Numeração de páginas na revista impressa: 59 à 62
RESUMO
Espondilodiscite ou espondilite se referem a inflamação e/ou processo infeccioso do disco vertebral e dos corpos vertebrais adjacentes. As vértebras lombares são as mais freqüentemente acometidas (45%), seguidas pelas vértebras torácicas (35%).
As manifestações clínicas podem ser agudas ou subagudas, dependendo da agressividade do microrganismo, da resposta imunológica e da idade do hospedeiro. Pode ocorrer demora entre os sintomas iniciais e o diagnóstico. Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Streptococcus bovis, Streptococcus sanguis, Streptococcus pyogenes e Enterococcus faecalis são os patógenos mais comuns. A infecção se dissemina mais freqüentemente por via hematogênica, podendo ser proveniente do trato urinário ou de sítio pélvico como nas prostatites.
Hemoculturas podem determinar o agente, porém podem ser negativas. Biópsia percutânea óssea pode ser utilizada para o diagnóstico e para fornecer material para cultura se a hemocultura for negativa.
A incidência da espondilite é maior em adultos acima dos 50 anos. Fatores de risco incluem câncer, diabetes e uso de corticóide.
Introdução
Espondilodiscite ou espondilite é a infecção do disco intervertebral e dos corpos vertebrais adjacentes. Entre as vértebras, as mais acometidas são as lombares (45%), seguidas pelas torácicas (35%)(1). Pacientes típicos estão entre os 50 e 60 anos de idade e referem hipersensibilidade dolorosa nos segmentos afetados. Devido à inespecificidade dos aspectos clínicos e ao aparecimento tardio dos sinais radiológicos, o diagnóstico nem sempre é fácil. O início das manifestações clínicas pode ser abrupto ou tardio, dependendo da agressividade do microrganismo, da resposta imunológica e da idade do paciente. Co-morbidades como câncer, diabetes, insuficiência renal e hepática e uso de corticosteróide podem predispor a espondilodiscite(2,3).
O Mycobacterium tuberculosis é um agente freqüentemente isolado em casos de espondilodiscite. Nesses pacientes não é raro encontramos manifestações pulmonares de tuberculose. Excluindo-se o M. tuberculosis, os agentes etiológicos que mais freqüentemente acometem os adultos são: bacilos gram-negativos, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Streptococcus bovis, Streptococcus sanguis, Streptococcus pyogenes e Enterococcus faecalis(4). A infecção pode chegar às vértebras por contigüidade ou pela via hematogênica. Quando a disseminação ocorre pela via hematogênica, pode ser proveniente, por exemplo, do: trato urinário, próstata, endocárdio e pele. O uso de drogas injetáveis também pode, ao ocorrer contaminação bacteriana no local da punção, ocasionar infecções das vértebras(4). Quando não for possível a identificação do agente causal por hemocultura, poderá ser utilizada a biópsia percutânea controlada por tomografia computadorizada, método atualmente pouco invasivo e que permite determinar a bactéria causadora do quadro infeccioso.
Figura 1 – RNM em STIR.
Figura 2 – RNM em T2.
Relato do caso
Mulher parda com 54 anos, natural do Rio de Janeiro, apresentando diabetes e hipertensão arterial sistêmica diagnosticadas há 15 anos foi admitida na 8ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro com quadro de poliúria e dor lombar iniciada sete dias antes da sua hospitalização. Esta última era contínua com irradiação para os membros inferiores e se agravava aos esforços de sentar e levantar e melhorava com o uso de AINEs. Nas 24 horas anteriores a sua internação houve intensificação do quadro doloroso e associação com diarréia e incontinência fecal. Apresentou concomitantemente febre, cefaléia e fadiga. Na história patológica pregressa referiu repetidas infecções do trato urinário.
O exame físico revelou paciente febril, com freqüência cardíaca de 91 bpm e pressão arterial de 150×80 mmHg. Aparelhos cardiovascular, respiratório e abdome sem alterações. Apresentava dor à palpação de corpos vertebrais lombares, sem sinais cutâneos de infecção. No exame neurológico, apresentou alteração de propriocepção e posição segmentar, hipoestesia e hipoalgesia em ambos os pés e diminuição da sensibilidade nas pernas.
Os exames inicialmente realizados mostraram hemoglobina (Hgb) 10.3g/dl, hematócrito (Hct) 29,20%, leucócitos 11.000/mm³ com 1.100/mm3 (10%) bastões e 7.040/mm3 (64%) de segmentados, velocidade de hemossedimentação (VHS) 98 mm, fosfatase alcalina (FA) 423 U/L com limite superior de normalidade (LSN) de 300 U/L e gama-glutamil-transferase (GGT) 230 U/L com LSN de 32 U/L.
A ressonância nuclear magnética (RNM) mostrou espondilodiscite em segmentos vertebrais de L5 e S1 com aracnoidite, coleções epidurais que se estendiam de L3 a S3 e espondilodiscopatia degenerativa incipiente (Figuras 1 e 2). A RNM feita 41 dias após a primeira mostrou espondilodiscite de L5-S1 com coleção epidural envolvendo as raízes neurais de L5 a S2 com redução da coleção epidural em relação à primeira. Além disso, apresentou alteração degenerativa da coluna lombar (Figuras 3 e 4).
Em relação a antibioterapia, foi iniciada ciprofloxacina 200 mg (100 ml) intravenoso (IV) 12/12 h, sendo em seguida substituída por oxacilina 3g IV 6/6 h. Após 29 dias, foi adicionada rifampicina 300 mg via oral (VO) 6/6h. Com relação a disfunção esfincteriana (incontinência fecal) houve melhora desta sintomatologia após 44 dias de internação com o uso de baclofeno 15 mg/dia. Nesta mesma data houve melhora do quadro de algesia em região lombar e início de transtorno depressivo, apesar de ter sido acompanhada durante toda a sua internação pelo Serviço de Psiquiatria/Psicologia. Com relação a doença psiquiátrica, esta foi resolvida com amitriptilina 25 mg/dia. Após 60 dias de hospitalização recebeu alta com remissão completa do quadro infeccioso e demais queixas. Os exames laboratoriais também mostraram melhoras significativas com relação a infecção Hgb (10.3g/dl ® 10.4g/dl), Hct (29.20% ® 30.20%), leucócitos (11.000/mm³ ® 5.900/mm³), bastões (1.100/mm³ 10% ® 117/mm³ 3%), segmentados (7.040/mm³ 64% ® 3.599/mm³ 61%) e VHS (98 mm ® 68 mm). Ao receber alta, a paciente foi encaminhada ao Ambulatório de Neurologia, Endocrinologia, Hepatologia e Nutrição.
Figura 3 – RNM sem contraste.
Figura 4 – RNM com contraste.
Discussão
Pela história, imagens radiológicas e evolução clínica foi possível a exclusão de fratura ou tumor e definição de quadro infeccioso acometendo as vértebras lombares e sacrais. Em face do desconhecimento do agente etiológico, optou-se, como conduta inicial, pelo uso de antibioterapia de amplo espectro (ciprofloxacina). De acordo com o resultado da hemocultura, indicando Staphylococcus aureus como agente etiológico do processo infeccioso, foi iniciada oxacilina. Em seguida, adicionou-se rifampicina, já que esta produz resultados promissores nas infecções ocasionadas pela bactéria indicada como causadora do quadro infeccioso, conforme sugerido por alguns autores(5,6). No paciente em questão houve melhora com o uso da oxacilina, entretanto como esta não foi completa optou-se pelo início de rifampicina associada a oxacilina. Com esse esquema, obtivemos melhora completa.
A disfunção esfincteriana apresentou melhora com o uso de baclofeno, apesar da medicação agir como relaxante muscular. Desta forma, acreditamos que a melhora ocorreu com a evolução clínica da paciente, sendo ocasional o bom resultado associado a medicação. Com relação as alterações radiológicas da coluna vertebral, identifica-se, normalmente, padrão osteolítico. Segundo Espada et al.(1), essas alterações surgem de dois a vários meses após a sintomatologia. No caso relatado não foram verificadas alterações osteolíticas, as quais, de acordo com a literatura, poderiam surgir posteriormente. Assim sendo o uso de outras formas de investigação por imagem como a RNM devem ser utilizadas. O diagnóstico foi definido com auxílio deste método, cuja sensibilidade e especificidade são superiores a 90% no diagnóstico de espondilite.
A paciente em questão, ao apresentar 11.000 leucócitos com desvio para esquerda e febre se distanciou dos casos relatados na literatura, nos quais não se verifica, normalmente leucocitose e febre. Entretanto, em relação à velocidade de hemossedimentação (VHS) a elevação encontrada em nossa paciente foi semelhante a descrita em outros casos(1).
O tratamento cirúrgico é reservado para pacientes com sinais neurológicos de compressão da medula espinhal e com infecção persistente, o que foi descartado após a melhora clínica do paciente com o tratamento medicamentoso.
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