Numeração de páginas na revista impressa: 112 à 114
Resumo
As fístulas enterovesicais (FEV) ocorrem em 2% a 8% dos casos de doença de Crohn. Mais de 75% pacientes acometidos apresentam queixas características de pneumatúria, fecalúria e infecções recorrentes do trato urinário.
Os autores descrevem um caso de FEV secundária à doença de Crohn, manifestando-se clinicamente sob a forma de pseudotumor vesical inflamatório.
Figura 1 – Processo expansivo infiltrativo entre a bexiga, ureter direito e alça ileal.
Introdução
As complicações geniturinárias ocorrem em 4% a 35% dos pacientes com doença de Crohn (DC). Entre elas, as fístulas enterovesicais (FEV) são as mais freqüentes, acometendo 2% a 8% dos pacientes(1).
Mais de 75% pacientes acometidos apresentam queixas características de pneumatúria, fecalúria e infecção urinária recorrente(1,2). A apresentação clínica através de um pseudotumor vesical inflamatório (PTVI) é rara e encontramos apenas um caso descrito na literatura até o momento(3).
Os autores descrevem um caso de FEV secundária à DC com esta rara forma de apresentação.
Figura 2 – A) hiperplasia urotelial reativa; B) intensa atividade inflamatória da parede vesical; C) processo inflamatório crônico inespecífico comprometendo toda a espessura do íleo terminal – doença de Crohn.
Relato do caso
Paciente de 41 anos, masculino, apresentou-se com quadro de urina fétida e pneumatúria há um ano. Durante a investigação foi submetido à uma tomografia computadorizada que evidenciou um processo expansivo infiltrativo entre a bexiga, íleo terminal e ureter distal direito (Figura 1). A cistoscopia evidenciou lesão tumoral inflamatória envolvendo a parede posterior e cúpula vesical, sem presença de fístula. O diagnóstico da biópsia foi inicialmente de carcinoma de células transicionais de alto grau não invasivo, com atipia nuclear e atividade mitótica, apresentando exuberante atividade inflamatória da lâmina própria (Figuras 2 A e B).
Foi indicada uma laparotomia exploradora que evidenciou grande aderência do íleo terminal à parede posterior da bexiga e a presença de uma tumoração ileal com FEV. A biópsia de congelação do íleo e da bexiga revelou apenas processo inflamatório crônico. Procedemos à ressecção da alça comprometida, anastomose primária e fechamento da fístula. Após a correlação com dados clínicos do paciente, a biópsia pré-operatória foi revista e o diagnóstico modificado para hiperplasia urotelial reativa com a intensa atividade inflamatória (Figuras 2 A e B).
A análise final do espécime cirúrgico revelou comprometimento inflamatório crônico de toda espessura do íleo associado a úlceras estreitas e profundas constituídas por tecido de granulação e infiltrado inflamatório linfoplasmocitário (Figura 2 C). Havia a presença de trajeto fistuloso com células gigantes do tipo corpo estranho. O diagnóstico histológico final foi de DC. O paciente evoluiu sem intercorrências e após três meses de seguimento encontra-se assintomático.
Discussão
As doenças granulomatosas intestinais (DGI) representam apenas 10% das FEV(2). Contrariamente aos pacientes com FEV secundárias a doença diverticular e neoplasias, eles são geralmente mais jovens, com idade média em torno dos 30 anos(2).
A forma mais freqüente de apresentação é através de sintomas urinários irritativos e cistites recorrentes. A cistoscopia pode visualizar a fístula em até 60% dos casos. Em 38% dos casos se encontram apenas achados indiretos como edema da mucosa, eritema e pseudopólipos(2). A apresentação clínica através de PTVI é rara e no único caso encontrado o paciente apresentava tumoração vesical e numerosas FEV. Foi realizada enterectomia parcial, ileostomia, colostomia e fechamento da fístula(3).
As complicações urológicas podem representar o primeiro sinal da DC. As lesões tumorais da bexiga secundárias à FEV por DC podem apresentar características histológicas semelhantes às neoplasias, portanto o diagnóstico de malignidade deve ser dado com cautela, pois o quadro pode representar uma lesão inflamatória benigna, mudando o tratamento e o prognóstico do paciente.
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1. Manganiotis AN, Banner MP, Malkowicz SB. Urologic complications of Crohn’s disease. Surg Clin North Am. 2001; 81:197-215. 2. McBeath RB, Schiff M Jr, Allen V, Bottaccini MR, Miller JI, Ehreth JT. A 12-year experience with enterovesical fistulas. Urology. 1994; 44: 661-665. 3. Benchekroun A, el Alj HA, Zannoud M, Jira H, Essayegh H, Nouini Y, Marzouk M, Faik M. Enterovesical fistula secondary to Crohn’s disease manifested by inflammatory pseudotumor of the bladder. Ann Urol (Paris). 2003; 37:180-183. |