Revistas Fase R003 Id Materia 3529






Saúde da Mulher
Dismenorréia
Dysmenorrhea


Mara Solange Carvalho Diegoli
Assistente doutora da Clínica Ginecológica do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora do
Carlos Alberto Diegoli
Assistente doutor da Clínica Ginecológica do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do
Recebido para publicação em 07/2006.
Aceito em 10/2006.

© Copyright Moreira Jr. Editora.
Todos os direitos reservados.

Unitermos: dismenorréia, tratamento da dismenorréia.
Unterms: dysmenorrhea, dysmenorrhea treatment.

Numeração de páginas na revista impressa: 81 à 87

Resumo


A dismenorréia é uma das principais causas de abstinência ao trabalho. Durante séculos foi considerada como um problema psicológico, relacionado à negação da feminilidade e que melhorava com o casamento. Somente após a descoberta das prostaglandinas a sua fisiopatologia foi esclarecida e novos tratamentos puderam ser utilizados. A abordagem terapêutica da dismenorréia pode ser efetuada em três etapas: 1) drogas ou medidas que atuam diretamente nas prostaglandinas, como os antiinflamatórios não hormonais, hormônios ou calor local; 2) medicamentos que relaxam a musculatura uterina, como os antiespamódicos; 3) drogas ou medidas que interferem com a dor, tanto em nível periférico como central, tais como analgésicos, acupuntura, psicotrópicos.

No presente artigo os autores explicam detalhadamente as vantagens e desvantagens de cada medicamento, quando usá-los e os efeitos colaterais mais freqüentes.

Introdução

Dismenorréia significa menstruação difícil e se caracteriza pelo conjunto de sintomas representados por dor no baixo ventre, acompanhada de náuseas, vômitos, cefaléia e, mais raramente, tontura e desmaio, que se inicia algumas horas antes da menstruação ou, mais freqüentemente, nas primeiras 24 horas(1).

Embora a dismenorréia tenha sido descrita desde a época de Hipócrates, seu estudo tem adquirido maior importância nas últimas décadas, devido às conseqüências socioeconômicas que acarreta. A dismenorréia e a tensão pré-menstrual são as principais responsáveis pela ausência da mulher e/ou adolescente ao trabalho e à escola. A dismenorréia ocorre em 60% a 80% das mulheres em diferentes graus de intensidade, sendo que em 8% a 18% o desconforto menstrual é de tal intensidade que impede as atividades habituais, obrigando a paciente a procurar o pronto-socorro. A dor e o sofrimento sempre estiveram associados, na cultura dos diferentes povos, com a transformação da menina para a mulher. Conceitos antigos, como “quando casar passa”, “a mulher para ficar bonita tem que sofrer”; “não se deve lavar a cabeça quando está menstruada” são transmitidos de geração a geração.

Somente na segunda metade do século XX, a fisiopatologia desta síndrome começou a ser esclarecida, graças aos trabalhos de Pickles(2). A descoberta das prostaglandinas (Pg), principalmente da prostaglandina F2a, permitiu o estudo da sua ação sobre a musculatura uterina, abrindo novos campos à terapia medicamentosa. A utilização de medicamentos que atuam tanto na profilaxia como no tratamento da dismenorréia permitem atualmente que a mulher mantenha as suas atividades, apesar do “incômodo”.

Classificação

A dismenorréia pode ser classificada em primária (funcional) ou secundária.

A dismenorréia primária ou funcional geralmente ocorre na adolescência, um a três anos após a menarca. Caracteriza-se por dor em cólica no baixo ventre, que se inicia com o fluxo menstrual e dura em média 24 a 48 horas. Os exames físico, ginecológico e laboratoriais estão sempre normais.

A dismenorréia secundária é sempre resultante de alguma alteração anatômica. Ela pode ser provocada por malformações canaliculares ou uterinas, endometriose, infecções crônicas ou agudas, tumores benignos (mioma, pólipos) ou tumores malignos (adenocarcinoma do endométrio ou sarcoma), presença de corpos estranhos dentro da cavidade uterina (DIU) etc. A dor é referida na região do baixo ventre com irradiação para a região lombar e normalmente ocorre algumas horas ou dias antes da início da menstruação, persistindo durante toda a perda sangüínea. É mais freqüente após os 25 anos e tende a piorar com o passar dos anos.

Etiopatologia

As prostaglandinas (Pg) são ácidos graxos constituídos por 20 átomos de carbono, derivados do ácido araquidônico e são produzidos em diversos órgãos (útero, estômago, rim etc.). Sob a ação das fosfolipases A2, os fosfolipídeos da membrana celular liberam o ácido araquidônico, que é convertido em endoperóxidos ou prostaglandinas G2, isoprostanos e leucotrienos. A ação da isomerase redutase nos endoperóxidos produz as prostaglandinas (Pg F2a, Pg E2 e PgD2) (Figura 1).

A liberação das prostaglandinas F2a pelo endométrio provoca contração da musculatura uterina, com conseqüente aumento do tônus uterino e da pressão intramiometrial. O aumento da pressão acarreta compressão do plexo vascular e nervoso do útero e, conseqüentemente, dor. Quanto menor for o volume uterino e/ou maior for a produção de prostaglandina, maior será concentração de Pg F2a intra-uterina e mais intensa será a dor.

Isso explica por que a dismenorréia é mais freqüente nas adolescentes. O útero da adolescente mede entre 30 cm3 e 50 cm3. O pequeno volume faz com que a concentração de Pg F2a por cm3 seja muito alta e, portanto, a ação das Pg sobre a musculatura uterina é muito intensa. À medida que a menina cresce, o volume uterino aumenta gradualmente, até atingir 90 cm3, e a concentração das prostaglandinas se dilui, reduzindo a sua ação sobre a musculatura. Hoje, diante desses conhecimentos, fica fácil entender o antigo ditado popular “quando casar passa”. O casamento precoce, ainda na adolescência, implicava freqüentemente na gestação e, portanto, o aumento do volume uterino e a dilatação do colo por ocasião do parto, reduzindo definitivamente a concentração de Pg F2a intra-uterina.

Entretanto, se a dor persistir após os 20 anos, a pesquisa das prováveis etiologias da dismenorréia secundária deve ser iniciada.

Na dismenorréia secundária as prostaglandinas também estão presentes, mas o fator desencadeante é anatômico (causado por mioma, congestão pélvica, malformação uterina etc.) e, portanto, a dor provocada pela liberação das prostaglandinas se associa a outros sintomas da doença de base. A obstrução à eliminação das prostaglandinas, associada aos fenômenos inflamatórios da doença de base, mais o fator psicológico do sofrimento repetitivo, acabam potencializando os sintomas, tornando a dor mais prolongada e mais intensa, reduzindo a eficácia dos inibidores das prostaglandinas.

A dismenorréia também apresenta outros sintomas, além da cólica, tais como a cefaléia e hipotensão. A queda dos níveis de estrogênio libera PG E2, que atua diretamente na musculatura dos vasos, provocando não somente aumento do sangramento menstrual, mas também hipotensão, tontura e dor de cabeça. A redução dos níveis de serotonina acarreta alterações no humor, irritabilidade, depressão, compulsão por doce, ansiedade e insônia. A observação popular de que todos esses sintomas precedem a menstruação e melhoram assim que a mulher menstrua, originou mais um conceito: “se a mulher não menstruar, o sangue sobe para a cabeça”.


Figura 1 – Biossíntese das prostaglandinas(3).

Diagnóstico

Anamnese

Na dismenorréia primária (DP) a dor se inicia geralmente um a dois anos após o início da menarca e reduz ou desaparece após os 20 anos. A dor é em cólica, localizada no baixo ventre, e raramente irradia para a região lombar. Inicia-se poucas horas após o início da menstruação e dura de 24 a 48 horas. Melhora com espasmolíticos, analgésicos e antiinflamatórios não hormonais. Os exames físicos e complementares devem estar obrigatoriamente normais. A presença de qualquer anormalidade exclui o diagnóstico de dismenorréia primária.

A dismenorréia secundária (DS) se manifesta geralmente na fase adulta e piora com a idade. A dor pode ser em peso, contínua, em pontada ou em cólica e inicia no baixo ventre, podendo irradiar-se para a região lombar. Geralmente aparece alguns dias antes da menstruação e permanece até o término do sangramento. Na dismenorréia secundária a paciente refere pouca melhora com os analgésicos e antiespasmódicos. A associação medicamentosa é utilizada com mais freqüência para alívio da dor.

Exame físico
O exame físico deve ser sempre realizado para diferenciar entre a DP e a DS. O toque vaginal somente deverá ser feito em pacientes não virgens. O toque retal deve ser evitado nas dismenorréias primárias, pois a dor e o medo podem provocar traumas na adolescente e dificultar futuras visitas ao ginecologista.

Na DS o exame físico pode diagnosticar tumores uterinos (miomas), endometriose ou malformações. O toque retal deve ser utilizado quando houver suspeita de endometriose (do ligamento sacro) ou tumores benignos ou malignos (carcinoma uterino).

Exames laboratoriais

· Ultra-sonografia (USG) pélvica: pode ser por via abdominal ou transvaginal. Apesar da via transvaginal permitir melhor visualização dos ovários e do endométrio, ela não pode ser realizada em pacientes virgens. A USG é fundamental para a diferenciação entre a DP e a DS. O exame USG pode revelar a presença de miomas, pólipos ou tumores ovarianos. Na endometriose ela pode estar normal ou alterada. A presença de cistos ovarianos, bilaterais com conteúdo espesso, fala fortemente a favor de endometriose. Entretanto, pequenos focos endometrióticos e o espessamento do ligamento útero-sacro são imperceptíveis ao exame USG.

· Ressonância magnética: é obrigatória nos casos de malformação para melhor diagnóstico da síndrome e planejamento da cirurgia a ser realizada. Na endometriose e nos tumores malignos a ressonância magnética também deve ser solicitada para estadiamento da doença.

· Dosagem do CA 125: deve ser sempre solicitada quando houver a suspeita de endometriose ou tumores ovarianos. Valores discretamente acima do normal podem ser indicativos de endometriose.

· Histeroscopia: pode ser solicitada se na USG revelar alterações do endométrio, compatíveis com pólipos ou câncer do endométrio.

· Laparoscopia: é fundamental para o diagnóstico de certeza da endometriose e aconselhável nos casos de dores crônicas, resistentes ao tratamento clínico. Na Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas de São Paulo ela somente é solicitada na adolescência, quando o exame ultra-sonográfico revelar tumores ovarianos ou dor pélvica intensa que não melhora com o tratamento medicamentoso.

· Hemograma, teste de tuberculose ou outros exames podem ser necessários, dependendo da história clínica.

Tratamento

O tratamento da dismenorréia primária visa a eliminação da dor, através de drogas ou medidas que diminuam a ação das prostaglandinas. O tratamento da dismenorréia secundária se baseia em duas etapas: tratar a doença de base e diminuir a ação das prostaglandinas.

Para facilitar a abordagem terapêutica da dismenorréia primária podemos dividir o tratamento em três etapas diferentes. Na primeira etapa abordaremos as medidas adotadas para redução das prostaglandinas; na etapa dois o objetivo é minimizar a ação delas no útero, provocando o seu relaxamento e diminuição da pressão; e na terceira etapa o tratamento focalizará a dor, tanto na sua origem como na sua interpretação física e psíquica.

Etapa 1: Liberação da prostaglandina
Nessa primeira etapa o objetivo principal é a adoção de medidas que reduzam ou impeçam a liberação e a ação das prostaglandinas, tais como: calor local, antiinflamatórios não hormonais (AINH), anticoncepcionais hormonais.

1. Calor local
O calor local, obtido através de bolsa de água quente ou mesmo repouso na cama, diminui muito a dor pélvica, pois a dilatação dos vasos que irrigam o útero facilita a metabolização das prostaglandinas locais e, conseqüentemente, reduz sua ação sobre a musculatura.

O oposto ocorria quando a mulher tomava banho geralmente frio e permanecia com o cabelo molhado (pois antigamente não havia banheiro interno, chuveiro ou secador). A vasoconstrição causada pelo resfriamento do corpo provocava aumento da dor e por isso os mais antigos alertavam: “não lave a cabeça quando estiver menstruada”, pois a cólica vai piorar. Hoje, felizmente, tomar banho quente e secar os cabelos para evitar o resfriamento reduz a probabilidade de ocorrer a cólica e retira os odores freqüentes da menstruação.

2. Antiinflamatórios não hormonais (Tabela 1)
Os antiinflamatórios não hormonais (AINHs) são atualmente as drogas mais utilizadas e mais eficazes para o tratamento da dismenorréia. Eles atuam inibindo a síntese e ação das prostaglandinas, reduzindo não somente a dor no baixo ventre, mas também os demais sintomas físicos, como cefaléia, dor nas pernas, dor nas mamas, diarréia etc. Entretanto a escolha do antiinflamatório não hormonal (AINH) deve basear-se em dois critérios: maior eficácia clínica e menor incidência de efeitos colaterais.

Antiinflamatórios não hormonais (AINHs) é o nome que se dá a um conjunto de medicamentos que apresentam em comum apenas o fato de atuarem reduzindo a atividade das prostaglandinas. Os AINHs são drogas utilizadas pelos médicos de todas as especialidades devido às diferentes propriedades que apresentam, dentre elas: ação antiinflamatória, ação antipirética, ação analgésica, ação antiadesividade plaquetária.

Existem diferentes classes de antiinflamatórios, que diferem entre si, não somente na capacidade de provocarem analgesia ou redução da febre, mas principalmente nos efeitos colaterais.

Durante mais de duas décadas os AINHs foram prescritos para o tratamento de doenças crônicas, como artrites e reumatismo, assim como de doenças agudas, como a dor de garganta ou torções. O uso continuado destes medicamentos acabou provocando doenças importantes, como hemorragia, geralmente gástrica e, mais raramente, insuficiência renal ou aplasia medular. Para evitar parte destes efeitos colaterais foram criados os AINHs inibidores específicos da enzima cicloxigenase-2 ou COX-2. A vantagem desses medicamentos é que não provocavam tanta hemorragia, nem gastrite. Entretanto, o seu uso continuado por períodos longos acabou provocando problemas cardiocirculatórios e muitos medicamentos foram retirados do mercado.

Felizmente, hoje, devido ao grande número de publicações nessa área, podemos entender melhor as diferentes ações desses medicamentos e selecionarmos de forma mais criteriosa o seu uso.



A COX -2 apresenta a vantagem de não agredir tanto a mucosa gástrica e não interferir com a coagulação sangüínea, além de aliviar a sintomatologia dolorosa e ainda reduzir a intensidade do sangramento. Entretanto, a COX-2 não deve ser usada em pacientes com antecedentes de trombose ou doenças cardiocirculatórias. À esta classe pertencem o meloxicam (Meloxicam, Inicox, Inicox DP, Bioflac, Loxiflen, Movatec), o lumiracoxibe (Prexige), celecoxibe (Celebra) e o eterocoxibe (Arcóxia). Atualmente estamos utilizando como primeira opção o meloxicam, na dosagem de 15 mg por dia, dose única, nos primeiros três dias do ciclo. Como alternativa, na falha do meloxicam podem ser utilizados o lumiracoxibe (Prexige) na dose de 400 mg por dia e o celecoxibe (Celebra) 200 mg por dia. O eterocoxibe (Arcóxia), embora seja um bom analgésico, pode apresentar efeitos colaterais importantes, como retenção hídrica, dor lombar, disúria, hematúria e polaciúria.

Dentre os AINHs não específicos da COX-2, preferimos para tratamento da dismenorréia primária os que possuem maior ação analgésica e menores efeitos colaterais. Aqui convém salientar que a função analgésica independe da ação antiinflamatória. Como na dismenorréia primária a dor é provocada não pela ação inflamatória, mas sim pela contratilidade uterina, os medicamentos que possuem maior eficácia analgésica apresentam melhores resultados, sem o inconveniente de atuarem em outros órgãos, provocando efeitos colaterais importantes. O melhor medicamento para esses casos é o ácido mefenâmico (Ponstan) na dosagem de 500 mg três a quatro vezes por dia(4). Outro medicamento muito bom é o cetoprofeno na dosagem de 50 mg de 8 em 8 horas (Profenid) ou 150 mg dose única, uma vez ao dia (Bi Profenid). Outras alternativas são: diclofenaco sódico (Voltaren) na dosagem de 50 mg de 8/8 horas V.O. ou retal, ou 75 mg/dia por via intramuscular. O diclofenaco sódico pode ainda ser usado na dosagem de 100 mg (Voltaren Retard) ou 75 mg (Voltaren SR 75). O diclofenaco potássico, muito utilizado por pediatras, pode ser prescrito, principalmente na forma de gotas, para pacientes de baixo peso, nestes casos preferimos o Cataflan – 5 a 10 ml/dose, ou uma gota por kg/peso, dividido em três vezes, de 8/8 horas. Para a mulher adulta pode ser prescrito por via oral nas dosagens de 150 mg/dia (Flodin-duo).

Embora o piroxicam seja muito prescrito para tratamento da dismenorréia, dentre os AINHs é a droga que mais freqüentemente provoca efeitos colaterais, como alergias e insuficiência renal (quando utilizado em grandes doses). Isso se deve a forte ação sobre as cicloxigenases, não específica, o que acaba comprometendo a função dos demais órgãos que precisam da cicloxigenase 1 para o seu funcionamento. Graças à sua potente ação antiinflamatória (por isto é uma das drogas mais prescritas pelos ortopedistas) durante o seu uso o intervalo de 24 horas entre as tomadas deve ser criteriosamente obedecido, para evitar posteriores complicações. Utilizamos o piroxicam em pacientes com dismenorréia secundária, quando o efeito antiinflamatório é mais importante do que o efeito analgésico e, geralmente, são pacientes mais velhas, ao contrário das adolescentes, e, portanto, sabem aguardar com mais paciência a ação do medicamento, sem precisar repetir a medicação. O piroxicam (Feldene) deve ser administrado na dose única diária de 20 mg.

Ao se prescrever o AINH deve considerar-se que a dismenorréia é um fenômeno cíclico e o tratamento deve ser reiniciado a cada ciclo menstrual(5). Embora alguns autores prefiram utilizar medicamentos antes do início da menstruação, essa medida deve ser evitada, pois muitas vezes a paciente pode estar grávida e o uso do medicamento não é recomendado durante a gestação ou, ainda, o medicamento pode interferir com o ciclo menstrual, adiando o seu início, o que acarretaria no aumento da dosagem e, portanto, maior incidência de efeitos adversos.

3. Contraceptivos hormonais (Tabela 1)
Os contraceptivos hormonais atuam no endométrio reduzindo a produção de prostaglandinas e leucotrienes. Constituem o tratamento de eleição nas pacientes que desejam anticoncepção e apresentam dismenorréia. São também úteis no tratamento prolongado de dismenorréia secundária provocada pela endometriose.

Os medicamentos administrados podem conter a associação de estrogênios e progesterona, tais como os anticonceptivos orais, ou somente progesterona, tais como as injeções trimestrais (em mulheres que já tiverem a prole constituída). Nas adolescentes virgens, com idade inferior a 16 anos, esses medicamentos somente devem ser usados quando os AINHs não apresentaram resposta satisfatória, sempre o menor tempo de uso possível, pois o desenvolvimento mamário ainda não se completou, e é recomendável evitar a ação dos hormônios na mama em desenvolvimento. Na adolescente que já mantém atividade sexual, o risco de uma gravidez indesejada é determinante para a escolha do anticoncepcional como primeira opção para a dismenorréia. Freqüentemente são usados em associação aos AINHs.

Dentre os anticoncepcionais, preferimos começar com os de menor dosagem hormonal, 15 mcg de etinilestradiol (Mínima, Adoless, Mirelle e Minesse) que interferem pouco no peso e apresentam menos efeitos colaterais. Entretanto, em caso de sangramento (spoting) se deve aumentar a dose para 20 mcg de etinilestradiol (Mercilon, Femina, Primera 20, Tamisa 20, Gynera etc.). Em adolescentes com muitas espinhas, o ideal são aqueles que contêm ciproterona na sua composição, como o Diane 35, Selene e Diclin. O Yasmin contém na sua formulação a drospirenona que, segundo trabalhos, atua reduzindo o edema, mas por ter 30 mcg de etinilestradiol, acaba aumentando alguns efeitos colaterais provocados pelos estrogênios e, por isso, deve ser reservado para as pacientes que referem muito inchaço pré-menstrual. Atualmente novos compostos estão entrando no mercado e a sua prescrição pode estar indicada em pacientes que não se adaptaram aos demais.

Os injetáveis trimestrais, na dosagem de 150 mg de acetato de progesterona (Depo-provera ou Contracep) a cada três meses, são excelente opção, principalmente para as dismenorréias secundárias e para pacientes com prole constituída. Em 70% das pacientes eles provocam amenorréia (parada da menstruação) e isto diminui não somente a cólica, mas também a cefaléia, mastalgia e alterações do humor, como irritabilidade, agressividade, ansiedade. Entretanto, como nenhum medicamento é desprovido de efeitos colaterais, eles a longo prazo provocam aumento importante do peso (2 a 10 kg) e diminuição da libido. Por isso não devem ser usados em pacientes com sintomatologia leve ou em adolescentes com tendências à obesidade, pois o efeito sobre a auto-estima acaba sendo pior que a cólica mensal.

Outra opção para pacientes com dismenorréia secundária é o endoceptivo Mirena, um dispositivo intra-uterino que contém na sua formulação a progesterona em vez do cobre. A progesterona age localmente, provocando atrofia do endométrio e, freqüentemente, amenorréia. Por isso pode ser uma ótima opção para o tratamento de mulheres com dismenorréia intensa provocada por endometriose ou inflamação pélvica.

O Implanon, ou implante de progesterona, também pode ser utilizado em pacientes com dismenorréia importante e, nestes casos, a resposta terapêutica será melhor quando ocorrer interrupção da menstruação, o que acontece em aproximadamente 50% das pacientes. Tanto o Mirena quanto o Implanon em algumas pacientes podem provocar sangramento irregular e precisam ser retirados.

Etapa 2: Aumento do tônus uterino
Aqui poderão ser usados medicamentos que relaxam a musculatura uterina, como os antiespamódicos, parassimpaticolíticos, inibidores do canal de cálcio. Em casos mais extremos pode ser utilizada a histerectomia total ou parcial.

Os parassimpaticolíticos ou os antiespasmódicos foram as primeiras drogas utilizadas no tratamento da dismenorréia. Estas drogas atuam nos plexos parassimpáticos, exercendo atividade na musculatura lisa do trato gastrointestinal, geniturinário e vias biliares. Podem causar alguns efeitos colaterais, como secura na boca e distúrbios na acomodação visual. Dentre eles, o mais utilizado é o brometo de N-butilescopolamina (Buscopan) que pode ser administrado por via oral, endovenoso ou intramuscular. A via oral deve ser a escolhida quando não houver vômito e pode ser um comprimido de 6/ 6 horas ou 25 a 30 gotas. A via endovenosa é a mais utilizada quando o quadro é tão intenso que a paciente precisa ir para um pronto-socorro. Nesses casos pode administrar-se uma ampola E.V. diluída em 50 ml de soro glicosado.

Outro medicamento muito utilizado é o cloridrato de papaverina, também conhecido como Atroveran, na dosagem de 1 cp de 8/8 horas.

Os demais medicamentos, como inibidores do canal do cálcio devido aos efeitos colaterais, devem ser prescritos apenas em raras ocasiões por especialistas.
Já a histerectomia somente está indicada na dismenorréia secundária, para tratar a doença de base ou quando os demais tratamentos falharam e a mulher já está com a prole constituída.

Etapa 3: Dor
Nesta etapa podem ser utilizados os diferentes métodos que atuam não somente na percepção da dor, mas também na inervação aferente e eferente, reduzindo a intensidade do estímulo doloroso. Neste grupo estão os analgésicos, psicotrópicos, acupuntura, estimulação elétrica transcutânea, massagem e cirurgia para ablação do nervo simpático e/ou pré-sacral.

Estes métodos podem ser utilizados em associação aos descritos anteriormente ou como única opção.

· Analgésicos: Os analgésicos são úteis principalmente para tratar os demais sintomas, tais como a cefaléia. Nesses casos preferimos o paracetamol na dosagem de 500 mg a 750 mg por dose, de 8/8 horas. Algumas pacientes referem melhora da dor com a dipirona (500 mg). Em alguns casos optamos pela associação da dipirona (500 mg) com a prometazina (5 mg) e a adifenina (10 mg), na dosagem de um comprimido a cada 8 horas (Lisador). Em casos mais graves, em que a dor é insuportável, pode-se administrar o tenoxicam (Tilatil), na dosagem de 20 mg por dia ou uma ampola intramuscular. Outro medicamento que pode ser utilizado é o Sedalene, que consiste na associação de metilbrometo de homatropina, dipirona, papaverina e adifenina – ampola IM com 2 ml ou supositório com 1g (infantil) ou 2 g (adulto) ou ainda comprimidos. Outras drogas podem ser usadas, dependendo da experiência de cada profissional.

· Antidepressivos: amitriptilina (25 mg por dia) ou os inibidores específicos da recaptação da serotonina, como a fluoxetina (20 mg por dia), podem ser úteis como tratamento complementar da dismenorréia secundária.

· Acupuntura: a acupuntura pode ser utilizada em alguns casos(6). O estímulo da acupuntura ativa as terminações sensoriais cutâneas e as informações resultantes acionariam as vias neurais centrais, reduzindo a percepção para o estímulo doloroso.

· Estimulação elétrica transcutânea: consiste na estimulação elétrica das fibras pré-ganglionares com impulsos que saturam as células do corno dorsal da medula e, conseqüentemente, bloqueiam os impulsos dolorosos, liberando endorfinas.

· Tratamento cirúrgico: a ablação do nervo uterino do ligamento útero-sacro e a operação de Cotte e Castanho, que consiste na incisão do infundíbulo pélvico e do nervo simpático pré-sacral, respectivamente, somente estão indicadas em casos extremos de dismenorréia secundária.

Tratamento da dismenorréia secundária

O tratamento da dismenorréia secundária deve abranger sempre a resolução da doença preexistente. Nesses casos é fundamental utilizar todos os métodos propedêuticos para se estabelecer com precisão a causa dos sintomas. Dentre as patologias que mais provocam dismenorréia estão: a endometriose, as malformações, os pólipos ou tumores submucosos e as doenças inflamatórias pélvicas.

Em todos os casos o tratamento deve iniciar-se com os medicamentos utilizados os itens da etapa 1 e 2 acima descritos, mas freqüentemente são complementados com os medicamento da etapa 3.
Na endometriose a inibição da ovulação e a laparoscopia diagnóstica ou cirúrgica são medidas aconselháveis, conforme o estadiamento da doença.

Nas malformações a interrupção da menstruação, através do acetato de medroxiprogesterona na dosagem de 150 mg a cada três meses é fundamental, enquanto se estuda a melhor forma de abordar a malformação cirurgicamente.
Nas neoplasias benignas ou malignas do útero a cirurgia é a primeira opção. A histerectomia deve ser sempre considerada em mulheres com a prole constituída. Em casos mais graves, como tumores invasivos, com muita dor, a cirurgia de Cotte e Castanho, por via laparoscópica ou por laparotomia, em que é feita a exérese da inervação uterina pode ser necessária como medida paliativa da dor.
A acupuntura atua de forma coadjuvante no tratamento da dor crônica, reduzindo a quantidade de medicamentos ingeridos.

A psicoterapia e o uso de drogas psicotrópicas podem ser úteis em pacientes com endometriose, doença inflamatória pélvica ou mesmo algumas doenças psicossomáticas, nas quais os órgãos genitais internos atuam como alvos da sintomatologia.

Em alguns casos o acompanhamento destas pacientes pode necessitar uma equipe multidisciplinar especializada em dor crônica. Nesses casos o uso de antidepressivos tricíclicos, psicoterapia, massagem e fisioterapia são recursos muito utilizados.

Conclusão

E, finalmente, convém terminar este artigo enfatizando que a dismenorréia pode e deve ser tratada. A nossa função como médicos é utilizarmos todos os recursos disponíveis para minimizar o sofrimento do ser humano e, desta forma, contribuir para melhoria da sua qualidade de vida. Cabe a nós, profissionais da saúde, combatermos velhos mitos e tornar a vida da mulher igualmente produtiva e satisfatória, independente do “incômodo” causado pela menstruação.




Bibliografia
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