Numeração de páginas na revista impressa: 45 à 48
Introdução
Reconstruções uretrais são necessárias em diversas situações em que há comprometimento do trajeto normal da uretra, como hipospádias e estenoses por trauma ou infecções. O objetivo da cirurgia é manter a função urinária e sexual normais.
A escolha da técnica cirúrgica para correção do defeito uretral depende da etiologia da doença, da idade do paciente, da localização do defeito e da disponibilidade de áreas doadoras a serem utilizadas como enxertos (Figura 1). No entanto, ainda não existe uma técnica livre de complicações e, por isso, novas pesquisas são realizadas em busca de um procedimento ideal.
Existem vários tecidos para serem utilizados como áreas doadoras na reconstrução uretral, como retalho de pele prepucial ou escrotal ou peniana, e enxertos de pele glabra, de ureter, de túnica vaginal, de mucosa vesical e bucal.
Bargali e cols. mostraram que o uso de enxerto dorsal na uretroplastia se mostrou melhor que o ventral(1,2). A fixação do enxerto nos corpos cavernosos oferece melhor suporte mecânico e suprimento vascular, reduzindo a chance de complicações, como saculações e pseudodivertículos, e mantendo a fisiologia uretral(1).
Figura 1 – Radiograma de pelve mostrando lesão em uretra peniana (à esquerda) e bulbar (à direita).
Obtenção do enxerto Muitos tecidos podem ser utilizados na uretroplastia. Tanto enxertos livres quanto pediculados são utilizados atualmente para uretroplastia. Há ainda a possibilidade de usá-los tubularizados ou aplicá-los diretamente sobre o leito (técnica “onlay”)(3,4). Porém o seguimento de pacientes submetidos a reconstrução uretral com enxerto tubularizado e daqueles com enxerto “onlay” mostrou taxas de recorrência menores nos submetidos a esta última técnica, segundo Mundy (1995)(3).
A nutrição do enxerto é, inicialmente, feita por embebição e, em seguida, há neovascularização arterial. Espessura e permeabilidade do tecido transplantado são fatores importantes na viabilidade do enxerto, principalmente no estágio inicial. Os enxertos são muito vantajosos devido à mobilidade e capacidade de adaptação às condições da neo-uretra. Além disso, são mais fáceis de se obter, no entanto têm indicações limitadas no caso de região receptora pobre em vascularização, já que a nutrição dá-se difusão(5).
As melhores regiões doadoras de retalhos são a pele do prepúcio e a pele glabra do pênis(6). O uso de retalho é a melhor opção para o uretroplastia, já que se pode visualizar as condições de irrigação durante todo o procedimento(6,7). O transplante pediculado está bem indicado quando a região afetada não é bem vascularizada, como a uretra distal, e não ofereceria um bom suporte vascular ao enxerto(6). No entanto, não é sempre que há quantidade e qualidade de pele suficientes – circuncisados, cirurgias de hipospádia prévias, infecções – para a confecção do retalho e a mobilidade deste está restringida pelo seu pedículo(6,7).
Wessels e cols. mostraram em uma revisão da literatura que não há diferença estatística entre a taxa de sucesso de procedimentos com enxertos (mucosa bucal e vesical) e retalhos (pele prepucial e peniana), quando bem indicados(6). Após a popularização da técnica de Bargali (1995), que fixa o enxerto nos corpos cavernosos e oferece um leito mecanicamente estável e com melhor suporte sangüíneo, melhorou-se o resultado das reconstruções com enxerto(1).
Atualmente, o uso de mucosa bucal como enxerto, proposta por Burger e cols.(1992), vem mostrando resultados excelentes(8). É um local de fácil acesso e que não deixa cicatriz aparente; é elástico e resistente a tração e a infecções(8,9). Os principais sítios de doação da mucosa oral são lábio inferior e mucosa jugal (bochecha), estas utilizadas quando há necessidade de enxerto de maior área. Aponta como a melhor opção na uretroplastia da região bulbar(6,9,10) (Figura 2).
A mucosa vesical não demonstrou vantagens em relação a outros enxertos. É de difícil acesso, é muito frágil e está associada a índices significantes de morbidade devido a complicações, como estenose, prolapso e reação granulomatosa no meato. No entanto, ainda é uma opção para uretroplastia que não envolva o meato uretral(11).
A utilização de enxerto de túnica vaginal (extensão peritoneal), conforme o proposto por Calado e cols., mostrou-se uma técnica eficiente, com diminuição do tempo operatório, maior facilidade para obtenção do enxerto em relação ao de mucosa bucal, abundante quantidade de tecido na região doadora e a característica de transformar-se em epitélio semelhante ao do trato urinário(12,13).
Figura 2 – Obtenção do enxerto de mucosa bucal no lábio inferior.
Técnica cirúrgica
A técnica de Bargali foi descrita primeiramente para a correção de estenoses na uretra peniana e bulbar de diferentes etiologias.
Avaliação pré-operatória A avaliação pré-operatória de um paciente é feita com história clínica, exame físico, exames bioquímicos de urina, cultura de urina, ultra-sonografia vesical com medida do volume pós-miccional e uretrocistografia retrógrada. Reconstrução da uretra peniana Inicialmente é realizada incisão circunferencial subcoronal (ou dupla incisão para confecção de retalho de pele prepucial) para denudação do pênis. Em seguida a uretra é separada dos corpos cavernosos, rodada em 180° e a área estenosa é ressecada dorsalmente. O enxerto livre ou pediculado é, então, suturado aos corpos cavernosos com fio 6/0, após voltar a posição normal, às margens da uretra ressecada. Ao final do procedimento toda área do enxerto estará recoberta pela uretra. Reaproxima-se a pele peniana e uma sonda de Foley com calibre adequado é utilizada por 14 a 21 dias (Figura 3).
Reconstrução da uretra bulbar Inicia-se com incisão mediana períneo-escrotal; os músculos bulbo-cavernosos são separados, assim como a uretra dos corpos cavernosos. A uretra bulbar é rodada 180° e a superfície dorsal é completamente seccionada. O enxerto é, então, posicionado sobre os corpos cavernosos e suturado com fios 6/0. A margem direita da uretra é suturada a margem direita do enxerto, então se roda a uretra e se sutura a margem esquerda. Assim, o enxerto é recoberto pelo canal uretral e se passa uma sonda de Foley por 14 a 21 dias.
Ainda é controversa a escolha da melhor derivação urinária após o tratamento inicial. Conforme descrito acima, Bargali e cols. não utilizam cistostomia suprapúbica no pós-operatório de uretroplastia, apenas utilizam um cateter uretral, com intuito de diminuir a pressão intra-uretral sobre o tecido recém-anastomosado. Porém, alguns autores preferem utilizar a derivação suprapúbica, visando deixar a neo-uretra sem contato com urina para facilitar a cicatrização.
A uretroplastia com uso de transplantado “onlay” é também utilizada em muitas técnicas de correção de hipospádias, de diferente graus. Geralmente está associada a outros retalhos para a confecção da neo-uretra.
Figura 3 – Seqüência cirúrgica na uretroplastia peniana “onlay”.
Seguimento pós-operatório
O sucesso operatório depende do aparecimento da primeira complicação, quando um novo procedimento é necessário para correção do problema. Estudos mostram que a maioria das complicações ocorrem nos dois primeiros anos pós-operatórios, principalmente no primeiro ano. Portanto, um seguimento custo/efetivo para um procedimento livre de intercorrências não precisa superar dois anos.
Em alguns centros se preconiza a realização de uretrografia retrógrada na retirada da sonda de Foley para se certificar da ausência de vazamentos. Um protocolo de seguimento deveria ser realizado com retorno de três a quatro meses pós-operatório, após um ano, dois anos e cinco anos. Investigação de complicações com métodos invasivos de diagnósticos deve ser executada apenas nos casos em que há queixas sobre a qualidade da miccção. Uretrocistografia miccional e estudo urodinâmico são exames importantes para a investigação da integridade da uretroplastia.
Complicações
Segundo Bargali e cols., quase 100% dos pacientes submetidos a uretroplastia apresentam algum tipo de complicação no seguimento precoce, no entanto 73% apresentam evolução com sucesso a longo prazo(14,15). Fatores que interferem no resultado desse tipo de uretroplastia são idade do paciente, isquemia e área do tecido transplantado.
As complicações mais comuns são(16):
1. Hematoma; 2. Infecção do trato urinário; 3. Distúrbios urinários: obstrução uretral causada por estenose (infecção, rejeição do enxerto, divertículos), fístulas (deiscências, isquemia do retalho), falsa incontinência urinária (causada por megauretra ou divertículo); 4. Disfunção sexual: déficit ejaculatório (dilatação, divertículo ou esteno uretral), dificuldade de penetração quando há curvatura residual (nos casos de hipospádias, principalmente).
Resultados
Os resultados de diversos autores apontam taxas de sucesso significativamente maiores nas uretroplastias com aplicação de enxerto dorsal, por oferecer um leito com melhor suporte mecânico e vascular(1,17).
Tanto os retalhos pediculados quanto os livres apresentaram resultados excelentes nesta técnica(17,18). Porém, os enxertos livres parecem mais vantajosos por serem mais fáceis de se confeccionar, apresentarem maior disponibilidade e mobilidade(18). A utilização de mucosa bucal para reconstrução, com ótimos resultados, veio fortalecer a escolha deste tipo de transplante para a uretroplastia(19). Novos sítios doadores de tecido para o transplante estão sendo estudados, mostrando taxas de sucesso animadoras, como o enxerto de túnica vaginal proposto por Macedo e Calado (2005).
Apesar do grande desenvolvimento desta técnica reconstrutiva, ainda se observa altos índices de complicações. E isso impulsiona novas pesquisas em busca de uma técnica cirúrgica e um tecido a ser transplantado ideais.
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1. Barbagli G; Selli C; Tosto A; Palminteri E. Dorsal Free Graft. Urethroplasty J Urol;155:123, 1996. 2. Andrich DE, Leach CJ, Mundy AR. The Barbagli procedure gives the best results for patch urethroplasty of the bulbar urethra. 3. Mundy AR. The long-term results of skin inlay urethroplasty. Br J Urol 75:59, 1995. 4. TF Kolon, ET Gonzales JR. The dorsal inlay graft for hypospadias repair. J Urol 163:1941, 2000. 5. Iselin CE, Webster GD. Dorsal onlay graft urethroplasty for repair of bulbar urethral stricture J urol 161:815, 1999. 6. Wessells H, McAninch JW. Current controversies in anterior urethral stricture repair: free-graft versus pedicled skin-flap reconstruction. World J Urol 16:175, 1998. 7. Iselin CE, Webster GD. Dorsal onlay urethroplasty for urethral stricture repair. World J Urol 16:181, 1998. 8. Burger RA., Muller SC, El-Damanhoury H, Tschakaloff A, Riedmiller H, Hohenfellner R. The buccal mucosal graft for urethral reconstruction: a preliminary report. J Urol, 147:662, 1992. 9. Castañón M, Grande C, Muñoz ME, García A, Morales. Tratamiento de los hipospadias escrotales graves mediante uretroplastia tipo onlay con mucosa oral. L Cir Pediatr 12:90, 1999. 10. Bargali G. When and how to use buccal mucosa grafts in penile and bulbar urethroplasty. Minerva Urol Nefrol 56:189, 2004. 11. Macedo JR A, Srougi M. Hipospádias. Rev Ass Med Brasil 44: 41, 1998. 12. Calado AA, Macedo JR A, Delcelo R, Poli de Figueiredo LF, Ortiz V, Srougi M.the tunica vaginalis dorsal graft urethroplasty: experimental study in rabbits. J Urol 174:765, 2005. 13. Ritchey ML Ribbeck M successful use of tunica vaginalis grafts for treatment of severe penile chordee in children. J Urol 170:1574, 2003. 14. Barbagli G, Palminteri E, Lazzeri M, Turini D. Interim outcomes of dorsal skin graft bulbar urethroplasty. J Urol 172:1365; discussion 1367, 2004. 15. Barbagli G, Palminteri E, Rizzo M. Dorsal onlay graft urethroplasty using penile skin or buccal mucosa in adult bulbourethral strictures. J Urol 160:1307, 1998. 16. Pansadoro V, Emiliozzi P. Which urethroplasty for which results? J Urol 17. Andrich DE, Leach CJ, Mundy AR. The Barbagli procedure gives the best results for patch urethroplasty of the bulbar urethra. BJU International 88:385, 2001. 18. Andrich D, Mundy AR. Substitution urethroplasty with buccal mucosal-free grafts. J Urol 165:1131, 2001. 19. Duckett JW, Coplen D, Ewalt D, et al. Buccal mucosa urethral replacement. J Urol 153:1660, 1995. |