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Tópicos Atuais em Antibióticos
Microrganismos como armas biológicas: Uma perspectiva sombria
Hélio Vasconcellos Lopes
Chefe do Serviço de Infectologia do Complexo Hospitalar Heliópolis e professor titular de Moléstias
Infecciosas da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC.

artigo recente, publicado no the medical letter (41(1046):15, 1999), analisa um aspecto curioso e assustador ao mesmo tempo: a transformação de microrganismos em armas, para serem usados em um conflito bélico, entre países inimigos.
como isto poderia vir a acontecer?

a verdade é que agentes etiológicos de doenças potencialmente letais, que já foram ou estão sendo controladas, permanecem disponíveis, conservados em laboratórios situados nas maiores potências mundiais, provavelmente nos estados unidos, na rússia e, quem sabe, ainda em muitos outros países com poderio considerado menor.

é antiga a discussão, vista sob dois prismas – um, atento à saúde do universo e, outro, preocupado com os potenciais de defesa e/ou de ataque, diante de um possível novo confronto bélico mundial -, se tais microrganismos devam ser (ou já devessem ter sido) destruídos, sendo eliminada da face da terra qualquer substância residual que possa ser recuperada e ter suas propriedades antigênicas (patogênicas) reaproveitadas.

frequentemente são publicados artigos, tanto em revista médica como leiga, analisando este tema e questionando quanto à manutenção ou à eliminação desses agentes biológicos em laboratório. sua manutenção é “justificada”, considerando-os potenciais armas de defesa ou de ataque ou usando-os como um “ponto de equilíbrio”, um fator de segurança, levando-se em conta que um eventual reaparecimento desses agentes possa ser bloqueado com antídotos (vacinas, por exemplo) obtidos a partir desses agentes, permitindo uma “neutralização” do potencial bélico biológico entre as maiores potencias do mundo; em outras palavras, “não pense em usar isto porque eu também posso fazê-lo”!

enfim, como a humanidade ainda sobrevive (pelo menos até a composição deste artigo), vamos apresentar os microrganismos referidos nesse artigo como potencialmente utilizáveis diante de situações de beliculosidade.

entre os inúmeros agentes causadores de doenças potencialmente graves e disponíveis na natureza, alguns poucos se destacam, por terem certas propriedades associadas: um alto grau de patogenicidade, condições de estabilidade adequadas e facilidade para serem produzidos, rapidamente e em larga escala, para serem utilizados como arma biológica:



peste

a peste é causada pela yersinia pestis, um bacilo gram-negativo, anteriormente classificado no grupo pasteurella e, atualmente, no gênero yersinia. este agente poderia ser propagado por aspersão (aerossol) e provocar, após um período de incubação de dois a quatro dias, um quadro pulmonar primário ou septicêmico, com broncopneumonia, febre alta, calafrios e tosse com hemoptise. sem tratamento a peste, natural ou artificialmente (belicamente) provocada, progride rapidamente com insuficiência respiratória e morte.

o tratamento da peste pode ser feito com a utilização de diversos antimicrobianos (estreptomicina, tetraciclina, cloranfenicol) que, quando administrados imediatamente após o aparecimento dos primeiros sintomas, podem impedir a evolução letal.

há, também, uma vacina disponível, mas, para se obter um nível seguro de imunização, são necessárias três doses, com intervalo de meses, entre elas.

tularemia

a aspersão de seu agente etiológico, a francisella tularensis, pode causar quadro pulmonar ou doença sistêmica, três a dez dias após a exposição. sem tratameto, as taxas de mortalidade giram em torno de 35%.

a tularemia tem a estreptomicina, a tetraciclina e o cloranfenicol como terapêuticas disponíveis, sendo estreptomicina a droga de escolha.

não se tem, para prevenção, vacina comercialmente disponível. as forças armadas dos estados unidos têm uma vacina viva atenuada, ainda em fase de investigação.

brucelose

exposição às bactérias do gênero brucella, por aspersão, pode causar, após um período de incubação variável e prolongado, sintomas potencialmente graves que se podem prolongar por semanas ou mesmo por meses.

o tratamento de escolha da brucelose é feito com uma tetraciclina (doxiciclina) associada à rifampicina ou à estreptomicina (ou gentamicina). nenhuma vacina é disponível, nos estados unidos, para a prevenção da brucelose humana.

varíola

os últimos casos confirmados de varíola foram diagnosticados há mais de duas décadas. existem, no mundo, dois laboratórios conhecidos com estoque de vírus vivo: um nos estados unidos e o outro na rússia. após exposição respiratória e um período de incubação de 12 dias, a varíola evolui, em pacientes não vacinados, com taxas de mortalidade em torno de 30%.

dois antivirais disponíveis comercialmente têm atividade in vitro contra o vírus da varíola: o cidofovir e a ribavirina. não se dispõe, atualmente, de vacina comercialmente disponível; o centers for disease control (cdc) tem uma reserva de alguns milhões de doses da vacina para prevenir uma nova emergência da doença e outro tanto de imunoglobulina para tratar as potenciais complicações da vacina.

os autores deste trabalho concluem que peste, brucelose e tularemia podem ser efetivamente tratadas com antibióticos comercialmente disponíveis, mas questionam a pronta disponibilidade de estoques que permitam o tratamento de todos os expostos infectados e o risco potencial de emergirem bactérias geneticamente resistentes, por mecanismos naturais ou mesmo artificiais.

quanto à varíola, as drogas são consideradas de pouco valor; no entanto, o emprego imediato da vacina poderá revelar-se eficaz, mesmo após a exposição ao vírus.

considerando-se a rapidez com que se adquire tecnologia de ponta em todas as áreas da ciência, é perfeitamente possível imaginar que um laboratório, trabalhando com estes (ou outros) microrganismos, possa primeiramente torná-los disponíveis em quantidades capazes de afetar o mundo inteiro e em seguida transformá-los (por manipulações genéticas) em agentes resistentes a todos os mecanismos de defesa atualmente existentes, tais como antimicrobianos, antivirais, vacinas, imunoglobulinas e outros mais.