Influência do tratamento de mulheres menopausadas com extrato radicular seco de Cimicifuga racemosa sobre a glicemia e o lipidograma |
Influence of the treatment of menopausal women with dry root extract of Cimicifuga racemosa on glycemia, and lipid profile |
Ceci Mendes Carvalho Lopes Clice Aparecida Celestino Sylvia Asaka Yamashita Hayashida Hans Wolfgang Halbe Marcelo Gennari Boratto |
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. |
Marcelo Afonso Gonçalves Rubens Brocco Dolce |
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. |
Recebido para publicação em 03/2005. Aceito em 04/2005. |
Unitermos: Cimicifuga racemosa, actéia, menopausa, glicemia, colesterol, HDL-colesterol, triglicerídeos. |
Unterms: Cimicifuga racemosa, acthea, menopause, glycemia, cholesterol, HDL-cholesterol, tryglicerides. |
|
Sumário Objetivo – Avaliar o efeito do extrato radicular seco de C. racemosa sobre a glicemia e o lipidograma em mulheres menopausadas. Local – Ambulatório de Ginecologia e Climatério, Clínica Ginecológica, ICHC, FMUSP. Natureza do estudo – Estudo comparativo, aleatório, duplo-cego e placebo-controlado. Método – As mulheres foram randomizadas para receber de modo contínuo por via oral o extrato radicular seco de C. racemosa (80 mg/dia) ou placebo durante 180 dias. Após o tratamento cada mulher (grupo Cimicifuga n=33 e grupo placebo n=28) recebeu durante 14 dias por via oral 10mg/dia de acetato de medroxiprogesterona, exceto em pacientes histerectomizadas. Parâmetros de estudo – Amostras de sangue em jejum foram analisadas nas visitas 1 (basal), 2 (aos 90 dias) e 3 (aos 180 dias) para colesterol total, HDL e LDL-colesterol, triglicerídeos e glicemia. Resultados – Não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação ao colesterol total, LDL-colesterol e glicemia. Houve diminuição pequena, mas significativa (2,7 mg/dL) para o HDL-colesterol no grupo Cimicifuga (p=0,03), mas não no grupo placebo (p=0,31). Houve aumento progressivo de triglicerídeos (14,0 mg/dL) da visita 2 para visita 3 no grupo Cimicifuga (p=0,03), mas não no grupo placebo. Conclusões – O extrato radicular seco de C. racemosa aparentemente induz um aumento dos triglicerídeos e uma diminuição do HDL-colesterol em mulheres menopausadas, efeitos que poderiam ser próprios de atividades co-estrogênica e antiestrogênica, respectivamente, sobre o perfil lipídico. |
Sumary Objective – To assess the effect of the dry root extract of C. racemosa on glycemia and lipid profile in postmenopausal women. Setting – Gynecological Endocrinology and Menopause Unit, Gynecological Clinic, Faculty of Medicine, University of São Paulo, São Paulo, Brazil. Design – Comparative, randomized, double-blind, and placebo-controlled study. Method – The women were randomized to receive per os continuous dry root extract of C. racemosa (80 mg/day) or placebo during 180 days. After the treatment each woman (Cimicifuga group n=33, and Placebo group n=28) received per os medroxyprogesterone acetate (10 mg/day), except in case of hysterectomy. Main outcome measures – Fasting blood samples were analyzed at visits 1 (basal), 2 (at 90 days), and 3 (at 180 days) for total cholesterol, HDL and LDL-cholesterol, triglycerides, and glycemia. Results – There were no significant differences between the 2 groups for total cholesterol, LDL-cholesterol, and glycemia. There was a small but significant decrease (2.7 mg/dL) for HDL-cholesterol in the Cimicifuga group (p=0.03) but not in the Placebo group (p=0.31). There was a progressive mean increase of triglycerides (14.0 mg/dL) from visit 2 to visit 3 in the Cimicifuga group (p=0.03) but not in the Placebo group. Conclusions – The dry root extract of C. racemosa apparently induces an increase of triglycerides and a decrease of HDL-cholesterol in postmenopausal women, effects that could be compatible with co-estrogenic and antiestrogenic activities, respectively, on the lipid profile. |
Numeração de páginas na revista impressa: 63 à 67 Resumo Objetivo – Avaliar o efeito do extrato radicular seco de C. racemosa sobre a glicemia e o lipidograma em mulheres menopausadas. Local – Ambulatório de Ginecologia e Climatério, Clínica Ginecológica, ICHC, FMUSP. Natureza do estudo – Estudo comparativo, aleatório, duplo-cego e placebo-controlado. Método – As mulheres foram randomizadas para receber de modo contínuo por via oral o extrato radicular seco de C. racemosa (80 mg/dia) ou placebo durante 180 dias. Após o tratamento cada mulher (grupo Cimicifuga n=33 e grupo placebo n=28) recebeu durante 14 dias por via oral 10mg/dia de acetato de medroxiprogesterona, exceto em pacientes histerectomizadas. Parâmetros de estudo – Amostras de sangue em jejum foram analisadas nas visitas 1 (basal), 2 (aos 90 dias) e 3 (aos 180 dias) para colesterol total, HDL e LDL-colesterol, triglicerídeos e glicemia. Resultados – Não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação ao colesterol total, LDL-colesterol e glicemia. Houve diminuição pequena, mas significativa (2,7 mg/dL) para o HDL-colesterol no grupo Cimicifuga (p=0,03), mas não no grupo placebo (p=0,31). Houve aumento progressivo de triglicerídeos (14,0 mg/dL) da visita 2 para visita 3 no grupo Cimicifuga (p=0,03), mas não no grupo placebo. Conclusões – O extrato radicular seco de C. racemosa aparentemente induz um aumento dos triglicerídeos e uma diminuição do HDL-colesterol em mulheres menopausadas, efeitos que poderiam ser próprios de atividades co-estrogênica e antiestrogênica, respectivamente, sobre o perfil lipídico. ————————— O extrato radicular da actéia (Cimicífuga racemosa, black cohosh), utilizado pelas populações indígenas norte-americanas como poção medicinal, foi incluída na farmacopéia dos USA em 1820, ali permanecendo inserida até 1926, quando as autoridades sanitárias decidiram depurar o seu conteúdo. Desde os anos 50 despertou o interesse dos médicos alemães e ingleses que passaram a estudá-lo com maior profundidade, sendo o extrato atualmente aprovado na Alemanha e no Reino Unido para tratamento da síndrome pré-menstrual, da dismenorréia e de distúrbios menopausais(8,9). Além disso, o fitoterápico também tem sido utilizado no tratamento de dispepsia, depressão e ansiedade(11,16). Os constituintes químicos do extrato compreendem os ácidos salicílico e tânico, os triterpenóides do tipo cicloartenol (acteína, 23-epi-27-deoxiacteína ou 26-deoxiacteína), cimicifugosido e derivados do ácido cinâmico (ácidos ferúlico e isoferúlico, e ésteres dos ácidos piscídico e fukiíco)(2). Embora a formononetina, uma isoflavona, tenha sido descrita como constituinte químico da C. racemosa, mas não detectada nos extratos alcoólicos da raiz, alguns triterpenóides presentes no extrato têm sido considerados precursores in vivo de esteróides(19,20). Essa hipótese é reforçada pelo surgimento da hiperplasia de endométrio em algumas mulheres usuárias do extrato sem a utilização subseqüente de progestógenos(18). Apesar de alguns estudos mais recentes questionarem a ação hormonal do extrato e defenderem a idéia de que o seu efeito seria devido a mecanismo não hormonal(7,9,18), outros estudos reforçam a natureza hormonal dos efeitos do extrato. Assim, um estudo multicêntrico realizado em 61 mulheres menopausadas comparando a C. racemosa com estrógenos conjugados e placebo demonstra uma tendência à elevação de triglicerídeos no grupo tratado com o fitoterápico, bastante parecido àquela observada com o grupo tratado com estrógenos conjugados, porém sem evidenciar outros efeitos estrogênicos. Esse resultado, que substancia a presença de uma ação hormonal, parece indicar que a C. racemosa poderia ser um SERM e, ao mesmo tempo, explicar a razão de discordâncias encontradas nos estudos sobre o extrato(19). Considerando as observações in vitro que evidenciam um efeito positivo do fitoterápico sobre a proliferação celular e também que alguns componentes seriam capazes de se ligarem aos receptores estrogênicos, parece tornar mais provável a natureza “sérmica” da C. racemosa, com a vantagem de aparentemente não exercer efeito proliferativo sobre os tecidos mamário e uterino(1,9,21). Uma revisão da literatura entre 1956 e 1997 sedimenta a eficácia do extrato radicular de C. racemosa no tratamento dos sintomas climatéricos. Neste particular, merece destaque um estudo sobre o tratamento associando o extrato com o tamoxifeno em 136 mulheres com câncer da mama, que demonstra a redução significativa dos sintomas vasomotores nas usuárias do extrato(15). Na revisão mencionada também fica patente a excelente tolerância ao fitoterápico, mostrando que apenas 7% dos casos evidenciam eventos adversos, leves e transitórios(8). O aparecimento de eventos adversos parece depender da dose e, mais freqüentemente, está representado por queixas digestivas (náuseas, vômitos), mas também sendo referidas cólicas uterinas e bradicardia(17). Historicamente a C. racemosa tem sido utilizada por períodos longos, mas a grande maioria dos trabalhos somente estuda o extrato radicular seco por períodos curtos. Por isso, a Comissão E alemã, agência controladora dos fitoterápicos na rede sanitária do país, recomenda que o extrato seja utilizado por um período máximo de seis meses, apesar de não terem sido referidos eventos tóxicos ou mutagênicos no bioma animal. A justificativa do presente trabalho é apurar o efeito do fitoterápico sobre a glicemia e o lipidograma em mulheres menopausadas em face da pendência existente sobre o seu efeito principalmente sobre os triglicerídeos. Metodologia As características do estudo são: comparativo, randomizado, duplo-cego e placebo-controlado. A casuística consta de 61 pacientes divididas em dois grupos: 1) grupo Cimicifuga com 33 pacientes às quais foram administradas cápsulas contendo extrato radicular seco de C. racemosa, na dose única de 80 mg/dia; 2) grupo placebo com 28 pacientes às quais foram administradas cápsulas de placebo, idênticas àquelas do grupo Cimicifuga. Nos dois grupos, o tratamento foi efetuado de modo contínuo e constituído de seis séries de 30 dias, no total de 180 dias, sendo as doses divididas em duas tomadas ao dia. Após o término do tratamento, foram administrados 10 mg de acetato de medroxiprogesterona/dia durante 14 dias, exceto em pacientes histerectomizadas. O medicamento fornecido às pacientes foi de aspecto idêntico nos dois grupos, para satisfazer o caráter duplo-cego. Os critérios de inclusão foram: amenorréia há mais de um ano ou FSH >30 mUI e E2 <20 pg/ml; ausência de tratamento hormonal há, no mínimo, três meses, de intolerância ou contra-indicação aos produtos, e de diabetes mellitus ou hipertensão arterial não controlados por medicamentos ou medidas higieno-dietéticas. Foram realizadas: uma consulta inicial, em que eram feitas a avaliação clínica e solicitação dos exames iniciais para inclusão no estudo; e mais três consultas, denominadas, respectivamente, visita 1 ou basal, de inclusão da paciente no estudo; visita 2, aos 90 dias; e visita 3 aos 180 dias. Nas visitas 1 e 2 foram realizados: avaliação clínica, anotação dos exames, fornecimento do medicamento com a devida orientação de uso, e solicitação dos exames a serem colhidos antes do retorno. Na consulta 3 foram realizados avaliação clínica, anotação dos exames e prescrição do acetato de medroxiprogesterona, agendando-se novo retorno para relato de eventual sangramento genital. O protocolo de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAPPesq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todas as pacientes assinaram o termo de consentimento esclarecido antes da inclusão no estudo. Resultados As características de ambos os grupos foram semelhantes, não havendo diferença estatisticamente significativa entre eles (Tabela 1). Em relação aos exames laboratoriais, não se encontrou diferença significativa entre os grupos, indicando homogeneidade quanto aos parâmetros laboratoriais, ao início do estudo (Tabela 2).
|
Bibliografia |
1. Bodinet C, Freudenstein J. Influence of marketed herbal menopause preparations on MCF-7 cell proliferation. Menopause 2004; 11:281-289. 2. Borrelli F,Ernst E. Cimicifuga racemosa: A systematic review of its clinical efficacy. Eur J Clin Pharmacol 2002; 58:235-241. 3. Dog TL, Riley D, Carter T. An integrative approach to menopause. Altern Ther Health Med 2001; 7:45-55. 4. Fernandes CE, Melo NR, Lima GR, Baracat EC. Doenças cardiovasculares e terapêutica de reposição hormonal – estado atual de conhecimentos. In Fernandes CE, Menopausa: diagnóstico e tratamento. Editora Segmento, São Paulo, 2003, pp 59-77. 5. Huntsberger DV, Billingsley PP. Elements of Statistical Inference, 1989, Dubuque, Iowa, WC Brown Publishers. 6. Liang KY, Zeger SL. Longitudinal data analysis using generalized linear models, Biometrika 1986; 73:13-22. 7. Lieberman S. A review of the effectiveness of Cimicifuga racemosa (Black cohosh) for the symptoms of menopause. J Women’s Health 1998; 7: 525-529. 8. Liske E. Therapeutic efficacy and safety of Cimicifuga racemosa for gynecologic disorders. Advances in Therapy 1998; 15:45-53. 9. Liske E, Hänggi W, Henneike-Von-Zeppelin HH, Boblitz N, Wüstenberg P, Rahlfs VW. Physiological investigation of a unique extract of black cohosh (Cimicifuga racemosa rhizoma): a 6-month clinical study demonstrates no systemic estrogenic effect. J Wom Health Gender-based Med 2002; 2:163-174. 10. Littell RC, Milliken GA, Stroup, WW, Wolfinger, RD, SAS System for Mixed Models, Cary, NC: SAS Institute Inc, 1996. 11. Lopes CMC, Hayashida SAY, Hime LFCC, Loei M, Halbe HW. Tratamento da menopausa com esquemas alternativos não explicitamente de natureza hormonal. Sinopse Ginecol Obstet 2000; 3:61-66. 12. Marcondes JAM, Lerario AC. Metabolismo dos carboidratos no climatério. In Pinotti JA, Halbe HW, Hegg R. Menopausa, Editora Roca Ltda, São Paulo, 1995, pp 121-131. 13. Marinho RM, Santiago RC. Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs). In Fernandes CE, Menopausa Diagnóstico e Tratamento, Editora Segmento, São Paulo, 2003, pp 14. Melo NR, Cunha MBC, Bunduki V, Freitas GC. Climatério e metabolismo dos carboidratos. In Sampaio NAP, Fonseca AM, Bagnoli VR, Halbe HW, Pinotti JA. Síndromes climatéricas. Ateneu, São Paulo, 1999, pp 45-51. 15. Muñoz GH, Pluchino S. Cimicifuga racemosa for the treatment of hot flushes in women surviving breast cancer. Maturitas 2003: 44(suppl 1):859-865. 16. Seidl MM, Stewart DE. Alternative treatments for menopausal symptoms. Systematic review of scientific and lay literature. CME 1998; 44:1299-1308. 17. Taylor M. Alternatives to conventional hormone replacement therapy. Comp Ther 1997; 23:514-532. 18. Winterhoff H, Spengler B, Christoffel V, Butterweek V, Löhning A. Cimicifuga extract BNO 1055: reduction of hot flushes and hints on antidepressant activity. Maturitas 2003; 44(suppl 1): S51-S58. 19. Wuttke W, Seilová-Wuttke D, Gorkow C. The Cimicifuga preparation BNO 1055 vs. Conjugated estrogens in a double-blind placebo-controlled study: effects on menopause symptoms and bone markers. Maturitas 2003; 44(suppl 1) 867-877. 20. Wuttke W, Jarry H, Westfallen S, Christoffel V; Seidlová-Wuttke D. Phytoestrogens for hormone replacement therapy? Journal of Steroid Biochem Mol Biol 2003; 83:133-147. 21. Zierau O, Bodinet C, Kolba S, Wulf M, Vollmer G. Antiestrogenic activities of Cimicifuga racemosa extracts. J Steroid Bioch Mol Biol 2002; 80:125-130. |