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Introdução
Esta condição foi descrita primeiramente por Judd, em 1921, e uma revisão de 200 casos foi publicada em 1980(1). A literatura relata a existência de duas formas diferentes: o achado em mulheres sem história médica de cirurgia uterina (endometriose primária) e a outra é o desenvolvimento após cirurgia cesareana (iatrogênica ou secundária). Rokitansky (1869) observou pela primeira vez em material de necrópsia tecido com aspectos histológicos e funcionais semelhantes ao endométrio tópico em outros locais, tal achado levou o nome de endometriose, ou seja, presença de tecido endometrial ectópico e/ou estroma fora da cavidade uterina(2). A endometriose é frequentemente encontrada em mulheres de idade reprodutiva, incide em 10% das mulheres entre 25 e 40 anos de idade. Acomete em até 50% mulheres inférteis e possui sua maior frequência em nulíparas. Em assintomáticas pode incidir de 6% a 43%(3).
Os sítios mais comuns de implantação endometrial são os ovários, o fundo-de-saco de Douglas, ligamento redondo, tubas uterinas, cérvix e vagina. A endometriose que acomete o trato urinário representa 1% a 2% de todos os casos de endometriose, sendo que a bexiga é acometida em 84% dos casos(3), seguida pelo ureter. Na bexiga as regiões mais frequentemente acometidas são o trígono e o colo vesical(3,4).
A etiopatogenia da endometriose vesical é variada, a teoria do implante endometrial explica o aparecimento da endometriose em cicatriz de cesáreas ou após histerectomias a disseminacão por via hematogênica justifica as formas extraperitoneais a teoria do refluxo tubário do fluido menstrual ocorre com maior frequência nos locais em que o fluido menstrual se deposita, as células endometriais se implantam no peritônio cobrindo a cúpula da bexiga(2,5,6), extensão da adenomiose da parede uterina anterior para a bexiga e metaplasia de remanescentes mullerianos subperitoneais que estão localizados no septo vesicovaginal(7).
A natureza e a severidade dos sintomas vesicais variam conforme a localização, tamanho e duração do tumor, o mais comum a ser encontrado é algia e desconforto suprapúbico ou na região vesicovaginal (78%), além de disúria, polaciúria, urgência miccional. A hematúria cíclica é encontrada em 25% dos casos, enquanto que distúrbios menstruais (dismenorreia, menorragia, metrorragia) foram encontrados em 50% dos casos. Em 40% das pacientes encontrou-se uma massa palpável ao toque vaginal(5). Em trabalho realizado por Donnez (2000), 76% relatou disúria e polaciúria, exclusivamente limitado ao período menstrual, 88% experienciou dismenorreia e dispareunia(7).
Relato do caso
Paciente E.C.S., sexo feminino, 31 anos, nulípara, apresentando há dois anos disúria, hematúria cíclica e dor em hipogástrio no período pré-menstrual. Com ultrassonografia (USG) abdominal e transvaginal revelando nódulo sólido intravesical (Figuras 1 e 2, respectivamente). Nesse mesmo mês foi submetida à cistoscopia e ressecção de lesão vesical. O resultado histopatológico demonstrou endometriose de parede vesical. Iniciado tratamento com desogestrel 75mcg (Microdiol®) sem interrupção e cistoscopia de controle em três meses sem lesão vesical.
Figura 1 – USG abdominal evidenciando nódulo intravesical.
Figura 2 – USG abdominal e transvaginal evidenciando nódulo intravesical.
Discussão
A endometriose do trato urinário é rara e o retardo no diagnóstico pode levar a um aumento significativo da morbidade. Até mesmo diante de uma apresentação clássica o diagnóstico é muitas vezes difícil, tendo sido relatado uma média de 4,5 anos de atraso no diagnóstico(5).
Diversas investigações têm recentemente descrito dois tipos de endometriose vesical: a primeira ocorre em mulheres que não foram submetidas a nenhuma cirurgia uterina (primária) e a segunda ocorre após cirurgia cesárea (iatrogênica ou secundária)(6). Koninckx & Martin(8) sugerem que a endometriose extraperitoneal derive de uma doença endoperitoneal, já Vercellini(6) propõe uma teoria para explicar a endometriose vesical, para ele as lesões peritoneais são capazes de penetrar abaixo do peritônio e desenvolver em uma endometriose profunda e infiltrante, porém conforme estudos de Donnez (2000), não são em todos os casos que se é encontrada a endometriose peritoneal, em alguns casos foram encontrados nódulos adenomióticos no septo retovaginal(7).
A cistoscopia é o exame padrão para o diagnóstico da endometriose, como seus achados variam conforme a evolução do ciclo menstrual sua realização é necessária em diferentes fases do ciclo. Suas desvantagens incluem a dificuldade em explorar a parede vesical anterior e os divertículos, já suas contraindicações incluem bacteriúria, cistite aguda e uretrite. Recentemente, a cistoscopia virtual foi desenvolvida como método não invasivo para detectar tumores salientes de órgãos ocos e tem se mostrado superior à tomografia computadorizada (TC) e à cistoscopia(9).
O diagnóstico definitivo por meio da análise histológica de fragmento de parede vesical, obtido através de biópsia profunda, evidencia glândulas endometriais e estroma na parede vesical(4,5). O diagnóstico diferencial deve ser realizado com tumores vesicais, papilomas, leiomiomas e varizes com o auxílio da USG pélvica, urograma, TC ou RM(4) (Figura 3).
A escolha da terapêutica para endometriose vesical é da responsabilidade tanto do urologista quanto do ginecologista e deve ser baseada em algumas condições, como idade da paciente, desejo de gestações, extensão da lesão vesical, importância dos sintomas vesicais, presença de patologia pélvica e gravidade das alterações menstruais. O tratamento da endometriose urinária deve ser individualizado. O acometimento da bexiga por adenomiose é frequente e nessa situação, a exérese total do nódulo endometriótico, seguida de laparoscopia, pode dispensar terapêutica hormonal complementar. A terapêutica medicamentosa deve ser aplicada nos casos em que não houve extirpação total da doença. O tratamento clínico pretende criar um meio hormonal pouco favorável para a evolução dos implantes endometrióticos(10).
A endometriose é afecção estrógeno-dependente e, portanto, pode ser utilizado qualquer esquema terapêutico que diminua a ação deste hormônio. O uso do acetato de medroxiprogesterona (Farlutal®), na dose de 50 a 100 mg intramuscular mensal, é suficiente para a remissão total da dor. Suas vantagens incluem seu baixo custo e ausência de efeitos estrogênicos secundários(10).
Figura 3 – Sequência sugerida para a realização de exames complementares.
Em geral, uma terapia de três meses, preferivelmente com análogos de GnRH, como Gozerelina (Zoladex®) e Leprolida (Lupron®), seguida de cistoscopias de controle para avaliar a resposta à terapia é a melhor opção para a mulher em pré-menopausa. A mulher em pós-menopausa geralmente responde a cessação de estrógeno exógeno, se os sintomas ainda persistirem ou recorrerem, então, ressecção parcial da bexiga será recomendada(10).
Foster et al.(10) acreditam que a melhor forma de abordar esta doença é através da cistectomia parcial, seguido de hormonioterapia adjuvante, em caso de implantes endometriais remanescentes. Granese (2008) considera o tratamento cirúrgico para endometriose bem-sucedido e, principalmente, a abordagem laparoscópica, que evita a morbidade de uma laparotomia e melhora a visualização, permitindo a excisão completa da lesão(11).
Transformação maligna da endometriose vesical é extremamente rara, com apenas seis casos relatados. Todavia, a possibilidade existe, independente do tipo de tratamento, portanto, todas pacientes devem ser acompanhadas de forma apropriada(4).
O tratamento de pacientes com endometriose é ainda motivo de discussão. Bons resultados foram obtidos com as várias formas terapêuticas e são defendidos por seus autores(5).
Apesar da endometriose do trato urinário ser rara, é importante que o urologista reconheça os sinais e sintomas dessa condição, prevenindo deste modo o atraso desnecessário no diagnóstico e manejo da paciente.
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1. Judd ES: Adenomyomata presenting as a tumor of the bladder. Surg Clin North Am H 1271-1278, 1921. 2. Sampson JA. Peritoneal endometriosis due to the menstrual dissemination of endometrial tissue into the peritonial cavity. Am J Obstet Gynecol 1927 14:422-69. 3. Speroff L, Glass RH, and Kase NG (Eds). Clinical Gynecologic Endocrinology and Infertility, 5th ed. Philadelphia, Williams & Wilkins, pp 547-559, 1994. 4. Price DT, Maloney KE, Ibrahim GK, Cundiff GW, Leder RA, Anderson EE. Vesical endometriosis: Repost of two cases and review of the literature. Urology 1996 48 (4): 639-643. 5. Tobias-Machado M, Di Giuseppe R, Barbosa CP, Borrelli M, Wroclawski ER. Endometriose Vesical: Aspectos Diagnósticos e Terapêuticos. Rev Ass Med Brasil 2001 47(1):37-40. 6. Vercellini P, Meschia M, De Giorgi O, Cortesi I, Panazza S, Crosignani PG. Bladder detrusor endometriosis: clinical and pathogenetic implications. J Urol 1996 155:84-6. 7. Donnez J. Spada F., Squifflet J., Nisole, M. Bladder endometriosis must be considered as bladder adenomyosis. Fertility and Sterelity 2000 74(6):1175-1181. 8. Koninckx PR, Martin D. Deep endometriosis: a consequence of infiltration or retraction or possible adenomyosis externa. Fertil Steril 1992 85:924-8. 9. Arslan H, Ceylan K, Harman M, Yilmaz Y, Temizoz O, Can S. Virtual Computed Tomography Cystoscopy in Bladder Pathologies. International Braz J Urol 2006 32(2):147-154. 10. Foster RS, Riwk RC, Mulcahy JJ. Vesical endometriosis: Medical or surgical treatment. Urology 1987 29(1):64-65. 11. Granese R, Candiani M, Perino A, Venezia R, Cucinella G. Bladder endometriosis: laparoscopic treatment and follow-up. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology 2008 140:114-117. |