Numeração de páginas na revista impressa: 35 à 44
Resumo
A rinite alérgica é uma doença crônica cujos sintomas variam quanto à freqüência e à severidade. Está presente em crianças e adultos, geralmente diminuindo a qualidade de vida. O diagnóstico depende de uma história clínica minuciosa, apoiada no exame físico e nos exames complementares. O tratamento é complexo, pois inclui medidas educativas, controle do ambiente, medicamentos diversos e em alguns casos, imunoterapia específica e cirurgia. Esta revisão pretende abordar, de forma prática, como diagnosticar, classificar e tratar a rinite alérgica.
Introdução
A rinite alérgica é a rinopatia crônica de maior prevalência entre adultos e crianças e chega a afetar 10% a 25% da população mundial. Embora apresente baixa mortalidade, sua morbidade é elevada, pois diminui qualidade de vida do paciente. Pode afetar o desempenho escolar, profissional (estima-se que 60% das faltas ao trabalho estejam relacionadas às doenças respiratórias e que uma porcentagem considerável destas é pela rinite alérgica) e social, devendo-se ressaltar também os custos com a aquisição dos medicamentos. A associação com outras doenças, como a asma, as rinossinusites, as otites, a polipose nasal e a respiração oral ressalta ainda mais o seu impacto socioeconômico.
Definição
Define-se “rinite” como qualquer processo inflamatório da mucosa nasal (Quadro 1). A rinite alérgica é definida clinicamente por sintomas nasais (espirros, rinorréia, obstrução e prurido nasais) que surgem após a exposição aos alérgenos que se ligam a receptores de IgE presentes na superfície de mastócitos e basófilos, provocando a degranulação de mediadores inflamatórios formados e pré-formados.
Epidemiologia
A rinite alérgica apresenta um forte caráter genético, sendo mais freqüente se os pais forem alérgicos (Quadro 2). Não tem predileção por sexo ou raça. Pode iniciar em qualquer idade, embora seja mais comum na infância e na adolescência (80% dos casos se inicia antes dos 20 anos de idade).
Fisiopatologia
A rinite alérgica é considerada classicamente como uma reação inflamatória mediada por IgE (Figura 1).
Figura 1 – Interação alérgeno e IgE e liberação de mediadores químicos.
Classificação
A classificação da rinite alérgica é baseada na duração (“intermitente” e “persistente”) e na gravidade dos sintomas (“leve” e “moderada/grave”) (Quadro 3). A relação temporal entre a exposição aos alérgenos e o aparecimento dos sintomas também é classificada e deve ser considerada no planejamento do tratamento (Quadro 4).
* Adaptado de ARIA 2001 (Allergic Rhinitis and its impact on Asthma initiative).
Doenças associadas à rinite alérgica
A rinite alérgica é uma causa freqüente de consultas para alergistas, otorrinolaringologistas, pediatras e pneumologistas, pois é uma doença que pode afetar todas as vias aéreas, não se restringindo somente ao nariz. Os processos alérgicos são freqüentemente encontrados nos pacientes respiradores orais, associados ou não à hipertrofia adenoamigdaliana, provocando alterações odontocraniofaciais. Além do tratamento cirúrgico (adenoamigdalectomia, cauterização ou turbinectomia das conchas inferiores), o tratamento da rinite é fundamental para a atuação da Odontologia e da Fonoaudiologia.
O estado de obstrução nasal freqüente ou persistente, com retenção de secreção dentro da cavidade nasal, é também um fator predisponente para as rinossinusites. Embora a associação da polipose nasal com a rinite alérgica ainda não esteja clara, a presença de pólipos exige a investigação de outras doenças sistêmicas (intolerância ao ácido acetilsalicílico, fibrose cística, sinusite fúngica alérgica, síndrome de Churg-Strauss, discinesia ciliar, síndrome de Young e outros).
O processo inflamatório da mucosa nasal e as alterações da função mucociliar podem estender-se à tuba auditiva provocando otites médias. Nos casos das otites médias secretoras, além da adenoidectomia e da colocação dos tubos de ventilação, é fundamental o controle da rinite.
A rinite alérgica está freqüentemente associada à asma, seja atuando como fator causal ou como agravante dos sintomas respiratórios. De 28% a 78% dos asmáticos apresentam sintomas nasais e de 19% a 38% dos portadores de rinite alérgica apresentam asma. O paciente que apresenta rinite alérgica tem chance três vezes maior de desenvolver asma se comparado com indivíduos sem rinite. O controle dos sintomas alérgicos está associado à diminuição da severidade dos sintomas hiper-reativos do pulmão.
Quadro clínico e exame físico da rinite alérgica
Apesar da predominância dos sintomas nasais e das vias aéreas, a rinite pode manifestar-se nos diversos sistemas (Quadro 5). O exame físico deve ser completo, avaliando o estado geral do paciente e incluindo o exame otorrinolaringológico. Nos casos dos respiradores orais, as avaliações do odontologista e da fonoaudióloga serão necessárias também.
Exames complementares
1. Exames complementares específicos para rinite alérgica Dividem-se em in vivo e in vitro (Quadro 6).
2. Exames complementares otorrinolaringológicos · Endoscopia nasal flexível e a rígida: são úteis para avaliar alterações anatômicas da cavidade nasal (coloração de mucosa nasal, hipertrofia de conchas) e do cavum (hipertrofia de adenóide, obstrução da tuba auditiva) e fazer coleta de secreções e biópsias.
Figura 2 – Diagnóstico da rinite alérgica.
· Diagnóstico de imagem: as radiografias simples (frontonaso, mento-naso e perfil) e a tomografia computadorizada de seios paranasais (cortes coronal e axial) podem ser solicitadas nos casos de obstrução nasal persistente (rinossinusites, polipose nasal, tumores nasais, alterações anatômicas), auxiliando a diferenciar e esclarecer o diagnóstico, planejar tratamentos cirúrgicos e controlar o processo de cura.
Diagnóstico
O diagnóstico é obtido pela história clínica e pelo exame físico detalhados. Os exames complementares devem ser solicitados de forma individualizada para cada paciente (Figura 2).
Tratamento
O tratamento da rinite alérgica é complexo e, para obter os melhores resultados, deve incluir o controle ambiental (afastar os alérgenos), medicamentos, imunoterapia específica, educação e procedimentos cirúrgicos em alguns casos.
*Adaptado de van Cauwenberge P et al, Consensus statment on the treatment of allergic rhinitis. European Academy of Allergology and Clinical Imumunology. Allergy, 2000; 55(2): 116-34.
1. Controle ambiental As medidas de controle ambiental e os cuidados pessoais visam afastar o alérgeno do paciente, levando ao controle dos sintomas e reduzindo ou mesmo abolindo o uso de medicamentos (Quadro 7). É considerado de fundamental importância como tratamento único ou associado.
2. Medicamentos Há uma variedade de medicamentos para o tratamento da rinite alérgica que permite controlar os sintomas, mas que infelizmente não oferece a cura definitiva (Quadro 8). A escolha deve ser baseada na ação farmacológica, levando-se em conta também a idade do paciente, a severidade dos sintomas e os possíveis efeitos colaterais. Além de serem utilizados por períodos prolongados ou de forma freqüente, o custo dos medicamentos é elevado e pode dificultar a adesão do paciente.
2.1. Anti-histamínico oral/tópico Os anti-histamínicos se ligam competitivamente aos receptores H1 de histamina, bloqueando seus efeitos e podem inibir a liberação de mediadores dos mastócitos. Clinicamente diminuem os espirros, o prurido nasal e a rinorréia, mas têm pouco efeito sobre a obstrução nasal. A eficácia do anti-histamínico aumenta se for usado antes do contato com o alérgeno.
Os anti-histamínicos orais de segunda geração não apresentam sedação, efeitos anticolinérgicos e cardiotoxicidade. Os de primeira geração geralmente provocam sono. A terfenadina e o astemizol atualmente não são usados por causa da cardiotoxicidade (Quadro 9).
Os anti-histamínicos tópicos (azelastina) controlam os sintomas nasais rapidamente (menos de 30 minutos) e apresentam poucos efeitos colaterais.
2.2. Corticóide oral/tópico O corticóide é considerado o antiinflamatório mais eficaz no tratamento da rinite alérgica. O uso tópico intranasal pode proporcionar a inibição das fases imediata e tardia da reação de hipersensibilidade após provocação alergênica. Esta via de aplicação apresenta efeitos colaterais reduzidos por causa da baixa dosagem utilizada e ainda é pouco absorvida de forma sistêmica. Os mais utilizados são a mometasona, triancinolona, budesonida, beclometasona e fluticasona, na dose de um a dois jatos em cada narina, uma a duas vezes ao dia, podendo ser utilizados em crianças acima de quatro anos de forma supervisionada (a mometasona está aprovada para crianças a partir de dois anos de idade). Considerando que nas doses preconizadas a eficácia e os efeitos colaterais entre os corticóides tópicos disponíveis são semelhantes, a escolha do produto é baseada no custo, comodidade posológica e tolerabilidade ao sabor.
Os efeitos colaterais podem ser locais (irritação, ardência, espirros, epistaxes e até perfuração do septo nasal com uso prolongado) e sistêmicos (interferência no eixo hipotalâmico, efeitos oculares, reabsorção óssea, alterações do crescimento e alterações cutâneas). Ocorrem principalmente em pacientes que fazem uso prolongado ou associado ao corticóide inalatório para asma. 2.3. Anticolinérgicos Os nervos colinérgicos inervam as glândulas submucosas, os vasos arteriais e os sinusóides, ou seja, a estimulação colinérgica provoca o aumento da secreção glandular. O brometo de ipratrópio é um anticolinérgico que bloqueia exclusivamente a rinorréia. Na forma de spray nasal é eficaz para o controle da rinorréia da rinite alérgica. Seus efeitos colaterais locais são mínimos e tem poucos efeitos anticolinérgicos sistêmicos. Atualmente não se encontra disponível no nosso meio para uso nasal. 3. Imunoterapia específica A imunoterapia consiste em tentar modificar a resposta imunológica do indivíduo (imunomodulação), expondo-o a doses crescentes de um alérgeno sabidamente causador de alergia, com intuito de reduzir os sintomas.
Para iniciar este tipo de tratamento se deve definir exatamente quais são os alérgenos que desencadeiam os sintomas e considerar quais são as repercussões na qualidade de vida do paciente.
A escolha dos alérgenos deve ser realizado por um médico familiarizado com os alérgenos mais freqüentes e com os métodos diagnósticos mais adequados. Os extratos de alérgenos devem ser purificados, potentes e padronizados. Os melhores resultados são obtidos com as doses máximas de alérgenos, mas que não provoquem sintomas no paciente. A via de administração mais adequada é a subcutânea. O tempo de tratamento geralmente é prolongado, mas deve ser individualizado, baseando-se na regressão dos sintomas.
Esta forma de tratamento geralmente não é indicada antes da idade pré-escolar e nos idosos. O tratamento não deve ser iniciado nas gestantes, mas não precisa ser interrompido se ocorrer gravidez. A imunoterapia está indicada: 1) se a medicação anti-histamínica oral ou tópica não conseguir controlar os sintomas; 2) se o paciente não desejar utilizar a farmacoterapia ou não utilizá-la exclusivamente ou não aceitá-la em longo prazo; 3) se a farmacoterapia provocar efeitos indesejados ou se o seu uso estiver contra-indicado; 4) impossibilidade de afastar o contato com o alérgeno; e 5) nos casos de monossensibilização.
A imunoterapia está contra-indicada: 1) diante de doenças coronarianas; 2) uso concomitante de medicamentos beta-bloqueadores; e 3) alterações do sistema imunológico, como as imunodeficiências e as doenças auto-imunes. 4. Cirurgias ORL associadas A rinite alérgica é uma doença de natureza crônica que ainda não tem cura definitiva, seja através de medicamentos ou mesmo cirurgias. Este conceito deve ser bem explicado aos pais e ao próprio paciente quando possível, pois desta forma fica mais fácil a adesão ao tratamento medicamentoso e ao controle ambiental.
O tratamento cirúrgico, apesar de não ser curativo, é muito importante para aliviar os sintomas obstrutivos, como, por exemplo, diante de conchas nasais hipertróficas cujo edema não regride com medicamentos (pode-se realizar a cauterização ou mesmo as turbinectomias).
5. Algoritmo de tratamento da rinite alérgica para adultos e crianças Ver Figura 3.
CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS
1. Criança Os sintomas típicos da rinite alérgica ficam mais característicos nas crianças a partir dos 4-5 anos de idade. A rinite idiopática, a eosinofílica não alérgica e a polipose nasal são raras na infância.
O diagnóstico é baseado na história clínica e a história de atopia familiar deve ser valorizada. O exame físico deve ser minucioso e completo, pois a otoscopia pode revelar a associação com otite média secretora e o exame da face e orofaringe revelar um respirador oral. Os exames complementares deverão ser solicitados de forma individualizada.
Medidas profiláticas e controle ambiental são fundamentais no tratamento. O anti-H1 orais e os corticóides tópicos são úteis nos controle dos sintomas alérgicos. De um modo geral os corticóides orais são restritos para casos mais graves, principalmente se a rinite estiver associada com outras doenças, como, por exemplo, a asma. Os vasoconstritores tópicos devem ser usados com cautela, pois, além dos limites terapêuticos e tóxicos serem estreitos (distúrbios cardiovasculares e do sistema nervoso central), eles podem induzir uma rinite medicamentosa se utilizados prolongadamente. Descongestionantes orais podem ser utilizados para alívio mais rápido dos sintomas. A utilização dos medicamentos deverá ser sempre supervisionada pelo médico que ajustará a dose e a duração do tratamento, selecionando os medicamentos de acordo com a intensidade dos sintomas.
2. Idoso A rinite perene nos idosos raramente é causada por alergia. Neles, os mecanismos responsáveis são geralmente não alérgicos (como o desequilíbrio autonômico, a seqüela de desordens nasais prévias, tratamentos medicamentosos).
Um dos melhores exemplos de hiper-reatividade nasal no idoso é o “gotejamento nasal do idoso”, uma rinorréia aquosa clara e profusa que forma um gotejamento para a rino e a orofaringe. O brometo de ipratrópio pode ser benéfico nestes casos.
A rinite genuinamente alérgica pode ocorrer, mas a idade tem algumas implicações para a terapia. Os anti-histamínicos de segunda geração são seguros nos idosos, pois os de primeira podem causar retenção urinária e problemas de acomodação visual. Vasoconstritores, especialmente quando dados oralmente, freqüentemente promovem efeitos colaterais cardiovasculares e no sistema nervoso central.
3. Gravidez O estrógeno e a progesterona na gravidez ativam as glândulas seromucosas, provocando a obstrução nasal e a rinorréia que logo desaparecem após o parto.
A dexclorfeniramina é o anti-histamínico de escolha na gravidez. Os de segunda geração devem ser usados somente se os efeitos colaterais da dexclorfeniramina não forem tolerados, mas somente após o primeiro trimestre. Os corticóides nasais, nas doses preconizadas, parecem não causar efeitos teratogênicos ou adversos ao feto. Os descongestionantes orais devem ser evitados, pois podem teoricamente causar distúrbios cardiovasculares ao feto. A imunoterapia alérgica específica subcutânea não precisa ser interrompida durante a gravidez, mas seu uso não deve ser iniciado neste período.
O tratamento da gestante deve ser o menos agressivo possível e o esclarecimento sobre a doença é fundamental para motivá-la.
Figura 3 – Algoritmo de tratamento adulto e pediátrico (Adaptado de ARIA 2001).
4. Atletas
O exercício físico é um potente vasoconstritor. A resistência nasal decresce gradualmente com o aumento da pulsação devido principalmente à liberação de noradrenalina. Em circunstâncias normais não há efeito rebote e a vasoconstrição dura cerca de uma hora após o exercício. Em alguns atletas, como corredores de longas distâncias ou ciclistas, um efeito rebote ocorre após um curto período de aumento da potência nasal. 0 nariz fica obstruído por um considerável espaço de tempo, o que pode afetar a performance no esporte.
A prescrição de medicamentos para atletas deve considerar dois princípios: 1) a medicação não deve ser nenhum produto da lista de “doping”; e 2) a medicação não deve ter efeito adverso que afete a performance no esporte (os anti-histamínicos orais podem prejudicar o atleta por induzir o sono; a imunoterapia subcutânea pode provocar desconforto no local da aplicação, restringindo os movimentos).
Os seguintes medicamentos são considerados positivos para o “doping”: 1) vasoconstritores (derivados da beta-fenilefrina, efedrina e pseudo-efedrina orais e nasais); 2) corticosteróides sistêmicos; e 3) esteróides tópicos (são permitidos sob prescrição médica).
|