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Introdução
Historicamente a linfadenectomia (LFDN) foi considerada essencial para o estadiamento de paciantes com câncer de próstata (CaP) localizado, devido à alta incidência de envolvimento linfonodal, 20% a 60% nas décadas de 70 e 80(1-3). Contudo, com a introdução do antígeno prostático específico (PSA), o CaP passou a ser diagnosticado cada vez mais precocemente e hoje a taxa de comprometimento linfonodal se encontra entre 2% e 5%(3,4). Isso tem contribuído de forma positiva para melhora da sobrevida destes pacientes, uma vez que a presença de metástases em linfonodos pélvicos é um importante fator de mau prognóstico, pois sugere doença disseminada(2-4).
Os estudos atuais são controversos quanto à indicação da LFDN, sua extensão (padrão ou extensa) e exames de imagem para avaliação do comprometimento linfonodal. O objetivo deste trabalho foi analisar os resultados dos diversos estudos da literatura e sugerir uma padronização para linfadenectomia no CaP localizado. Classificação do CaP quanto ao risco de progressão após tratamento curativo
Quando se propõe uma terapia curativa para CaP localizado, é de grande importância selecionar adequadamente o paciente, levando-se em consideração fatores prognósticos relevantes quanto à evolução pós-tratamento. D’Amico et al. (1999) estratificaram os pacientes com diagnóstico de CaP em alto risco, risco intermediário e baixo risco quanto à possibilidade de extensão extraprostática, envolvimento linfonodal e conseqüente recidiva tumoral após tratamento com intenção curativa(5). Os autores levaram e consideração o nível sérico do PSA, o escore de Gleason, a percentagem de amostras comprometidas na biópsia prostática e as características do tumor ao exame digital da próstata(5) (Tabela 1).
Comparação entre linfadenectomia estendida e linfadenectomia padrão (cadeia obturatória)
A extensão apropriada da linfadenectomia no CaP permanece incerta(9). A alta incidência (35% a 19%) de metástase linfonodal fora da área padrão de dissecção (fossa obturatória e vasos ilíacos externos) tem sido relatada durante dissecções extensas, que incluem as cadeias já mencionadas juntamente com os linfonodos ilíacos comuns, ilíacos internos e da região pré-sacral(9) (Figura 1). Contudo, as dissecções linfonodais extensas estão associadas a elevadas taxas de complicações como: linfocele, linforréia e edema de membros inferiores(9).
Walsh et al. (2004) analisaram 4.000 pacientes submetidos a prostatectomia radical com seguimento médio de cinco anos, em que foram comparados os resultados da realização de dissecção linfonodal limitada (ao longo do nervo obturador) com a dissecção ampliada (cadeia obturatória, cadeia ilíaca interna até acima da bifurcação da artéria ilíaca comum), em 1.865 e 2.135 pacientes, respectivamente. Foi encontrada pequena diferença de positividade nos dois grupos (1,1% versus 3,2%, respectivamente, e com p<0,0001) confirmando a baixa percentagem de linfonodos positivos(6). Entre os pacientes com metástase linfonodal, a percentagem de envolvimento dos linfonodos extraídos foi inferior a 15%. Contudo, os autores observaram um aumento significativo na sobrevida livre de doença naqueles pacientes submetidos a linfadenectomia estendida 43% versus 10% para linfadenectomia limitada (p = 0,01) durante seguimento de cinco anos. Um seguimento mais prolongado para determinar a persistência da eficácia terapêutica da linfadenectomia alargada é sugerido pelos autores(6,9).
Figura 1 – Descrição anatômica das três principais cadeias linfonodais, sítios de metástase linfonodal do CaP: 1 – veia ilíaca externa; 2 – fossa obturatória; e 3 – veia ilíaca interna.
Em outro estudo, Di Marco et al. (2005) publicaram uma série de 7.036 pacientes seguidos por 5,8 anos com estádio clínico T1 a T3, sem tratamento hormonal prévio submetidos a prostatectomia radical (PR) e linfadenectomia bilateral, incluindo a retirada padrão dos linfonodos da fossa obturatória com ou sem a retirada dos linfonodos ilíacos externos e hipogástricos. Os pacientes foram estratificados, segundo D’Amico et al., em 1999, em alto risco, risco intermediário e baixo risco versus o número de linfonodos ressecados durante a linfadenectomia: 1 a 4 (1.026), 5 a 9 (2.896), 10 a 14 (1.946), 15 a 19 (799) e = 20 (369) linfonodos. Os autores concluíram que a linfadenectomia extensa não melhora a sobrevida livre de doença mesmo nos casos de alto risco, quando comparada a linfadenectomia padrão (fossa obturadora)(3).
Figura 2 – Nomograma da probabilidade de linfonodos positivos, de acordo com estádio clínico, PSA e escala de Gleason. Instruções: coloque o valor do PSA pré-biópsia no eixo PreTxPSA. Suba até o primeiro eixo (Points) e determine quantos pontos. Repita o processo para cada variável relacionada aos seus eixos. Some os pontos marcados para cada variável. Coloque o valor total destes pontos no eixo Total Points e desça até o eixo inferior (Prob. +LN) que dará a probabilidade de linfonodos positivos.
Papel dos nomogramas
Outros autores defendem a utilização de modelos estatísticos para predizer o risco de acometimento linfonodal, objetivando reduzir o número de linfadenectomias desnecessárias. Scardino & Kattan et al., em 2003, propuseram um nomograma pré-operatório para avaliar a probabilidade de metástases linfonodais em paciente com CaP clinicamente localizado(11). Em análise retrospectiva de estudo multicêntrico com mais de 5.500 doentes (excluindo-se aqueles com PSA > 50 ng/ml) foram avaliados nível sérico de PSA, escore de Gleason, estádio clínico e biópsia, comparando-se com os achados patológicos. Com base no nomograma a percentagem de linfonodos positivos foi de 1,5% a 7%. O estudo anatomopatológico evidenciou comprometimento em 3,7% dos casos, concluindo que este método é um bom preditor de metástase linfonodal (p<0,001). Assim, a linfadenectomia ilíaca/obturatória poderia ter sido evitada em 96,3% dos casos(8).
O nomograma proposto por Kattan (2003), demonstrado na Figura 2, tem sua aplicação clínica simples, como exemplificado a seguir: um homem com PSA pré-biópsia de 5ng/ml, com estadio clínico T1c e escore de Gleason da biópsia (3 + 3 = 6) tem probabilidade de apresentar doença linfonodal de aproximadamente 1,5%, utilizando-se deste nomograma(11).
Outro modelo proposto é o nomograma de Partin (1997), no qual podemos estimar a probabilidade de linfonodos positivos no estádio clínico T1c, o mais encontrado atualmente(1,8). As variáveis utilizadas neste nomograma são: PSA e escore de Gleason, conforme demonstrado na Tabela 2.
É importante destacar que os resultados fornecidos durante a aplicação dos nomogramas são baseados em dados provenientes de linfadenectomias padrão – fossa obturatória, o que pode subestimar o risco de comprometimento linfonodal(11).
Avaliação radiológica dos linfonodos pélvicos
A avaliação radiológica dos linfonodos pélvicos em pacientes com diagnóstico de CaP é justificada somente em pacientes de risco intermediário e alto risco(10). Diversos métodos têm sido utilizados para tentar identificar o acometimento linfonodal por Cap, tais como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética de pelve, a linfangiografia e a aspiração percutânea com agulha fina, todos apresentando uma alta taxa de falso-positivo ou falso-negativo(4,10). Isso apresenta grande importância nos casos de procedimentos com intenção curativa, como a prostatectomia radical perineal, a radioterapia externa e braquiterapia, que não podem estadiar cirurgicamente os linfonodos sem um procedimento separado. Mais recentemente a utilização da ressonância magnética com utilização de nanopartículas e do PET-CT com 18-fluorcolina tem se mostrado altamente sensíveis e específicos para identificação de linfonodos metastáticos, contudo, estes exames ainda não estão disponível em nosso meio(5,11).
Em 1999, Wawroschek et al. descreveram os primeiros resultados do linfonodo sentinela identificado por gama-probe em pacientes com câncer de próstata. Combinando linfocintilografia pré-operatória e detecção por gama-probe transoperatória foram encontrados 11,8% de comprometimento linfonodal em pacientes com câncer de próstata de baixo risco. Já nos pacientes de riso intermediário e de alto risco foram encontrados linfonodos positivos em 34,5%, utilizando-se a mesma técnica. Os autores concluíram que a linfadenectomia transoperatória radioguiada oferece uma redução do tempo cirúrgico e uma baixa morbidade em comparação com a linfadenectomia estendida, sem redução significativa da detecção de micrometástases(12).
Seguindo as diretizes da Sociedade Brasileira de Urologia, Comitê de Uro-oncologia, o exame de escolha para estadiamento pré-operatório do CaP é a ressonância magnética da pelve.
Linfadenectomia pélvica laparoscópica
Outra modalidade proposta para o estádio dos pacientes com alto risco para terapia local, é a linfadenectomia pélvica laparoscópica que apresenta alta sensibilidade e especificidade, além de baixa morbidade, baixo custo e reduzido tempo de hospitalização(6). Borley et al. (2002) realizaram estudo camparando a positividade pré-operatória dos linfonodos pélvicos, em pacientes com CaP, por TC e RMN e sua correlação com linfadenectomia pélvica videolaparoscópica. Os autores encontraram uma alta taxa de falso-negativos em pacientes de alto risco avaliados tanto por TC quanto pela RM e propuseram a linfadenectomia pélvica laparoscópica como alternativa eficaz para estes casos(7).
Na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP, o Grupo de Cirurgia Laparoscópica desenvolveu um protocolo para avaliação de paciente com tumor de próstata de alto risco, ou seja: PSA entre 20 e 50, Gleason = 8, toque prostático =T2c e/ou a presença de linfonodomegalia pélvica em exames de imagem como a TC ou RM com o objetivo de diferenciar pacientes com doença metastática daqueles com doença localmente avançada, passiveis de tratamento curativo.
Linfonodos aumentados durante a cirurgia. O que fazer? Um outro aspecto importante no estadiamento do CaP é sobre o papel da linfadenectomia pélvica em linfonodos aumentados de tamanho. Quando presentes durante o ato operatório, os linfonodos poderão ser submetidos a biópsia de congelação. Caso seja constatada a presença de metástase, a prostatectomia radical poderá ser realizada, uma vez que estudos sugerem uma melhora na qualidade de vida por controle local da doença(13,14). Rotineiramente, a biópsia de congelação não está indicada se os linfonodos estiverem com volume normal macroscopicamente(10).
Conclusão
Com a detecção precoce do CaP as taxas de metástases para linfonodos pélvicos apresentou diminuição importante de sua incidência, em especial nos caso de baixo risco. Com base nos dados levantados e rotina do Serviço de Uro-oncologia da Escola Paulista de Medicina, sugere-se que:
1. A linfadenectomia pélvica deverá ser realizada nos pacientes com CaP de risco moderado e alto e/ou nos casos em que a RM pélvica demonstre linfonodos pélvicos aumentados de tamanho; 2. A técnica utilizada é a linfadenectomia padrão – fossa obturadora; 3. Nos casos de CaP de risco intermediário ou alto, nos quais a terapia proposta seja a prostatectomia radical perineal, braquiterapia ou radioterapia externa associada ou não ao bloqueio androgênico, a linfadenectomia laparoscópica é uma opção altamente eficaz; 4. A ressonância magnética da pelve é, em nosso meio, o exame de escolha para avaliação dos linfonodos pélvicos no CaP de risco intermediário e alto risco. São aguardadas a disponibilização da ressonância magnética com nanopartículas e do PET-CT com 18-fluorcolina.
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