Revistas Fase R003 Id Materia 3215






Entrevista
Alimentos funcionais vão além da nutrição básica
Liliana Paula Bricarello
Setor de Lípides da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professora do Centro Universitário São Camilo

Numeração de páginas na revista impressa: 8 à 12

Consumidos regularmente, como parte de uma dieta variada e em níveis eficazes, os alimentos funcionais têm efeito potencialmente benéfico sobre a saúde, segundo a nutricionista Liliana Paula Bricarello, do Setor de Lípides da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professora do Centro Universitário São Camilo. “O nutricionista tem papel fundamental na equipe multidisciplinar, estando preparado para orientar as alterações alimentares necessárias à prevenção de doenças, como a obesidade, que já é um problema de saúde pública”, declara Liliana. Ela condena os hábitos alimentares “importados” e as chamadas “dietas da moda”, que retardam o tratamento rápido e correto de pessoas obesas. Nesta entrevista exclusiva à RBM Edição Especial Colesterol, faz extensa abordagem dos alimentos funcionais, entre eles os ácidos graxos polinsaturados que reduzem o colesterol total e o LDL-c plasmáticos, apresenta tabela comparativa da composição em ácidos graxos dos diferentes óleos e gorduras utilizados no consumo humano e de uso industrial, além de fornecer orientação para a reeducação alimentar.

RBM – O nutricionista tem condições de agir precocemente para influir na mudança de hábitos que evitará, a médio e longo prazos, a grave incidência de mortalidade por cardiopatias, que atinge mais de 30% da população brasileira?
Liliana Bricarello – O nutricionista tem papel fundamental na equipe multidisciplinar, pois é o profissional que está preparado para orientar as alterações alimentares necessárias na prevenção de determinadas doenças. Quanto mais cedo este profissional de saúde for procurado, mais precocemente estará atuando na mudança de comportamentos alimentares errôneos, contribuindo assim na qualidade de vida da população.

RBM – A obesidade infantil e a adulta já são problemas de saúde pública no Brasil? Qual o grande desafio do nutricionista para reverter esse quadro?
Liliana Bricarello – Sim, já é umproblema de saúde pública devido às conseqüências da obesidade em diversas outras doenças. O desafio do nutricionista é educar a alimentação de uma população que vem sendo cada vez mais apresentada a hábitos alimentares “importados” de outros países. Além disso, as chamadas “dietas da moda” acabam retardando o tratamento rápido e correto de pessoas obesas. As dietas da moda não induzem a aquisição de hábitos alimentares saudáveis e permanentes, condições obrigatórias para a perda e manutenção de peso, porém, muitas vezes repudiadas pelo indivíduo obeso. A adesão a estas dietas é grande inicialmente, porém a continuidade não é mantida em longo prazo, pelo fato de não retratarem o cotidiano das pessoas. Essas dietas preconizam a adoção de hábitos alimentares que não condizem com a realidade da pessoa, não sendo possíveis de serem sustentados. Geralmente, penalizam o indivíduo obeso e, em longo prazo, diminuem as suas chances de emagrecimento. Esses modismos não estimulam hábitos saudáveis e são geralmente frustrantes, pois podem, a longo prazo, comprometer a saúde dos indivíduos sobre vários aspectos. Por exemplo, dietas com muito baixo valor calórico induzem maior redução do metabolismo basal, aumentando a chance de reganho de peso. Já dietas nas quais se excluem determinados alimentos podem provocar carências nutricionais importantes. Aprender a se alimentar de forma adequada, fazendo escolhas de alimentos saudáveis na quantidade certa é a única forma de atingir e manter peso adequado.

RBM – A alimentação pode ser considerada como a mola propulsora dessas desordens do organismo? A orientação nutricional pode interferir positivamente?
Liliana Bricarello – Sim. A avaliação por um profissional habilitado para isso é fundamental. Na orientação nutricional são levados em conta aspectos de individualidade metabólica essenciais no tratamento e sucesso da mudança de hábitos alimentares.

RBM – Além de alimentos saudáveis, há os produtos funcionais dirigidos ao controle e prevenção de doenças. Quais os mais indicados para os casos de obesidade, dislipidemia, hipercolesterolemia, entre outros?
Liliana Bricarello – Até pouco tempo atrás a dieta para tratamento das dislipidemias resumia-se à restrição de alimentos ricos em gordura saturada e colesterol. A partir de pesquisas clínicas utilizando-se alimentos, verificou-se que alguns componentes alimentares poderiam desempenhar papéis que vão além da nutrição básica. Surgem assim os alimentos funcionais. Segundo o International Life Sciences Institute, alimentos funcionais são aqueles que oferecem benefícios à saúde que vão além da nutrição básica, devido a propriedades fisiologicamente ativas de seus componentes alimentícios. A mais recente publicação sobre alimentos funcionais da American Dietetic Association enfatiza que os alimentos que têm um efeito potencialmente benéfico sobre a saúde quando consumidos regularmente, como parte de uma dieta variada e em níveis eficazes, podem ser chamados de funcionais, podendo incluir alimentos integrais, fortificados, enriquecidos ou beneficiados. Na legislação brasileira de abril de 1999, Resolução 18 e 19, da Vigilância Sanitária, o termo utilizado para definir os alimentos funcionais é: alimentos com propriedades funcionais ou com propriedades de saúde. Alguns alimentos funcionais que são importantes nessas doenças citadas na pergunta:

A soja tem sido alvo de muitos estudos e sua eficácia é comprovada quanto ao seu efeito hipocolesterolêmico. Em 1995 foi realizada metanálise com 38 trabalhos, onde se verificou que em pacientes que consumiram dietas com proteína da soja em substituição a proteína animal houve redução significativa de colesterol total, LDL-colesterol e triglicérides. A ingestão de proteína da soja variou de 17 a 124 gramas por dia. Nestes estudos foram utilizados subprodutos protéicos da soja (proteína isolada, proteína texturizada e combinações desses dois subprodutos). Após esta metanálise, em 1999, o Food and Drug Administration (FDA), reconheceu, através de um amplo documento, que existem evidências científicas capazes de comprovar a eficiência da proteína da soja (25 gramas de proteína de soja/dia) em reduzir o colesterol plasmático e, conseqüentemente, o risco de doenças coronarianas.

As fibras viscosas e solúveis, inclusive o B-glicano presente na aveia, possuem propriedades hipocolesterolêmicas. Em 1997, o FDA acatou a primeira reivindicação alimentar sobre a relação entre o consumo de fibra solúvel da aveia e um risco reduzido de DAC. O FDA exige que qualquer alimento alegando benefícios à saúde contenha 13 gramas de farelo de aveia ou 20 gramas de farinha de aveia, e que o produto de aveia integral contenha, sem reforço, pelo menos um grama de fibra solúvel com B-glicano por cada porção.

A linhaça é um alimento vegetal único que oferece benefícios potenciais para a saúde cardiovascular, pois é fonte importante de ácido a-linolênico (ômega-3) e de lignanas, uma classe de fitoestrógenos. O teor de ácido a-linolênico na linhaça (57%) é maior do que em qualquer outra semente oleaginosa, enquanto o teor de lignana na linhaça é 800 vezes maior do que em outros 66 alimentos vegetais avaliados. Na Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia, estão sendo comercializados pães com linhaça na massa como terapia alternativa à TRH convencional. Outras pesquisas clínicas serão necessárias para confirmar os benefícios cardiovasculares e os elementos fisiologicamente ativos da linhaça. Sabe-se que a presença de duplas ligações presentes nos ácidos graxos polinsaturados interfere com a formação de estruturas altamente ordenadas, mantendo estas gorduras em estado líquido (óleos), na temperatura ambiente. Existem dois tipos de ácidos graxos polinsaturados, os representados pelas séries ômega-3 (a-linolênico, eicosapentaenóico-EPA e docosahexaenóico-DHA) e ômega-6 (linoléico e araquidônico). O ácido linoléico é essencial e é o precursor dos demais ácidos graxos polinsaturados da série ômega-6. A substituição dos ácidos graxos saturados por ácidos graxos polinsaturados reduz o colesterol total e o LDL-c plasmáticos, pelos seguintes mecanismos: menor produção e maior remoção de LDL e alteração da estrutura da LDL, diminuindo o conteúdo de colesterol da partícula. Os ácidos graxos ômega-3 são encontrados em peixes de águas profundas e frias e sua concentração depende da composição do fitoplâncton que os peixes se alimentam. As fontes de ácido a-linolênico são os tecidos verdes das plantas, óleo de canola e de soja. Os óleos de peixe, ricos em ácidos eicosapentaenóico (C20:5, n-3) e docosahexaenóico (C22:6, n-3) inibem a síntese hepática de triglicérides. Os ácidos graxos ômega-6 são encontrados nos óleos vegetais, exceto o óleo de coco, cacau e palma (dendê). As recomendações de ácidos graxos polinsaturados priorizam que estes devem participar de > 10% das calorias totais por dia (estimadas em 25% a 35% do valor energético/dia, segundo a American Heart Association).

Incor dá dicas de alimentação saudável


O Incor acaaba de lançar em em todo o País a revista de culinária saudável Emagreça com Saúde, que orienta obesos, cardiopatas, hipertensos, diabéticos e portadores de síndrome metabólica sobre que dieta seguir. As receitas elaboradas por especialistas do Incor ajudam na perda de peso, no controle da pressão arterial, do colesterol e do diabetes. A coleção Emagreça com Saúde é formada por 25 fascículos que chegam quinzenalmente às bancas, com o preço de R$ 5,90 cada.

A casca da semente de psílio, definida como epiderme da semente de Plantago ovata, é outra fibra viscosa solúvel que tem se mostrado eficaz na redução dos lípides séricos. Foram realizadas algumas metanálises que comprovaram a eficácia da casca de psílio, porém a mais atual avaliou a segurança e eficácia de 10,2 gramas da fibra (5,1g duas vezes ao dia), como terapia por 26 semanas, após dieta fase I da Associação Americana do Coração; este estudo multicêntrico demonstrou redução de 7% no LDL-c e de 5% no colesterol total. Em 1998, o FDA concluiu que, devido ao conjunto de provas científicas, há evidências que comprovam a relação da fibra solúvel de psílio com a redução dos lípides séricos. A recomendação do FDA de 1997, para essa fibra solúvel demonstrar seu efeito, é 7 gramas ao dia (equivalente a 10,2 gramas da casca), para uma redução de 4% a 6% do colesterol total e de 4% a 8 % do LDL-c.

As nozes foram o primeiro fruto seco a ser investigado com relação aos benefícios que sua ingestão poderia trazer à saúde do coração, porém vários estudos mostraram que amêndoas, macadâmias, pistaches, avelãs e pecãs podem efetuar redução significante no colesterol total e LDL-c, se consumidos como parte de uma dieta com baixos teores de gordura saturada e de colesterol. Cinco pesquisas clínicas recentes mostraram relação entre as nozes (macadâmias, nozes, avelãs e pecãs) e a doença coronariana, e todas demonstraram efeito protetor.

Os fitosteróis, componentes naturais presentes apenas em alimentos de origem vegetal, reduzem o colesterol devido à sua capacidade de diminuir a absorção do colesterol no intestino. Após uma avaliação de pesquisas publicadas em 2000, o FDA concluiu que os ésteres de esterol/estanol vegetal podem reduzir o risco de DAC. As pesquisas realizadas internacionalmente foram confirmadas no Brasil, após verificação da eficácia dos ésteres de fitosteróis em reduzir o colesterol total (10%) e o LDL-colesterol (12%) em indivíduos hipercolesterolêmicos moderados que utilizaram margarina enriquecida com 2,8 gramas/dia de fitosteróis.

A inulina e os frutoligossacarídeos (FOS) ou oligofrutoses, são oligossacarídeos resistentes, ou seja, são carboidratos complexos de configuração molecular que os torna resistentes à ação hidrolítica da enzima salivar e intestinal, fazendo com que essas fibras atinjam o cólon com produção de efeitos protetores sobre a microflora colônica. Os FOS e a inulina são considerados alimentos prebióticos, pois desempenham funções fisiológicas no organismo: prevenção de diarréia ou obstipação intestinal, alteração no trânsito intestinal, com efeito de redução de metabólicos tóxicos, redução do colesterol e da hipertrigliceridemia, controle da pressão arterial, entre outros. A eficiência desses prebióticos vai depender da população bacteriana presente no cólon, que varia individualmente. A inulina e o FOS apresentam efeito bifidogênico (estimulam o crescimento intestinal das bifidobactérias, que suprimem as atividades de bactérias putrefativas, como a E. coli).

Os probióticos são organismos vivos que quando ingeridos em determinado número exercem efeitos benéficos à saúde. Estes organismos agem no equilíbrio bacteriano, diminuem o colesterol plasmático, reduzem o risco de câncer e diarréias. Esses alimentos podem ser componentes de alimentos industrializados como os leites fermentados ou podem ser encontrados na forma de cápsulas ou pó. Ainda faltam estudos que estabeleçam quantidades diárias recomendadas para o controle de colesterol e triglicérides a partir dos alimentos chamados de prebióticos e probióticos.

A arte da culinária 


Ela é nutricionista formada pela Faculdade de Saúde Pública da USP, mas também culinarista, o profissional dedicado à arte de bem cozinhar. Trata-se de Flora Liz Spolidoro, que agrega à nutrição a correta escolha dos ingredientes e a combinação destes em formas, cores e sabores, além da cocção adequada e apresentação final dos alimentos.

Um prato cheio de experiência para levar à mesa não só alimentos saudáveis mas gastronomicamente perfeitos. E ela dá a receita: “Na culinária pode-se abordar isoladamente vários produtos ou ingredientes saudáveis, mas como processá-los, incorporá-los ou combiná-los com outros ingredientes pode fazer toda a diferença”, diz, ao explicar que princípios ativos saudáveis podem ser destruídos em um processo inadequado de cocção.

Flora aconselha a substituir frituras por cocção em forno (principalmente empanados e pré-fritos tipo batata palito); não misturar duas ou três fontes de alimentos ricos em colesterol/gorduras saturadas numa mesma refeição; nas receitas, substituir ingredientes de base tais como leite, queijos e ovos pelos tipos desnatados ou semidesnatados e usar mais claras do que gemas nos pratos que levam ovos. “Para se ter vida e alimentação saudáveis é fundamental não abrir mão de comer bem, com prazer e alegria”, ressalta. A culinarista declara ainda que “todos os alimentos são saudáveis dependendo da quantidade e maneira de prepará-los, e que a forma de combiná-los é, na maioria das vezes, o fator prejudicial à saúde, muito mais do que os nutrientes que eles contêm”.



RBM – A canola está entre os produtos funcionais que têm o Selo Funcor. Esta chancela realmente diferencia o produto em termos de garantia e credibilidade?
Liliana Bricarello – Todos os produtos, para conseguirem essa chancela, passam por uma rigorosa avaliação de suas características nutricionais.

RBM – Os produtos funcionais são zero trans?
Liliana Bricarello – Alguns produtos estão eliminando as gorduras trans de sua composição, mas não todos. Precisamos ler os rótulos com atenção para saber se o trans está presente ou não.

RBM – Dentro da ótica da prevenção, quais os cuidados que devem ser tomados para uma vida saudável a partir da alimentação de crianças, jovens, adultos e idosos?
Liliana Bricarello – Algumas dicas gerais para a Reeducação Alimentar:

· Comer devagar e mastigar bem os alimentos;
· Manter uma atividade física regularmente;
· Beber no mínimo 2 litros de água por dia;
· Fazer 3 refeições principais (café da manhã, almoço e jantar) e 2 “lanches” intermediários (frutas, iogurte, cereais, sucos naturais);
· Reduzir frituras, alimentos enlatados, embutidos e refrigerantes;
· Consumir salada crua e/ou verduras e legumes cozidos todos os dias;
· Não exagerar no sal e no açúcar;
· Retirar a pele e a gordura aparentes das carnes antes de cozinhar
· Preparar as carnes cozidas, assadas, ensopadas ou grelhadas;
· Utilizar azeite para temperar a salada;
· Não cozinhar por muito tempo os vegetais, pois eles perdem suas vitaminas e minerais;
· Usar e abusar de temperos como cebola, alho, orégano, salsinha, limão, sálvia, alecrim e outros; eles melhoram o sabor dos alimentos;
· A refeição deve ser colorida e variada, evite fazer o mesmo prato várias vezes por semana;
· Utilizar produtos integrais algumas vezes na semana (ex: pão, arroz, bolachas).