Revistas Fase R003 Id Materia 3204






Revisão
Incisões na facoemulsificação
Jair Giampani Jr.
Pós-graduando nível Doutorado da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Numeração de páginas na revista impresa: 25 à 27

Uma das premissas básicas para o sucesso de toda e qualquer cirurgia é a realização adequada de cada um dos seus tempos.

Não obstante, é na facoemulsificação que esta máxima se faz realidade em toda a sua plenitude; sendo a incisão um dos passos iniciais desse procedimento, qualquer erro na sua confecção irá dificultar os demais passos cirúrgicos em um assim chamado “efeito cascata”.

Deste modo, uma incisão demasiadamente extensa causará vazamento constante de solução balanceada durante o ato cirúrgico. Ao contrário, incisões “apertadas” predispõem às queimaduras térmicas esclerocorneanas.

As incisões auto-selantes corneanas realizadas atualmente foram inicialmente descritas por McFarland, em 1990, e trouxeram grandes vantagens para a facoemulsificação:

· Menor vazamento intra-operatório;
· Permitem uma abordagem corneana temporal, com conseqüente menor alteração topográfica, pois o eixo visual normal é deslocado nasalmente;
· Eliminam muitas vezes a necessidade da sutura.

Podemos dividir anatomicamente as incisões em:

· Incisões esclerocorneanas;
· Incisões corneanas: límbicas, justalímbicas (também denominadas “near clear”) e em córnea clara (ou “clear cornea”).

As incisões corneanas trazem como vantagens a redução do tempo cirúrgico (pois não são necessárias a peritomia e hemostasia) e a possibilidade de sua realização em pacientes anticoagulados e portadores de vesículas filtrantes. Além disso, a abordagem corneana permite a realização da facoemulsificação sob anestesia tópica.

Porém, tais incisões devem ser reservadas preferencialmente para os casos em que serão utilizadas lentes dobráveis, já que aberturas corneanas extensas causam importantes alterações topográficas. Sua extensão mínima dependerá exclusivamente do tipo de ponteira a ser utilizada (2,75 mm, 3,2 mm etc.).

Eventualmente, lentes não dobráveis com 5,2 mm de zona óptica poderão ser utilizadas; nestes casos aconselhamos a realização de ao menos um ponto de sutura, mesmo em se tratando de uma incisão auto-selante.

A partir de agora demonstraremos uma sugestão de como proceder a transição da cirurgia extracapsular para a facoemulsificação propriamente dita do ponto de vista incisional. É claro que muitos se sentirão encorajados em abolir determinados passos desta transição. Porém, mais importante até que o domínio da técnica é o entendimento do raciocínio envolvido em cada passo.

Incisão principal

a. Incisão esclerocorneana básica
Esta é uma incisão bastante interessante para aqueles que se iniciam na facoemulsificação. Possui dois componentes básicos: um escleral localizado 0,5-1,0 mm posterior ao limbo superior, no qual se objetiva incisar aproximadamente meia espessura da esclera, e um segundo esclerocorneano, que perfaz um plano único até a entrada na câmara anterior. Pode ser ela paralela ao limbo ou retilínea (Figura 1).


Figura 1 – Incisão esclerocorneana básica.

Por sua proximidade do limbo, esta incisão facilita a manipulação da caneta de facoemulsificação no interior do globo ocular, já que há uma menor quantidade de tecidos pressionando o topo da ponteira. Porém, esta mesma proximidade do limbo é causa potencial de astigmatismo induzido no pós-operatório.

Além disso, esta incisão não é auto-selante e a realização de sutura, seja ela radial ou paralela, é mandatória, mesmo quando se utilizam lentes dobráveis em aberturas tão pequenas quanto 3,0 mm.

b. Incisão esclerocorneana intermediária
Nesta incisão, idealizada por Richard Kratz, há um menor astigmatismo induzido, já que ela está localizada mais posteriormente ao limbo, idealmente entre 1 e 2 mm (Figura 2).



Figura 2 – Incisão esclerocorneana intermediária.

Deste modo, a presença de um túnel escleral mais longo poderá trazer certas dificuldades para os iniciantes, não só durante a facoemulsificação, mas também quando do implante da lente intra-ocular.

Mais uma vez, por não se tratar também de uma incisão valvulada, a sutura se faz necessária.

c. Incisão valvulada
Esta é atualmente a incisão mais utilizada pelos cirurgiões de facoemulsificação, podendo ser realizada em nível escleral ou corneano. Porém, aconselhamos aos neófitos, iniciar-se na incisão valvulada esclerocorneana para somente depois realizá-la em nível corneano. Isto por que a conversão de uma facoemulsificação em cirurgia extracapsular é muito mais trabalhosa caso estejamos frente a uma incisão corneana.

A incisão valvulada esclerocorneana compreende três passos:

· Um inicial escleral, que pode ser curvilíneo ou retilíneo;
· Um túnel escleral;
· Um túnel corneano intra-estromal, que deve ser confeccionado previamente à entrada na câmara anterior. Para sua obtenção, retifica-se a lâmina de bisturi em um trajeto paralelo ao estroma corneano. É este túnel que criará o mecanismo tipo “dobradiça” que garantirá a característica auto-selante da incisão (Figura 3).

Na incisão valvulada corneana o plano inicial é realizado sobre os vasos límbicos (no caso da incisão “near clear”) ou imediatamente anterior a eles (“clear cornea”). O túnel intra-estromal corneano é de confecção idêntica à descrita anteriormente.


Figura 3 – Incisão esclerocorneana valvulada.


Figura 4 – Incisão auxiliar.

Incisão auxiliar ou “side port”

A incisão auxiliar é uma paracentese realizada imediatamente anterior aos vasos límbicos, situada entre 70° e 90° da incisão principal (Figura 4). As lâminas 30° facilitam a sua confecção .

A abertura interna deve estender-se por aproximadamente 1 mm e a externa 1,5 mm. O trajeto desde a abertura externa até a interna deve ser paralelo ao plano da íris, o que garantirá um aspecto auto-selante ao final da cirurgia.

Através da incisão auxiliar podemos:

· Acessar a câmara anterior durante a hidrodissecção;
· Estabilizar o globo ocular;
· Utilizar instrumentos auxiliares como espátulas, “chopper”, manipuladores de núcleo e lente intra-ocular, retratores de íris;
· Aspirar massas corticais de difícil abordagem pela incisão principal.

Uma incisão auxiliar ideal não requer sutura ao final da cirurgia.

Corrigindo o astigmatismo pré-operatório: cirurgia facorrefrativa

O advento da facoemulsificação e das lentes dobráveis permitiu não apenas uma redução do astigmatismo induzido no pós-operatório, mas também a possibilidade de se corrigir aberrações ceratométricas pré-operatórias.

Pequenos astigmatismos podem ser corrigidos na sua plenitude simplesmente posicionando-se a incisão principal no meridiano corneano mais curvo. Deste modo, através de uma incisão corneana auto-selante, estaremos causando um aplanamento da maior curvatura corneana, de maneira muito semelhante ao que se fazia no passado com as incisões arqueadas.

Porém, astigmatismos maiores que duas dioptrias dificilmente são corrigidos por esta abordagem. Nestes casos, podemos optar pela associação de uma incisão arqueada à técnica já descrita ou mesmo partirmos para a utilização de uma incisão esclerocorneana com implante de lente não dobrável. Assim, através do controle de tensão da sutura poderemos, ainda que de maneira mais grosseira, reduzir as assimetrias da superfície corneana.

Com a crescente informação dos pacientes sobre as diferentes modalidades cirúrgicas, não é incomum sermos questionados sobre qual técnica empregamos, se utilizamos ou não lentes dobráveis e se há como abolirmos definitivamente o óculos no pós-operatório.

Por essas e outras razões, é essencial mantermos o paciente sempre informado sobre as possibilidades de sucesso e insucesso do método, sob risco de tombarmos diante das falsas expectativas criadas por nós mesmos.




Bibliografia
1. Mastering phacoemulsification: a simplified manual of strategies for the spring, crack and stop and chop technique. Koch, PS. Slack, 1994, quarta edição.
2. Phacoemulsification: principles and techniques. Buratto, L. Slack, 1998.