Revistas Fase R003 Id Materia 2972






Tópicos em Epidemiologia
Aspectos epidemiológicos do infarto agudo do miocárdio no Brasil
Epidemiologic aspects of myocardial infarction in Brazil


Álvaro Avezum
Hélio Penna Guimarães
Otávio Berwanger
Leopoldo Piegas
Divisão de Pesquisa – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo – SP.
Endereço para para correspondência: Av. Dante Pazzanese, 500 – CEP 04012-909 -São Paulo – SP – E-mail: avezum@yahoo.com
Recebido para publicação em 04/2005. Aceito em 05/2005.

Unitermos: infarto agudo do miocárdio, epidemiologia.
Unterms: myocardial infarction, epidemiology.

Numeração de páginas na revista impressa: 93 à 96

As doenças cardiovasculares, principalmente o infarto agudo do miocárdio (IAM), representam a principal causa de mortalidade e incapacidade no Brasil e no mundo(1-3) e o seu crescimento acelerado em países em desenvolvimento representa uma das questões de saúde pública mais relevantes da atualidade(4).

IAM NO BRASIL E NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

No Brasil, a exemplo do mundo, o IAM possui alto impacto em termos de mortalidade e número de hospitalizações, resultado extensivo ao município de São Paulo.

Brasil
No período de 1995 a 2003 houve aumento de 45,7% no número de internações por infarto do miocárdio, no Brasil (de 35.069 para 51.087, SIH, DATASUS – www.datasus.gov.br) (Figura 1). No mesmo período, observou-se redução de 1% na taxa de mortalidade por infarto agudo do miocárdio nos hospitais do SUS, conforme é demonstrado na Figura 2. Vale lembrar que cerca de 50% dos óbitos masculinos por doença arterial coronariana (DAC) ocorrem na faixa etária abaixo de 65 anos, enquanto em outros países (Estados Unidos da América do Norte, Cuba e Inglaterra) essa proporção se encontra em torno de 25%(5).

No período de 2000 a 2003, houve aumento no número de internações por IM em todas as regiões do Brasil (Figura 3).

Município de São Paulo
No município de São Paulo, apesar do declínio da mortalidade por DAC e pelas doenças cerebrovasculares (DCV), a partir de meados da década de 70 as DCV, relacionadas à aterosclerose, ainda representam o principal grupo de causas de óbito no Estado, como nos países desenvolvidos(6-9). Nos últimos cem anos houve declínio da mortalidade geral no Estado de São Paulo de 17,5% para 6,81%. Se analisarmos especificamente o triênio 2000 a 2002, as doenças isquêmicas do coração (DIC) foram as principais causadoras de mortalidade em todas as faixas etárias, entre os homens, enquanto que as DCV ocuparam a primeira posição entre as mulheres, na faixa etária dos 35 aos 59 anos. Nas demais faixas etárias as DIC também foram as principais responsáveis pelos óbitos no sexo feminino (Fundação SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados – www.seade.gov.br). Ao se comparar a evolução das taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório (DIC e DCV), no Estado de São Paulo, entre homens, na faixa etária de 35 a 59 anos, observa-se redução significativa da mortalidade por estas causas no período de 1980 a 2002 (Fundação SEADE -Sistema Estadual de Análise de Dados – www.seade.gov.br) (Figura 3).

FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR PARA IAM NA POPULAÇÃO BRASILEIRA

O conhecimento sobre fatores de risco para DCV ou DAC provém de estudos realizados em países desenvolvidos da América do Norte e Europa Ocidental. Não é, portanto, totalmente seguro, nem perfeitamente aceitável, fazer extrapolações para a população brasileira dos resultados obtidos primariamente nesses países. Não só a prevalência dos fatores de risco pode diferir significativamente, como também o impacto de cada fator em uma determinada população pode ser drasticamente diferente. Adicionalmente, os fatores protetores para DAC podem ser diferentes, promovendo, assim, impactos não clinicamente similares.

Depreende-se, do exposto, que qualquer política de saúde, atendendo o ponto de vista individual, institucional ou governamental, deve ser baseada, preferencialmente, em dados obtidos na população local.

O Brasil, a despeito da condição de país em desenvolvimento, demonstra progressiva redução das doenças infecciosas e degenerativas com acentuação das doenças cardiovasculares associadas ao aumento da expectativa de vida aliado à ingestão de dietas ricas em gorduras saturadas, tabagismo e estilo de vida sedentário. A identificação dos fatores de risco peculiares a cada população e seu adequado controle, indubitavelmente, reduz a morbimortalidade das doenças cardiovasculares. Os fatores de risco no Brasil até bem pouco tempo permaneciam pouco e inapropriadamente avaliados e com freqüência a extrapolação de dados norte-americanos e europeus era feita para população brasileira, desconsiderando a relevante influência que a suscetibilidade genética e fatores comportamentais peculiares a cada população, pode ter sobre o processo ateroesclerótico.


Figura 1 – Óbitos e internações por IAM no Brasil no período 1995-2003.


Figura 2 – Internações por IAM entre 2000-2003 de acordo com as diferentes regiões.


Figura 3 – Evolução das taxas de mortalidade para homens de 35 a 59 anos segundo as principais causas (Fonte: Fundação Seade).


Figura 4 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com tabagismo.

Uma das mais importantes evidências a estudar a associação entre fatores de risco e IAM em nosso meio foi o estudo “Avaliação dos Fatores de Risco para Infarto Agudo do Miocárdio no Brasil (AFIRMAR)”(10). Esse foi um estudo caso-controle, hospital baseado, desenhado para avaliar a associação de fatores de risco tradicionais e primeiro infarto na população brasileira; o estudo foi conduzido entre outubro de 1997 e novembro de 2000, envolvendo 104 hospitais em 51 cidades e incluiu pacientes nas primeiras 24 horas com IAM com elevação do segmento ST; os controles foram selecionados a partir de pacientes atendidos no mesmo período para rotinas de visita, check-ups ou hospitalizações eletivas, sem doença cardiovascular previamente conhecida. Preencheram critérios de inclusão 2.558 pacientes, constituindo 1.279 pares: a análise multivariada de 33 variáveis demonstrou os seguintes fatores como de risco independente para IAM: tabagismo ³ 5 cigarros/dia (OR 4,90, p<0,00001) e < 5 cigarros/dia (OR 2,07, P<0,0171); glicemia ³ 126 mg/dl (OR 2,82, P<0,0001), índice cintura-quadril ³ 0,94 (OR 2,45, P<0,00001), história familiar de DAC (OR 2,29, P<0,00001), colesterol fração LDL 100 a 120 mg/dl (OR 2,10, P<0,00001) ou > 120 md/dl (OR 1,75, P<0,00001), hipertensão arterial (OR 2,09, P<0,00001) ou diabetes mellitus (OR 1,70, P<0,0069), ingesta de bebidas alcoólicas (até duas vezes por semana) (OR 0,75, p<0,0309) e entre três e sete dias (OR 0,60, P<0,0085), renda familiar entre R$ 600 e 1200,00 e grau de instrução (OR 2,92, P<0,0499) e >R$ 1.200,00 e grau de instrução (OR 0,68, P<0,0239). Na Figuras 4 a 10 são apresentados em detalhes os achados mais importantes do Estudo AFIRMAR. Esses dados denotam que os riscos independentes para IAM no Brasil apresentam distribuição convencional (tabagismo, diabetes, obesidade sobre outros) com diferentes forças de associação; a maioria pode ser prevenida pela implementação de adequadas políticas de prevenção.


Figura 5 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com obesidade abdominal (relação cintura-quadril).


Figura 6 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com antecedente de hipertensão arterial sistêmica.


Figura 7 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com nível sérico de LDL-colesterol.

IMPLICAÇÕES PARA PRÁTICA CLÍNICA E POLÍTICAS DE SAÚDE

Os objetivos da prevenção em pacientes com DAC, como também em indivíduos de alto risco, envolvem os mesmos princípios: redução do risco de eventos isquêmicos clinicamente relevantes, com conseqüente diminuição da mortalidade e da incapacitação prematuras e prolongamento da sobrevida. Como a DAC é multifatorial em sua origem, torna-se importante estimar o risco absoluto do indivíduo (risco de desenvolver DAC fatal ou não fatal durante os próximos 10 anos) por meio da presença dos fatores de risco. Os indivíduos com maior risco multifatorial devem ser identificados e selecionados para intervenções de estilo de vida e, quando apropriado, para intervenções farmacológicas. As ações em cardiologia preventiva devem ser baseadas na prevalência e nas taxas de mortalidade da doença em questão. Dentro desse contexto, existe uma condição extremamente prevalente, o IAM, que figura como principal causa de mortalidade na população de São Paulo. Conseqüentemente, a diminuição do ônus da DAC, particularmente do IAM, poderia ser iniciada pela redução dos fatores de risco que, comprovada e independentemente, estejam associados com a ocorrência do mesmo. Evidências como o estudo AFIRMAR são fundamentais para o estabelecimento de políticas de saúde preventivas no Brasil e na região metropolitana de São Paulo, tanto no que se refere às estratégias populacionais como à prática clínica diária. Com base nos dados obtidos, as ações preventivas promotoras de saúde cardiovascular podem ser hierarquizadas.


Figura 8 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com antecedente de diabetes mellitus.


Figura 9 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com história familiar de insuficiência coronariana.


Figura 10 – Risco de infarto agudo do miocárdio associado com nível sérico de HDL-colesterol.

No que se refere às forças de associação, ou potência, dos fatores de risco avaliados, seria possível sugerir a hierarquização eficiente da designação de recursos, ou seja, o fator de risco com maior potência e prevalência mereceria a alocação prioritária dos recursos de prevenção. A designação prioritária ou hierarquizada se baseia no fato de que os recursos a serem destinados na área de saúde são finitos ou escassos e, portanto, fatalmente, escolhas devem ser feitas. Por outro lado, existe a possibilidade, no âmbito da Saúde Pública, de que os fatores identificados possam receber intervenções de maneira simultânea, pois o núcleo dessa ação envolve a promoção de saúde cardiovascular global.

Programas de prevenção de fatores de risco, incluindo abordagens economicamente atrativas, são intervenções factíveis e custo-efetivas para a redução da mortalidade e da incapacitação. Existe um potencial substancial para aplicação de desenvolvimentos científicos oriundos da pesquisa epidemiológica e clínica, como também de avanços tecnológicos, para prevenção e tratamento da DCV. A partir dos resultados das evidências disponíveis é possível direcionar políticas em cardiologia preventiva, visando à redução da incidência de IAM e de suas conseqüências de morbidade e mortalidade, por meio do controle efetivo dos fatores de risco identificados.




Bibliografia
1. Murray CJL., Lopez AD. The global burden of disease: a comprehensive assessmentof mortality and disability from disease, injuries and risk factors in 1990 and projected to USA. Harvard School of Health, 1996.
2. Murray, C.J.L.; Lopez, A.D. The Global Burden of disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from disease, injuries and risk factors in 1990 and projected to 2020. USA. Harvard School of Health, 1996.
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4. Whelton, P.K.; Brancati, F.L.; Appel, L.J.; Klag, M.J. The challenge of hypertension and atherosclerotic cardiovascular disease in economically developing countries. High Blood Press 1995; 4:36-45.
5. 5. Murray, C.J.L.; Lopez, A.D. Global comparative assessment in the health sector. Geneva,Switzerland. World Health Organization, 1994.
6. Lolio, C.A.; Laurenti, R. Evolução da mortalidade por doença isquêmica do coração nomunicípio de São Paulo, 1970 a 1981. Arq. Bras. Cardiol 1986; 46: 153.
7. Lolio, C.A.; Laurenti, R. Tendência da mortalidade por doenças cerebrovasculares em adultos maiores de 20 anos de idade no município de São Paulo (Brasil), 1950 a 1981. Rev. Saúde Públ 1986; 20:342.
8. Lolio, C.A.; Souza, J.M.P.; Laurenti, R. Decline in cardiovascular disease mortality in the city of São Paulo, brazil, 1970 to 1983. Rev. Saúde Públ 1986; 29:454.
9. Uemura, K.; Pisa, Z. Recent trends in cardiovascular disease mortality in 27 industrialized countries. Wld. Hlth. Stat. Quart 1971; 38:1617-25.
10. Piegas LS, Avezum A, Pereira JCR, Rossi Neto JM, Hoepfner C, Farran JA, Ramos RF, Timerman A, Esteves JP on behalf of the AFIRMAR study investigators. Risk factors for myocardial infarction in Brazil. Am Heart J 2003; 146:331-8.