máximo dois anos. Também acomete grandes articulações, especialmente joelhos e tornozelos. A artropatia crônica pode vir nas formas de artrite não deformante com sinovite granulomatosa, deformidades articulares não erosivas (deformidade de Jaccoud), dactilise e edema articular adjacente a lesão sarcoide do osso. As mãos, tornozelos e joelhos são as articulações mais acometidas. Frequentemente estão relacionadas a acometimento pulmonar e valores elevados de enzima conversora de angiotensina(35,36).

Osteoartropatia hipertrófica
Como já descrita acima, pode estar presente na doença pulmonar obstrutiva crônica e também ser uma manifestação paraneoplásica. Acomete principalmente joelhos, tornozelos, cotovelos, punhos e metacarpofalangeanas(2,25).


Figura 3 – Artrite amiloide e presença de nódulos subcutâneos (seta).

Miscelânea

Amiloidose

A amiloidose é caracterizada pelo depósito extracelular de material amiloide nos tecidos. Pode ser primária ou secundária a outras desordens patológicas, como o mieloma múltiplo. Esse depósito ocorre nas estruturas periarticulares e tecidos sinoviais, levando a artropatias, artrite erosiva semelhante à artrite reumatoide, incluindo a presença de nódulos subcutâneos similares aos nódulos reumatoides e a presença de edema simétrico da articulação glenoumeral, um dos sinais mais marcantes do acometimento articular na amiloidose(37-39) (Figura 3).

Doença de Parkinson
A doença de Parkinson é um distúrbio neurológico caracterizado por bradicinesia, rigidez e tremor de repouso. Ocorre em virtude da degeneração das células da camada ventral da parte compacta da substância negra e do lócus ceruleus. Acomete indivíduos a partir dos 50 anos. Sua incidência e prevalência aumentam com a idade. A rigidez muscular característica leva a dor e deformidade articular que progridem com o avançar da doença(40).
Síndrome do imobilismo
A síndrome do imobilismo se caracteriza pelo confinamento ao leito, podendo decorrer de múltiplas contraturas musculares e déficits cognitivos (moderados a severos) critérios esses ditos maiores para o diagnóstico dessa síndrome. Está quase restrita a população geriátrica e tem causas diversas. As múltiplas contraturas levam a graus variados de deformidade articular, em geral com ângulos agudos predispondo a dor(41).

Considerações finais

Várias doenças não reumáticas apresentam manifestações osteoarticulares na população geriátrica, estabelecendo amplo diagnóstico diferencial dessas manifestações. Com a transição demográfica e o aumento da população idosa em todo o mundo, é cada vez mais importante a diferenciação dos quadros reumatológicos a fim de se evitar suas consequências no status funcional e na qualidade de vida dos idosos.




Bibliografia
1. Nasri F. O envelhecimento populacional no Brasil. Einstein 2008 6(1): S4-S6.
2. Paula AP, Lima RAC, Mota LMH. Sinais e sintomas musculoesqueléticos. In: Guimarães RM, Cunha UGV. Sinais e sintomas em geriatria. 2ªed. São Paulo: Ed. Atheneu, 2004 237-247.
3. Rossi E. Artropatias próprias da velhice e outras. In: Freitas EV, Gorzoni ML et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed. Rio de janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2006 837-844.
4. Arkkila PT, Gautier J F. Musculoskeletal disorders in diabetes mellitus: an . Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2003 17(6):945-970. Disponível online: doi:10.1016/S1521-6942(03)00124-4.
5. Kim RP et al. Musculoskeletal complications of diabetes mellitus. Clinical diabetes. 2001 19(3):132-134
6. Cakir M, Samanci N, Balci N, Balci MK. Musculoskeletal manifestations in patients with thyroid disease. Clinical Endocrinology 2003 59:162-167.
7. Fatourechi V, Ahmed DDF, Schwartz KM. Thyroid acropachy: Report of 40 Patients treated at a single institution in a 26-year period. J Clin Endocrinol Metab 2002 87(12):5435–5441.
8. Goette KD. Thyroid Acropachy. Arch Dermatol 1980 116:205-206.
9. Liote F, Orcel P. Osteoarticular disorders of endocrine origin. Baillière’s Clinical Rheumatology 2000 14(2): 251-276. Disponível online: doi:10.1053/berh.2000.0064.
10. Waltuck J. Musculoskeletal manifestations of thyroid disease. Bulletin on the Rheumatic Diseases 2001 49:1-4.
11. Kay J, Bardin T. Osteoarticular disorders of renal origin: disease-related and iatrogenic. Baillière’s Clinical Rheumatology 2000 14:285-305.
12. Vieira WP, Gomes KWP et al. Manifestações musculoesqueléticas em pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Reumatol 2005 45:357-364.
13. Farias MLF. A hipercalcemia nas malignidades: Aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. Arq Bras Endocrinol Metab 2005 49:816-824.
14. Mosekilde L. Primary hyperparathyroidism and the skeleton. Clinical Endocrinology 2008 69: 1-19.
15. Andras C, Csiki Z, Ponyi A, Illes A, Danko K. Paraneoplastic rheumatic syndromes. Rheumatol Int 2006 26: 376–382.
16. Fam AG. Paraneoplastic rheumatic syndromes. Baillière’s Clinical Rheumatology 2000 14(3): 515-533 Disponível online: doi:10.1053/berh.2000.0091.
17. Goulart LSSA, Smaletz O. Síndromes reumáticas paraneoplásicas. Einstein 2008 6(1): S98-101.
18. Hungria VTM. Doença ossea em mieloma multiplo. Rev bras hematol hemoter. 2007 29 (1): 60-66.
19. Sezer O. Myeloma Bone Disease: Recent Advances in Biology, Diagnosis and Treatment. The Oncologist 200914: 276-283.
20. Hamerschlak N. Manifestações reumáticas associadas a doenças oncohematológicas. Einstein 2008 6(1):S89-97.
21. San Miguel JF et al. Myelodysplastic syndromes. Critical Reviews in Oncology/Hematology 1996 23: 57-93.
22. Sloand EM. Hypocellular myelodysplasia. Hematol Oncol Clin N Am 2009 23: 347-360.
23. Garcia Filho RJ. Tumores ósseos e sarcomas dos tecidos moles. Einstein 2008 6(1): S102-119.
24. Viña J C. Metastasic bone pain management with radioactive Isotopes. Brazilian Archives of Biology and Technology 2005 48: 127-135.
25. Bruns A, Goldenberg J. Artropatias iatrogênicas droga-induzidas. Einstein 2008 6 (1): S128-132.
26. Tarkowski A. Infectious arthritis. Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2006 20: 1029-1044.
27. Gardam M, Lim S. Mycobacterial Osteomyelitis and Arthritis. Infect Dis Clin N Am 2005 19: 819-830.
28. Maeda Y, Izawa K, Nabeshima T, Yonenobu K. Tuberculous spondylitis in elderly Japanese patients. J Orthop Sci 2008 13:16-20.
29. Malaviya AN, Kotwal PP. Arthritis associated with tuberculosis. Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2003 17: 319-343.
30. Sia IG, Berbari EF. Osteomyelitis. Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2006 20: 1065-1081.
31. Vilar FC et al. Tuberculose vertebral (doença de Pott) associada a abscesso de psoas: relato de dois casos e revisão da literatura. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2006 39(3): 278-282.
32. Duarte ALBP, Menezes MFC, Asano NMJ, Chaves LF, Teixeira Junior GJA. Manifestações reumatológicas da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Temas de Reumatologia Clinica 2003 4: 98-102.
33. Nguyen BY, Reveille JD. Rheumatic manifestations associated with HIV in the highly active antiretroviral therapy era. Current Opinion in Rheumatology 2009 21: 404-410.
34. Soares AM, Matioli MNPS, Veiga APR. Aids no idoso. In: Freitas EV, Gorzoni ML et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed. Rio de janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2006, 870-881.
35. Abril A, Cohen MD. Rheumatological manifestations of sarcoidosis. Bulletin on the Rheumatic Diseases 2000 49: 1-4.
36. Awada H, Abi-Karam G, Fayad F. Musculoskeletal and other extrapulmonary disorders in sarcoidosis. Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2003 17: 971-987.
37. Grateau G. Musculoskeletal disorders in secondary amyloidosis and hereditary fevers. Best Practice & Research Clinical Rheumatology 2003 17: 929-944.
38. Molina JF, Espinoza LR. Relapsyng polychondritis. Bailliére’s Clinical Rheumatology 2000 14(1): 97-109. Disponível online: doi:10.1053/berh.1999.0079.
39. Pascale E. Diagnosis and treatment of primary amyloidosis. Critical Reviews in Oncology/Hematology 1995 19: 149-181.
40. Pinheiro JES. Distúrbios do movimento: Doença de Parkinson e não parkinson. In: Freitas EV, Gorzoni ML et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed. Rio de janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2006, 355-360.
41. Leduc MMS. Imobilidade e síndrome da imobilização. In: Freitas EV, Gorzoni ML et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed. Rio de janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2006, 972-980.